Comício do 85º Aniversário do PCP
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Almada, 4 de Março de 2006

Aqui estamos a celebrar os oitenta e cinco anos de vida do nosso Partido, a comemorar o aniversário dum Partido com a consciência da nossa própria razão de ser, com a convicção dos nossos ideais e objectivos, com o orgulho do nosso passado e da história de 85 anos de luta ao serviço dos trabalhadores, do povo português e de Portugal a lutar no presente, a pensar e a acreditar, com confiança e determinação no futuro do Partido, da democracia e de Portugal.

Enganaram-se todos aqueles que esperavam ver-nos desiludidos, desanimados, abandonando objectivos e ideais, deixando cair o sonho, o projecto político, a acção revolucionária. Enganaram-se todos aqueles que, confundindo desejos com realidades, determinaram, nos seus escritos e profecias, o definhamento irreversível do PCP.

Afinal frustrando tão intensos desejos, tão violentas e sofisticadas campanhas, expressas em toneladas de papel e quilómetros de fita, aqui estamos de pé, determinados e confiantes a olhar e a caminhar para a frente, num tempo em que surgem e persistem ameaças e perigos sombrios, mas não perdendo de vista a linha de horizonte, nem o percurso que temos de percorrer com as nossas energias, com a nossa combatividade e convicção, transportando o nosso projecto transformador e emancipador.

No seu pedestal de seguidores e beneficiários do sistema, ou no pântano do seu conformismo, não entenderam que este Partido vive e viverá porque integra na sua análise, acção e luta os verdadeiros problemas, necessidades, interesses e aspirações populares, porque compreende que na história, a luta dos trabalhadores e dos povos passa por avanços e recuos, estagnação e progressos, vitórias e derrotas, num processo milenário de transformações sociais. Não entenderam que nós não abdicamos nem nos afastamos da compreensão profunda de que são os povos que acabam por decidir do seu próprio destino.

Há sempre quem subestime ou esconda que este Partido foi construído, caldeado e temperado devido à abnegação, coragem e heroísmo de milhares de comunistas que, mesmo com a perda da vida, não pretenderam que o Partido os acompanhasse na morte, mas que antes continuasse em direcção ao futuro, pelas mãos, empenhamento revolucionário e luta de outros comunistas que hoje integram e virão a integrar o nosso grande colectivo partidário.

85 anos é um longo e complexo percurso carregado de profundas transformações da realidade. E por isso não temos dúvidas que se o Partido se tivesse quedado imóvel no pensamento e na acção, teria morrido ou ficado reduzido à insignificância. E se o comemoramos com esta pujança e confiança foi porque aprendeu com Marx, Engels e Lénine, com a revolução de Outubro e a experiência revolucionária de comunistas de outros países. Mas, simultaneamente, aprendeu também com a sua própria reflexão, a sua própria experiência, ao longo de décadas, enriquecendo o seu pensamento teórico, os seus objectivos, a sua acção prática, procurando respostas novas perante novas situações.

Respondendo à situação concreta de Portugal, assumindo lições e ensinamentos aprendidos em mil lutas e batalhas, o nosso objectivo e projecto de sociedade deixaram de obedecer a modelos, forjando, desenvolvendo e cimentando a identidade própria deste Partido Comunista Português. Lutas e batalhas sempre em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e das massas populares. Lutas e batalhas pela liberdade e a democracia. Lutas e batalhas em defesa do interesse nacional, da independência e da soberania. Lutas e batalhas inspiradas pelos ideais da solidariedade internacionalista.

A história de 85 anos do PCP é aquela que está expressa na sua acção e na sua luta, que está inscrita nas suas decisões, resoluções e Programa, história que é a própria história da luta da classe operária e dos trabalhadores após as duas primeiras décadas do século XX e os anos primeiros deste século XXI.

Quem estude a história do Partido encontrará em todo o seu percurso uma característica essencial da luta do Partido, antes e depois de 25 de Abril: é ter sempre estado inseparavelmente ligado à defesa dos interesses dos trabalhadores e à sua luta, por sua vez inseparável da actividade e da luta do Partido. Não significa esta característica marcante que o Partido tenha intervido e intervenha na sociedade como força do trabalho mas também da inteligência e da cultura que contasse e conte nas suas fileiras militantes oriundos de diversas camadas e classes sociais, que abraçam a causa do socialismo, que tenha surgido como dinamizador de grandes movimentos democráticos unitários. Mas o que foi e é determinante e predominante no quotidiano da acção do Partido e se transformou em duas realidades inseparáveis: luta dos trabalhadores - luta do PCP.

Este é também o ano em que comemoramos os 75 anos do «Avante!». A história do «Avante!» ao longo dos seus 75 anos de vida, é indissociável da história do PCP, da sua luta e da luta dos trabalhadores e do nosso povo pela liberdade, pela democracia e o socialismo. Comemorar os 75 anos do «Avante!» é saudar a coragem e a dedicação de gerações sucessivas de comunistas que, com inteligência, capacidade e engenho, construíram um jornal que é um dos mais notáveis exemplos na imprensa clandestina de todo o mundo e que no Portugal de Abril se assumiu como voz da luta, da democracia e do progresso.

Celebrando os 85 anos de vida do Partido, homenageamos todos os seus construtores que ao longo das suas vidas e até ao momento da sua morte se mantiveram firmes no seu ideal comunista. Mas julgo que, sem esquecer ninguém, é justo que lembremos, neste aniversário que pela primeira vez não conta com a sua presença, o nome do camarada Álvaro Cunhal.

Ao falar deste Partido, da sua história, da sua prática, natureza e ideologia, das suas características fundamentais, dos seus métodos e avanços teóricos, do seu Programa, temos de referenciar como intrínsecas à vida deste Partido, a vida, a obra, a luta de Álvaro Cunhal. A sua inteligência, a sua coragem, o seu humanismo, a sua ética política, as suas convicções, são indissociáveis do Partido que temos e do Partido que somos. Construtor e defensor do Partido, quando alguns pensaram descaracterizá-lo, fraccioná-lo e transformá-lo noutra cosia que não num partido da classe operária e de todos os trabalhadores, num Partido Comunista.

Não pretendendo fazer balanço de toda a sua obra teórica, política e revolucionária, reafirmamos hoje aqui, neste aniversário, que estamos a cumprir hoje, e tudo faremos para realizar no futuro, o seu mais fundo sonho e ideal – de prosseguir todos os combates para que este Partido se mantenha como Partido com uma natureza de classe, Partido de projecto revolucionário na luta pelo socialismo – ancorados no seu pensamento e contribuições teóricas, no seu exemplo de comunista.

Comunistas do nosso tempo, firmes no nosso ideal, usando o marxismo-leninismo, com a concepção do seu permanente enriquecimento pelo estudo de novas situações e fenómenos, processos, conhecimentos e experiências, mas assumindo-o como instrumento insubstituível para a análise das realidades, procuramos a explicação das novas realidades do mundo e do país em movimento.

Nós sabemos do peso das mutações nos sistemas económicos e na sua interacção e relacionamento, dos efeitos das derrotas do socialismo e da actual relação de forças, da inevitabilidade objectivamente considerada do aprofundamento da divisão internacional do trabalho, das alterações na composição social da classe operária, da necessidade de encontrar novas formas de cooperação internacional nas esferas científica e tecnológica, da tarefa crucial de toda a humanidade em defesa da paz, da busca de soluções para problemas ecológicos e ambientais, da fome, da doença, do esgotamento dos recursos naturais, da explosão demográfica que colocam novas exigências de cooperação entre os povos e os Estados independentemente do seu sistema social ou regime político.

Mas também sabemos que tais realidades não eliminam os antagonismos de classe nas sociedades capitalistas e a luta de classes como motor da evolução social e política. Sabemos que o mundo hoje está mais inseguro, mais injusto, menos democrático. E os que abdicam desse instrumento de análise e guia de acção consubstanciado nas teses de Marx, Engels e Lénine, precipitaram-se na avaliação conducente ao dogma de que o mundo caminhava para um sistema socioeconómico único, que era possível civilizar e democratizar o capitalismo, que o Estado estava a perder a sua natureza de classe, que a luta de classes deixou de ter sentido, logo deixava de existir a necessidade dos Partidos Comunistas.

E não será motivo de reflexão para os que, admitindo até que com objectivos justos, procuram outras fontes de análise, outras formas de organização, outras prioridades de intervenção, o facto de hoje os centros de decisão mais exacerbados do grande capital proporem a criminalização do comunismo e do marxismo-leninismo por receio da sua atracção e irradiação junto dos trabalhadores e dos povos, por medo da sua actualidade e validade, pondo em risco a relação de forças e a sua sede predadora de exploração e opressão que é intrínseca à sua própria natureza?

Procuramos sempre aprender com a experiência dos outros. Mas bem bastava a situação que hoje vivemos em Portugal, os perigos que decorrem para a democracia motivados por políticas de classe levadas por diante nas últimas décadas.

Se quisermos fazer uma síntese do balanço de um ano de governação basta pensar e demonstrar que hoje a economia está estagnada, há mais desemprego, há mais desigualdades sociais e regionais, há mais pobreza.

A ofensiva contra as estruturas socioeconómicas instauradas pela Revolução de Abril permanece hoje pela mão do governo PS/Sócrates com novas e nefastas consequências nas vertentes da democracia social, cultural e política.

Neste ano que leva de governação, assumiu por inteiro a herança das políticas de concentração e restauração dos grandes grupos económicos monopolistas dos seus antecessores, consolidando e reforçando, com a sua política, o poder dominante do grande capital na economia nacional.

Assim tem sido com a política fiscal, a política de rendimentos (preços e salários), a política orçamental, assim é com o recente anunciado programa privatizações, dando mais um passo na destruição das estruturas económicas que deveriam sustentar uma política económica democrática ao serviço do povo e do país.

O PS, com o aplauso do PSD e CDS-PP, mais uma vez coloca nas mãos dos grandes grupos económicos e financeiros, a pretexto da resolução imediata dos problemas orçamentais ou da redução momentânea da dívida pública, empresas altamente rentáveis que se juntam a outras que eram e são, em conjunto, essenciais para a aplicação de uma política de desenvolvimento nacional e para assegurar as condições básicas à garantia, ampliação e aperfeiçoamento de uma democracia social, política e cultural.

A política de privatizações, instrumento central da política de direita de concentração capitalista, apenas agudiza a crise estrutural que o país enfrenta e fragiliza a capacidade de resposta do país no combate à crise.

A experiência dos processos de privatização já mostrou bem ao que conduziu: levou à redução da actividade produtiva, ao agravamento dos problemas orçamentais, ao agravamento do desemprego e ao aumento dos preços dos serviços públicos, à diminuição dos direitos dos trabalhadores e ao aumento das desigualdades sociais.

Não é a vender o património público, desviando milhares de milhões de euros do Orçamento do Estado que se garantem no futuro as tão apregoadas finanças públicas saudáveis. Com o novo pacote de privatizações de importantes empresas, em cada ano, são mais cerca de 950 milhões de euros só pela via dos seus lucros que deixam de contar do lado das receitas para responder às necessidades de desenvolvimento do país.

Também não é com esta política de subordinação às estratégias e aos interesses dos grandes grupos económico e financeiros que se garante a soberania nacional e se mantêm os centros de decisão da economia em mãos nacionais. A verdade é que com tais decisões, mais cedo ou mais tarde, os centros de decisão vão passar, como tem acontecido, para a mão do capital transnacional.

A subordinação da economia nacional e o ajustamento das estruturas socioeconómicas às necessidades dos grandes interesses, particularmente do capital financeiro e da sua política de acumulação de capitais e de concentração de riqueza não está apenas dependente da política de privatizações dos sectores e dos negócios mais suculentos, mas também de um conjunto de sofisticados mecanismos de exploração dos trabalhadores e do povo e dos diversos sectores da economia nacional.

É uma escandalosa evidência que todo o país passou a trabalhar para engordar os grandes grupos económicos, particularmente os que dominam a banca. Anos consecutivos de crise e dificuldades para o povo e para o país, os mesmos anos ininterruptos de obscenos lucros da banca.

Em 2005, eis novamente lucros desmedidos em tempo de crise. Basta ver a amostra de três dos principais bancos privados, o BCP, BPI e BES que apresentam um aumento médio global dos seus lucros de 56%, um valor que corresponde a um lucro de 1 300 milhões de euros.

Lucros que são o resultado do estrangulamento financeiro de milhares de micro, pequenas e médias empresas, submetidas a volumosos níveis de endividamento, enormes restrições de crédito e elevados serviços de dívida. Lucros que resultam do pagamento de brutais e especulativos custos dos serviços bancários.

O mesmo para milhares e milhares de portugueses, cujo elevado endividamento, atinge o valor recorde de 124% do rendimento disponível da generalidade das famílias portuguesas, elas também submetidas às draconianas comissões bancárias.

Comissões que apresentam um crescimento acumulado de 46% entre 1986 e 2004 e que consubstanciam um verdadeiro imposto que os portugueses e as empresas pagam à banca e cujo peso, per capita ronda hoje os 200 euros anuais.

Lucros que se explicam pelo brutal tributo que pesa sobre o consumo e as empresas com a aplicação de taxas de juro efectivas muito superiores às baixas taxas de juro nominais de referência. Taxas de juro reais que atingem, muitas vezes, os 20%, 24 e até 28% no consumo.

Mas este é também o resultado da apropriação de escandalosos dividendos pelas participações no capital nas grandes empresas de energia, transportes, telecomunicações e outros serviços e empresas como a Brisa, Portucel ou Cimpor, antes públicas e agora total ou parcialmente privatizadas.

Empresas que garantem escandalosos lucros à custa da exploração dos seus trabalhadores e de uma política de preços dos seus serviços excepcionalmente elevada, em detrimento também da competitividade da generalidade das empresas portuguesas e do crescente agravamento do custo de vida dos trabalhadores e do povo.

Lucros que são também o resultado de novas descidas das taxas efectivas de IRC no ano de 2005, graças às vantagens fiscais de que continuam a beneficiar. Taxas efectivas de imposto muito aquém da taxa estabelecida de 25%. Na realidade é um escândalo que os lucros, as comissões e as margens financeiras cresçam e os impostos correspondentes decresçam.

São estes mecanismos de exploração e de subtracção de recursos ao povo e ao país, aos quais se acrescenta a desenfreada exploração também dos trabalhadores bancários, hoje com degradadas condições de trabalho.

Mas sendo esta a realidade, porque é que o governo e o Banco de Portugal fazem vista grossa a este escandaloso processo de extorsão financeira em prejuízo do conjunto da economia portuguesa e dos rendimentos dos portugueses e que afrontam os princípios fundamentais da Constituição da República?

Porque a política de direita é uma política de classe ao serviço dos grandes interesses e dos grandes senhores do dinheiro e, por isso, a coragem que o governo diz ter e diz ser necessária para impor aos trabalhadores e ao povo cada vez mais sacrifícios, não é a mesma para confrontar os grandes interesses e o grande poder económico com os quais se identifica.

Diga o governo o que disser, na verdade a crise não é para todos e muito menos é paga por todos.

Diga o que o governo disser, não há desenvolvimento harmonioso da economia nacional, nem resposta às necessidades do seu crescimento e à elevação da sua qualidade e capacidade de satisfação das necessidades do país sem uma política firme e determinada que confronte a usura de tais interesses.

É por isso também que o governo olha com visível condescendência e compreensão amiga o assalto do grande capital à PT desencadeado com a OPA de Belmiro de Azevedo e aos direitos especiais do Estado (golden share) nesta empresa estratégica.

Operação que é mais um passo no reforço do poder económico de uns poucos, num quadro de crescente submissão do poder político ao poder económico. Mais uma operação financeira que nada cria, a não ser, mais especulação bolsista.

Entretanto, aí temos com a concretização da operação de transferência de proprietário da PT a perspectiva do desmantelamento da empresa e da eliminação de mais uns milhares de postos de trabalho.

Aí temos também o descaminho nos próximos anos pela via dos impostos e dos lucros de uma nova fatia de receitas do Estado.

Não são os interesses nacionais que ganham com tal operação, sejam eles os da segurança, inviolabilidade das comunicação ou da defesa nacional, mas apenas os interesses de Belmiro de Azevedo.

Um ano após a tomada de posse do governo PS/Sócrates o que o país constata é a agudização de todos os problemas a que conduziu a desastrosa política dos governos do PSD/CDS-PP. Um ano após a aplicação, no essencial, da mesma política, os mesmos resultados, as mesmas consequências agravadas pela sua persistência no tempo.

Se com os governos do PSD/CDS-PP o desemprego foi sistematicamente assumindo dimensões cada vez mais preocupantes, com o PS no governo ao fim de um ano o desemprego atinge a mais alta taxa dos últimos 20 anos. São os dados do desemprego de Janeiro que assim o dizem.

Se com os governos do PSD/CDS-PP assistimos à contínua destruição do aparelho produtivo nacional e à crescente dependência económica do país, com o governo do PS, um ano passado e o país combina uma grave situação de estagnação com um brutal agravamento das contas externas.

Contas que apresentam um défice a crescer de 43% durante o ano de 2005, este sim um défice muito mais decisivo e preocupante que qualquer outro, incluindo o orçamental.

É esta linha condutora que os partidos do bloco central, ao serviço dos interesses dos grupos económicos e financeiros, têm concretizado em alternância no poder e que agora se apresentam para prosseguir no futuro imediato, sobre a eufemista designação de “cooperação estratégica”, sob a protecção de Cavaco Silva.

Ao mesmo tempo que, paralelamente, o PSD rebobina a fita do filme da oposição fictícia, empolando aspectos secundários e encobrindo as suas próprias responsabilidades na crise, para abrir um novo ciclo de ilusões nesse “jogo político” já visto e revisto em que os mesmos partidos se vão revezando no Governo em alternância, mas sem que tal signifique realmente uma alternativa política e políticas alternativas.

Só a falta de decoro permite à direita, ao PSD e ao CDS-PP apresentarem-se como oposição às mesmas políticas que eles próprios conduziram nos dois últimos governos em que participaram e cujo conteúdo antidemocrático e anti-popular teve as mesmas desastrosas consequências que afirmam agora querer combater.

As alterações produzidas nestes anos na estrutura socioeconómica, com a reconstituição dos grandes grupos económicos monopolistas e do seu domínio, condicionou e fez regredir as outras componentes da democracia. A evolução da sociedade portuguesa nestes anos últimos revelou mais uma vez o carácter inseparável das quatro vertentes da democracia – a económica, a social, a cultural e a política – e o papel determinante da estrutura socioeconómica nessa evolução.

À medida que a democracia económica dava passos atrás com a subversão das estruturas económicas sobre o controlo público e a sua passagem para o controlo e domínio dos grandes grupos económicos e financeiros, inflectia também num sentido antidemocrático a política social e cultural e o próprio regime político.

Foi assim que vimos no plano social, para além do desemprego em massa, a progressiva liquidação de direitos fundamentais dos trabalhadores, a generalização da precariedade, o ataque ao salários e ao direito à contratação colectiva de trabalho. Foi assim que vimos desenvolver-se paralelamente uma poderosa ofensiva contra as funções sociais do Estado e a sua privatização, visando a desresponsabilização do estado das suas obrigações nos domínios da saúde e da segurança social.

Se com os últimos governos do PSD e CDS-PP o mais violento ataque aos direitos dos trabalhadores e às suas organizações ficou patente no Código de Trabalho. Esse Código, que espelha um profundo retrocesso social. Com o governo do PS demarcando-se apenas em palavras da ofensiva da direita e do seu Código que agora resiste a revogar, assistimos ao aprofundamento da mesma política da direita nas várias frentes contra os direitos dos trabalhadores, com particular virulência contra os trabalhadores da Administração Pública.

Não se trata apenas do ataque aos seus direitos enquanto trabalhadores, como o congelamento dos salários, agora pela sexta vez, do inadmissível congelamento das carreiras, no inqualificável agravamento das condições de aposentação, pela criação de novas formas de desvinculação (despedimento), mas à própria essência da função pública, à natureza do seu estatuto de trabalhador da Administração Pública com a introdução, em larga escala, do regime de contrato individual de trabalho e da negação do direito à contratação colectiva.

É esta política social antidemocrática e anti-popular que transformou e continua a transformar Portugal no país mais desigual da União Europeia.

Na política cultural, vemos o ressurgimento das componentes elitistas no ensino e em todas as áreas da vida cultural. Foi assim também com últimos governos do PSD/CDS-PP. É assim com o governo do PS, particularmente em relação ao ensino, cuja prioridade tem sido uma brutal ofensiva contra a escola pública, a gestão democrática, os direitos dos docentes e alunos.

Na democracia política, assistimos ao sucessivo caminhar para o empobrecimento e perversão do regime democrático. Foi a aprovação de novas leis sobre os partidos e o seu financiamento, impondo determinadas formas de organização e funcionamento que limitam de forma inaceitável a liberdade de associação política. Foram e são a instrumentalização do aparelho do Estado e a sua ocupação e partidarização, bem como dos grandes órgãos de comunicação social, mas também as tentativas de governamentalização da justiça e do poder político. Os bloqueamentos a uma eficaz fiscalização da acção governativa. A criação de novos serviços de informação e dessa solução neoliberal – as Entidades Reguladoras monopolizadas na sua composição pelos partidos do poder e pelos representantes dos grandes interesses económicos sob o manto da independência.

Esta evolução da democracia política tem agora a sua continuação nas anunciadas alterações aos sistemas eleitorais que o PS acaba de anunciar como uma prioridade para 2006.

Alguns cidadãos menos informados podem pensar que se é certo que o Governo do PS em matéria de política económica, de política social e sobre os direitos dos trabalhadores é uma repetida desilusão, pelo menos no que toca à democracia política não há motivos para alarme ou preocupação com as orientações do PS, do seu Governo e da sua maioria absoluta de deputados.

Infelizmente, isso nem de longe nem de perto corresponde à verdade dos factos e à verdade das intenções.

Porque a verdade é que o PS, em significativa convergência com o PSD, ao voltar a anunciar o seu urgente empenho em aprovar as alterações às leis eleitorais para as autarquias locais e para a Assembleia da República o que está a pensar é limitar e desfigurar a democracia política consagrada na Constituição.

Quanto à lei eleitoral para as autarquias, o PS e o PSD querem é dar um golpe profundo na legitimação directa das populações, na democraticidade do poder local, nos mecanismos de fiscalização e controlo democrático do poder.

Quanto à lei eleitoral para a AR que o PS – também aqui em significativa cumplicidade com o PSD – quer alterar, é nossa estrita obrigação democrática voltar a acusar o PS de pretender criar um sistema eleitoral que, para além de confuso, complicado e incompreensível para a maioria dos cidadãos, pretende sobretudo favorecer e estimular a concentração de votos no PS e no PSD, com prejuízos manifestos para todas as outras forças.

É esse e só esse o real e verdadeiro objectivo da tão falada criação de círculos uninominais (ou seja, de círculos em que só é eleito um único deputado – o que ganhar).

E tudo isto é sempre «vendido» como sendo um grande serviço prestado à democracia pois assim se garantiria uma alegada «aproximação dos deputados aos eleitores».

E se, como dizem, o PS e o PSD estão preocupados com o descrédito da política e propõem estas soluções, é preciso dizer-lhes que o divórcio, o descrédito e o afastamento das pessoas resulta acima de tudo de uma política que não responde aos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo e de uma prática de certos políticos que nunca cumprem o que prometem.

A democracia tem que ser considerada, simultaneamente e em estreita articulação, nas suas quatro vertentes fundamentais.

O país não está condenado a prosseguir esta política de desastre nacional ao serviço dos grandes interesses. Há outro caminho. Outro caminho que pressupõe uma ruptura democrática e de esquerda, uma real viragem de rumo na política nacional. Política que assuma que não há democracia social, nem democracia cultural, nem uma efectiva democracia política, se não há democracia económica. Isto é, se o poder económico e financeiro, o domínio do país é exercido pelos grandes grupos económicos e financeiros e se o bem-estar das populações é sacrificado aos seus estreitos interesses.

A persistência no actual caminho encerra numerosos perigos não só para o desenvolvimento do país, mas para a própria democracia com a imposição de sistemas de engenharia eleitoral que inviabilizem o aparecimento de alternativas ao bloco central do poder e dos grandes interesses.

Por isso, a exigência do reforço e aprofundamento da democracia económica tem necessariamente que continuar a estar no centro da intervenção e acção política do partido, dos trabalhadores e das massas populares.

A democracia económica, tal como temos afirmado e defendido é incompatível com a destruição do aparelho produtivo nacional e a liquidação de milhares de micro, pequenas e médias empresas. Como é incompatível com o processo privatizador dos sectores estratégicos da economia nacional e dos serviços públicos essenciais à vida das populações.

A democracia económica pressupõe que o Estado assume um forte e dinâmico Sector Empresarial nas áreas económicas de importância estratégia para desenvolvimento e modernos e sólidos Sistemas de Serviços Públicos que concretizem as funções sociais do Estado nas áreas da saúde, educação e protecção social e o acesso a um conjunto de bens essenciais às populações, como a água.

O verdadeiro desenvolvimento exige o aumento do emprego e a melhoria das condições de vida das populações em todo o território nacional. Tal como exige uma política de mobilização dos recursos e potencialidades nacionais para o desenvolvimento da indústria, agricultura e pescas.

A vida mostra que não são as políticas de direita que podem dar resposta aos problemas de um país com uma economia periférica, enormes défices estruturais e com significativos atrasos que urge vencer.

É preciso e necessário romper todo este colete-de-forças que amarra a democracia portuguesa e bloqueia o desenvolvimento do país. É preciso e necessário abrir a luta em todas as frentes, mas essencialmente é necessário apoiar e desenvolver a luta dos trabalhadores e do povo.
Luta que é um elemento decisivo para obrigar o Governo a recuar nas medidas injustas e desastrosas que anunciou e desencadeou e impedir que prossiga o caminho de aprofundamento da política de direita, que sacrifica os interesses do povo e do País.

Saudamos os trabalhadores que na Administração Pública, no sector ferroviário e em muitas empresas e sectores lutam pelos seus direitos e interesses contra esta política nociva para o país. Saudamos em particular a CGTP-IN que como obra ímpar construída pelos trabalhadores portugueses continua, na sua acção e na sua luta, a dar sentido à matriz unitária, democrática, independente, de massas e de classe. E aos trabalhadores e às suas organizações lançamos um apelo: Sacudam as teses e os fabricantes do conformismo e das inevitabilidades. Aos trabalhadores nunca e nada foi dado. Foi sempre conquistado pela sua unidade na acção, pela sua luta persistente, quase sempre dura e prolongada, mas com avanços e resultados!

Nesta celebração queremos manifestar a nossa admiração, solidariedade e saudação a todos os trabalhadores, forças revolucionárias e progressistas, a todos os povos que lutam, resistem e dão passos adiante na defesa dos seus direitos de democracia e de soberania e independência nacionais.

Sabendo e defendendo que hoje é cada vez mais premente a internacionalização da solidariedade e da luta, da procura permanente da convergência, da cooperação e linhas de intervenção e iniciativas comuns como resposta à cada vez maior articulação do grande capital e das grandes potências na sua ofensiva de exploração, opressão e guerra, partimos da nossa característica de sermos um Partido patriota e internacionalista.

Nós sempre defendemos uma ideia base: cabe ao povo português, como a todos os povos do mundo decidir do seu próprio regime económico, social e político, da sua própria política interna e externa, do seu destino, do seu futuro.

Outros partidos, de direita, o próprio PS e até da área esquerdista, que no passado nos acusavam de ser um partido estrangeiro, acusam-nos agora de sermos um partido nacionalista ou, em linguagem mais rebuscada, um partido “soberanista”. Teses que curiosamente são defendidas por grandes potências ao proclamarem ultrapassada a soberania de outros Estados enquanto vão obtendo para si mesmos um monstruoso alargamento da sua própria soberania.

Nós, comunistas, somos patriotas não somos nacionalistas. Patriotas de sempre e de raiz, porque a nossa luta é com o nosso povo e na nossa pátria. Mas só entendemos e assumimos esse patriotismo porque não o dissociamos da nossa dimensão internacionalista. Respeitamos e somos solidários com outros povos porque respeitamos e amamos o nosso povo.

O PCP não só respeita os interesses e direitos de outros povos e nações como é para com eles profundamente solidário. Solidário com todos os trabalhadores e povos que no mundo lutam contra a exploração e a opressão, que lutam pela sua independência, pela paz, pela democracia.

Fomos, somos e seremos solidários para com os comunistas, as forças revolucionárias e progressistas, com os que se opõem ao imperialismo, que insistem em construir o socialismo, solidários com Cuba terra livre na América, com o povo palestiniano e o seu direito inalienável a um Estado independente.

Continuaremos a lutar por uma política digna de Portugal de Abril, uma política de independência nacional, de relações de amizade e cooperação diversificadas com todos os povos do mundo. Continuaremos a luta contra o envolvimento de Portugal na estratégia expansionista e agressiva do imperialismo, quer se trate dos Estados Unidos, da NATO ou da União Europeia, e contra a participação de militares portugueses no Iraque e no Afeganistão.

Aqui estamos, inquietos mas simultaneamente muito confiantes, animados por aquela esperança que não fica à espera, prontos para os combates quotidianos, estimulados pelos bons resultados das três batalhas eleitorais recentes que, demonstrando também a esse nível, a falência e a falácia da tese da inevitabilidade do definhamento do PCP, criaram melhores condições para concretizar com êxito o objectivo de considerar o ano de 2006 como ano de reforço do Partido. Ano para agarrar e concretizar as decisões e orientações do XVII Congresso no sentido de materializar o conceito integrado do reforço da intervenção e reforço da organização, direccionando a prioridade do nosso trabalho para as empresas e locais de trabalho, prosseguindo e concretizando a deliberação Sim, é possível um PCP mais forte!

Quero daqui anunciar que neste mês de Março vamos alcançar a meta, a que nos propusemos há um ano atrás, de conseguir 2500 novos recrutamentos de militantes para o Partido, sendo justo referir que a JCP, desde a Festa do Avante! até agora, conseguiu 500 novos recrutamentos. Este reforço orgânico do Partido vai servir não para ter, estar e mostrar. É uma questão crucial para preparar melhor o Partido nas suas respostas à situação, para intervir e agir a todos os níveis da sociedade, mas fundamentalmente lá onde pulsa o problema, a aspiração, lá onde se trava e se desenvolve a luta dos trabalhadores, da juventude e das massas populares, lá onde residem as causas e os destinatários principais da razão de ser deste Partido Comunista, que resistiu e lutou o tempo que foi preciso, que continua a interpretar o sonho mais avançado, ainda que milenário, do ser humano, de libertação e emancipação, que se afirma como um grande colectivo capaz de impulsionar os avanços progressistas de que a sociedade portuguesa carece, capaz de dar a sua contribuição para relançar e reforçar o movimento comunista e revolucionário de que os trabalhadores e os povos precisam, tendo como alternativa ao capitalismo o socialismo.

Correspondendo às muitas saudações enviadas por ocasião deste 85º aniversário, e sublinhando com particular fraternidade, começo por saudar as diversas delegações que, presentes numa iniciativa internacional realizada aqui no nosso país, quiseram aqui estar connosco, garantindo-vos que podem contar com o PCP e a sua acção e luta internacionalista e a procura de caminhos e lutas comuns, saudar os trabalhadores e as suas organizações sociais de classe, manifestando da nossa parte um claro e determinado empenho na luta em defesa dos direitos individuais e colectivos, no trabalho com direitos.

Saudar a juventude declarando o nosso empenhamento na sua luta para concretizar anseios e reivindicações laborais e estudantis, saudando particularmente a JCP para que o 8º Congresso, a realizar em Maio, constitua um grande êxito e avanço para, como diz o seu lema, transformar o sonho em vida.

Saudar as mulheres portuguesas, no limiar das comemorações do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, declarando o nosso apoio às suas iniciativas, acção e luta de combate às desigualdades, à defesa da sua dignidade e das suas causas civilizacionais.

Saudar os intelectuais que tomam partido pela liberdade, pela democracia social e cultural, pela paz, pela justiça social, com a certeza de que encontrarão no PCP um protagonista avançado dessas causas e objectivos, um espaço de realização dos seus saberes e conhecimentos.

Saudar os micro, pequenos e médios empresários e agricultores, dizendo-lhes que vejam neste Partido um defensor coerente dos seus problemas e legítimos direitos.

Saudar os reformados e os cidadãos com deficiência manifestando, hoje como no passado, o nosso empenhamento na luta por melhores condições de acesso à saúde e combate às discriminações.

Saudar todos os democratas que, inquietos e preocupados com o rumo da política nacional e com a democracia, estão dispostos a procurar causas e caminhos convergentes para connosco defender o regime democrático e a liberdade.

Saudar o povo português afirmando-lhe que os comunistas portugueses e o seu Partido não regatearão nenhum esforço, não virarão a cara a nenhum combate, para encetar um outro rumo na vida nacional, para construir um Portugal de paz, de progresso e de justiça social.

85 anos é um tempo curto de qualquer processo histórico e de vida dum povo. Mas é o tempo bastante para julgar da história, da luta e da validade de um partido e do seu projecto.

Neste fascinante percurso não ficamos isentos de erros, conhecemos dificuldades e debilidades porque o Partido é uma obra humana! Mas perante o povo e o país afirmamos com grande honra e convicção: valeu e vale a pena ter este Partido, valeu e vale a pena a sua história e a sua luta. Valeu e vale a pena olhar para o futuro com confiança, determinação e esperança, porque perseguimos o ideal mais nobre da emancipação e libertação da exploração do homem pelo homem, porque queremos uma vida melhor para quem trabalha, porque queremos um Portugal desenvolvido, de progresso, independente, onde seja o povo a decidir.