Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
14 de Junho de 2005

 

Morreu o camarada Álvaro Cunhal. A sua morte física provoca-nos um profundo sentimento de dor e de perda.

Os comunistas, os trabalhadores, o povo português, o movimento comunista e revolucionário perdem um grande homem, um obreiro da sua causa libertadora.

O tempo de vida dum homem é sempre um tempo curto no processo histórico da sociedade humana. Assim aconteceu com o camarada Álvaro.

No entanto ele teve o privilégio de viver num tempo e num século de grandes acontecimentos onde se verificaram avanços e conquistas fascinantes e trágicos recuos e derrotas.

Viveu esse tempo não só observando e interpretando esses acontecimentos mas assumindo um papel de protagonista na luta pela liberdade do seu povo e pela democracia no seu país sem abdicar da sua visão e dimensão internacionalista.

A prática política do colectivo partidário, de que foi obreiro e intérprete, aliada a uma profunda e invulgar assimilação do marxismo-leninismo na sua dupla dimensão de explicação e de transformação do mundo, fizeram de Álvaro Cunhal o pensador político de maior craveira do Portugal do século XX.

A sua produção política teórica, de indiscutível mérito próprio, nunca foi por ele considerada como tal, quer na recolha de dados quer nas conclusões a que chegou.

Na elaboração das suas obras, tanto políticas como literárias, sempre procurou saber e sempre soube acolher a opinião do mais humilde militante e a do mais credenciado especialista.

No quadro do grande colectivo que desde sempre e para toda a vida abraçou, que a sua inteligência, coragem política, ideológica, moral e física ajudou a erguer, o camarada Álvaro Cunhal deu uma contribuição de alcance histórico à luta do povo português no derrube da ditadura fascista e o seu nome ficará para sempre ligado à Revolução Portuguesa do 25 de Abril.

De convicções inabaláveis, posto à prova em condições brutais pelos esbirros do fascismo que o tentaram quebrar física, psicológica e intelectualmente, Álvaro Cunhal não só resistiu como voltou sempre disposto a combater.

A sua determinação revolucionária, a firmeza na defesa dos princípios, a dureza de tantos combates não deixaram muitas vezes que se revelasse a sua dimensão humanista para com os mais fracos, os mais pobres e explorados e particularmente com as crianças para quem o seu afecto tocante, surpreendia na aparente contradição com a sua tenacidade e determinação.

A sua criatividade e obra artística revelavam a grandeza da sua alma manifestada tantas vezes num desenho feito na prisão ou num intervalo duma reunião comprovativo da frase que um dia pronunciou da inexistência de zonas brancas na sua vida.

Sentimos a dor da perda. O camarada Álvaro faz-nos falta!

E é por isso que a sua figura e a sua personalidade serão guardados na memória do nosso coração.

Mas o seu exemplo, a sua obra, não morrerão porque vamos fazer como ele gostava que se nós fizéssemos: sem idolatria personificada, sem concepção dogmática ou leitura escolástica das suas ideias ou da sua obra, antes usando-as como instrumentos com aplicação concreta à realidade, à vida, à luta, ao ideal e objectivos do nosso Partido.

Faz-nos falta, sim!

Mas como ele próprio afirmava a chave do segredo do futuro do reforço e da influência do nosso Partido, para além do mérito das capacidades individuais de tal ou tal militante, de tal ou tal dirigente, residirá fundamentalmente na nossa capacidade colectiva, na nossa unidade e coesão, na nossa capacidade em nos ligarmos aos trabalhadores e ao povo, viver os seus problemas e aspirações e lutar pela sua resolução e realização, prosseguindo a nossa luta nacional como a melhor contribuição para o desenvolvimento da nossa acção e dimensão internacionalista e de relacionamento com os partidos comunistas, forças revolucionárias e progressistas.

Fazer, como ele ambicionava, por prosseguir o nosso objectivo de uma democracia avançada no limiar do século XXI tendo como horizonte a construção duma sociedade livre da exploração e opressão capitalistas, construindo o socialismo firmados na convicção, nos valores, ideais, princípios, ideologia e projecto que animaram até ao último momento a vida do camarada Álvaro Cunhal.

A marca da superior dimensão política, ideológica, intelectual, humana do camarada Álvaro Cunhal ficou impressivamente gravada neste Partido que é o nosso, neste colectivo partidário firme nos seus ideais e nos seus princípios; neste colectivo partidário fraterno e solidário, unido num imenso abraço de camaradagem e amizade.

Quis ele como última vontade deixar escrito que sem pronunciamento de discursos no funeral, lhe seria particularmente grata a ideia de que poderão (seja ou não possível fazê-lo) despedir-se dele nesse dia designadamente camaradas seus «dos mais responsáveis aos mais modestos e desconhecidos», junto com os quais, antes e depois do 25 de Abril lutou, até aos últimos dias da sua vida, também familiares a quem muito queria, «a filha querida e seus filhos, irmã, companheira, mulher amada e outros familiares próximos» e «ainda amigos sem partido» e «homens e mulheres e jovens que se habituou a estimar e a respeitar» e «outros que queiram estar presentes com respeito pelo que como comunista foi toda a vida, com virtudes e defeitos, méritos e deméritos como todo o ser humano».

O Comité Central do PCP tem a certeza e a convicção de que hoje e amanhã, os comunistas, os trabalhadores, os jovens, os democratas e patriotas portugueses, prestando homenagem na hora da despedida ao camarada Álvaro Cunhal saberão corresponder a esta sua última vontade.

Com uma nova mas idêntica certeza e compromisso. Por nós, comunistas do nosso tempo, a luta continua!