Orçamento de Estado para 2006 (apreciação na generalidade)
Intervenção de Eugénio Rosa
10 de Novembro de 2005

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Gostaria de colocar-lhe três questões con-cretas.

Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou que os resultados do combate à evasão e fraude fiscais mostram que, até Novembro de 2005, houve a recuperação de cerca de 1100 milhões de euros.

O Sr. Ministro de Estado e das Finanças, na audição com a Comissão de Orçamento e Finanças, afirmou que o objectivo para 2006 correspondia a 1,2 pontos percentuais do aumento de 6,8 pontos percentuais, o que, fazendo contas, dá 360 milhões de euros.

Seria de esperar que o objectivo para 2006 fosse superior ao valor alcançado em 2005.

Como é que se explica que o objectivo para 2006 represente menos de um terço do valor obtido em 2005?

Ter-se-á o Sr. Primeiro-Ministro enganado com os números?

Já vi que não é muito forte em números, pelo que é natural que se tenha enganado!

Sr. Ministro, a segunda questão que quero colocar-lhe prende-se com alguns dos dados publicados pelo Banco de Portugal no seu Relatório de Estabilidade Financeira, relativos ao sector bancá-rio.

Comparando os lucros do sector bancário, com base nos quais são distribuídos os dividendos aos accio-nistas, com os impostos pagos conclui-se que em, 1998, a taxa de imposto andava à volta de 23%, sendo que a partir desse ano baixou sempre, atingindo, em 2004, apenas 12%.

Sr. Ministro, não considera isto um escândalo?

Não estará o Governo disposto a aceitar a proposta do PCP no sentido de introduzir uma «nor-ma-travão» que impeça a banca de pagar menos de 20% de imposto?

Sr. Ministro, ligada a esta, coloco-lhe outra questão.

Se é precisamente a banca e os seus accionistas que estão a tirar o maior benefício do artigo 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que reduz para metade o rendimento de dividendos sujeitos a IRS e a IRC, não aceitaria o Governo — e é essa a nossa proposta — a revogação imediata deste artigo, que é um autêntico escândalo?

Finalmente, passo à última questão. A comunicação social divulgou que o Governo tenciona exigir o levantamento do segredo bancário aos pensionistas que eventualmente possam receber a pensão extraordinária, a qual, em 2006, de acordo com os dados que nos foram fornecidos, vai representar para o Estado apenas 50 milhões de euros de despesa, portanto, uma miséria.

Não seria mais correcto levantar o sigilo bancário àqueles que são beneficiados com os elevados benefícios sociais, que em 2006 vão custar ao Estado 2000 milhões de euros?

Tenciona-se levantar o sigilo bancário quando estão em causa 50 milhões de euros, mas nada se diz quanto aos 2000 milhões de euros, que determinam redução das receitas fiscais e contribuem para o desequilíbrio das finanças públicas!

Sr. Ministro de Estado e das Finanças, são estas as três questões que lhe deixo, pedindo que não acon-teça o mesmo que aconteceu ontem, em que colocámos uma questão mas o Sr. Primeiro-Ministro fugiu à mesma.

 

(...)

 

Sr. Presidente da Assembleia da República
Sr. Primeiro-ministro
Srs. Membros do Governo
Sras. e Srs. Deputados

 

O Orçamento é um documento político que reflecte as políticas e prioridades do governo.

A análise da Proposta do Orçamento leva à conclusão que não é credível. E não é pelo facto do governo repetir sem fim que é credível que passa a ser, da mesma forma que uma mentira repetida muitas vezes não se transforma numa verdade

Em primeiro lugar, não é credível porque se baseia num cenário macroeconómico pouco realista, que terá de ser corrigido em breve, como acontece com frequência.

Em segundo lugar, porque não contribui para resolver os grandes problemas estruturais do País, que constituem as verdadeiras causas do atraso e estagnação económica.

Assim, em relação às graves desigualdades sociais e na repartição do rendimento, a Proposta agrava ainda mais a injustiça fiscal. O peso dos impostos indirectos nas receitas fiscais será, em 2006, 4 pontos percentuais superior ao de 2002.
Em relação aos impostos directos, entre 2005 e 2006, o acréscimo de receita no IRS é três vezes superior ao acréscimo no IRC. Mais de 87% do rendimento declarado para efeitos de IRS são rendimentos de trabalho e de pensionistas. Assim, a maior parte do aumento dos 2000 milhões de euros de receitas de impostos que o governo prevê para 2006 será suportada pelos trabalhadores e pensionistas.
O artº 103 da Constituição, que estabelece que o sistema fiscal visa também “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, será mais uma vez desrespeitado.

Os resultados do combate à evasão e fraude, que é um combate importante, ainda são manifestamente insuficientes, não correspondendo à campanha mediática orquestrada pelo governo.

A nível fiscal, o objectivo do governo para 2006 é recuperar apenas 360 milhões de euros, ou seja, menos de 4% do valor da evasão e da fraude fiscal que se verifica num único ano.
Em relação à Segurança Social, o objectivo para 2006 são 250 milhões de euros, isto é, apenas 7% da divida actual declarada, que continuará a aumentar. É
urgente afectar mais meios humanos e financeiros a este combate.

Sem uma Administração Pública moderna e eficiente é impensável que o País possa sair da situação de atraso e de estagnação em que se encontra.

No entanto, no lugar da prioridade do governo ser a sua modernização e o aumento da sua eficiência, o que só é possível com participação e envolvimento dos trabalhadores e o respeito pelos seus direitos, o que se tem assistido é a um ataque violento, mesmo ignóbil, procurando apresentar os direitos destes trabalhadores aos olhos da população como privilégios, para os destruir mais facilmente, fragilizando assim a Administração Pública e tornando mais difícil ao País a saída da crise.

Com este Orçamento, o poder de compra dos trabalhadores diminuirá novamente em 2006.

Em relação ao sistema de aposentação, transformado num dos principais instrumentos de redução de despesa à custa de direitos dos trabalhadores, é necessário que o Sr. 1º Ministro saiba o seguinte: Contrariamente ao compromisso público que tomou, a lei aprovada pelo governo determinará carreiras longas para esmagadora maioria dos trabalhadores, pois 86 em cada 100 trabalhadores abrangidos por ela, terão de ter mais de 40 anos de serviço ou de trabalhar para além dos 65 anos para ter direito à pensão completa.

A proposta de lei determinará para os 440.000 trabalhadores abrangidos um regime mais desfavorável que o existente para o sector privado não só pela razão anterior, mas também porque a taxa de formação da pensão posterior a 2005, para os trabalhadores que se aposentarem até 2015, é inferior à que vigora actualmente para o sector privado.
Para além disto, viola direitos já formados pelo tempo de serviço realizado até 2005.

A nível da Segurança Social a opção do governo parece ser restringir o direito ao acesso e baixar as prestações, no lugar da diversificação das fontes de financiamento.

 Para aumentar a competitividade da Economia e reduzir o desemprego é necessário investir mais e melhor. Para isso, seria necessário que o Estado desse um forte sinal nessa direcção. No entanto, a nível do Investimento Público, e tomando como base o PIDDAC, conclui-se que se verifica uma quebra significativa no investimento em 2006, que atinge 25% em valores nominais, quando comparamos com o Orçamento Rectificativo de 2005.
É a obsessão do défice a comandar as decisões de investimento.

Mas igualmente grave é a repartição desse investimento quer por áreas quer pelos diferentes regiões do País, agravando problemas e assimetrias. Assim, seis áreas fundamentais para que o País sair da estagnação económica - ensino básico e secundário; ensino superior; formação Profissional e Emprego; Investigação Cientifica e Tecnológica; Modernização da Economia; Agricultura e Pescas - concentram pouco mais de um terço do total dos investimentos do PIDDAC. Por outro lado, se compararmos o PIDDAC de 2006 com o de 2001, concluímos que o valor do primeiro é inferior ao do segundo em 22% em valores nominais, no entanto as regiões menos desenvolvidas do País sofrem cortes muito maiores: Distrito de Beja: - 43%; Braga : - 61%; Bragança : - 51%; Viana do Castelo : - 68%; Vila Real e Viseu : -54%; etc..

Na área da Educação, embora Portual seja o país da União Europeia com mais baixo nível de escolaridade e maior abandono escolar, o orçamentado para o “Ensino Básico e secundário” sofre uma diminuição em 2006, mesmo em valores nominais, relativamente a 2005.
É necessário investir mais nas áreas científicase tecnológicas, no entanto os orçamentos das Universidades e Politécnicos sofrem também reduções em 2006 em termos reais. É mais uma vez a obsessão do défice a sobrepor-se mesmo em áreas fundamentais.

Em relação à qualificação profissional, que o sr. Primeiro Ministro fala tanto, a realidade é que o governo nem tenciona fazer cumprir o que está na lei sobre o direito dos trabalhadores a 35 horas de formação.

O sistema de transportes em Portugal, assenta fundamentalmente no transporte rodoviário em prejuízo do transporte ferroviário; e no transporte individual em prejuízo do transporte colectivo. É um sistema de transportes distorcido, caro e poluente, que agrava a ineficiência, a dependência e a factura energética.

Se analisarmos os 23 projectos do Ministério dos Transportes e Obras Públicas constantes da própria Proposta de Lei, no valor de 744 milhões de euros, cerca de 90% deste investimento é destinado ao transporte rodoviário e menos de 3% ao transporte ferroviário.

É esclarecedor das prioridades do governo , que o campeonato mundial de vela e o Paris-Dakar tenham 7 milhões de euros, mas o Metro de Lisboa menos de 6 milhões de euros, apesar dos atrasos serem cada vez mais frequentes por “razões técnicas”.

As parcerias público privados, que é uma forma indirecta de privatizar serviços públicos, aparecem já com força neste orçamento, hipotecando as gerações futuras. Para elas há dinheiro, pois no período 2006-2030 estão já previstos o pagamento pelo Estado de 21.500 milhões de euros nas áreas da saúde e de transportes, assegurando aos privados lucros certos e elevados à custa do Orçamento do Estado.

No campo das privatizações, o PS parece não ter aprendido com o passado. Entre 1995 e 2001, o PS levou a cabo um processo maciço de privatizações, tendo vendido empresas públicas, muito delas ao desbarato, e obtido 16.000 milhões de euros.
A justificação dada na altura foi: aumentar a concorrência, criar grupo s económicos nacionais, modernizar a Economia. Os resultados desastrosos dessa politica maciça de privatizações estão à vista de todos, e só não vê quem não quer ver: baixa competitividade, perda de quotas de mercado, estagnação económica, domínio da nossa economia por grupo s estrangeiros.

O Tribunal de Contas, numa auditoria que fez, concluiu que 11 empresas públicas, em apenas 4 anos, obtiveram lucros correspondentes a 58% de todas as receitas obtidas com as privatizações realizadas pelo PS. Uma parte significativa destes lucros constituíram receitas do OE. É evidente que, com a venda daquelas empresas, o Orçamento perdeu uma fonte importante de receitas, o que contribuiu para agravar mais o défice.

Apesar disso, a Proposta para 2006 incluiu a venda de empresas públicas no valor de 1.600 milhões de euros, naturalmente as mais rentáveis, ou seja, as que mais contribuem para o equilíbrio orçamental.

 A análise feita mostra que as prioridades e politicas contidas neste Orçamento não respondem à grave crise que o País enfrenta. Ficou claro nas audições, que o governo não tem politica económica. A redução do défice é o seu principal objectivo, é a prioridade das prioridades deste orçamento.

 Mas tudo isso assenta numa grande mentira económica, a saber: conseguida a redução do défice, os problemas estruturais da nossa economia e da nossa sociedade resolver-se-iam por si, por livre actuação dos “mercados”, como por milagre.

Isso não é verdade, e muito menos para uma economia frágil e dependente como é a nossa.

 O rigor orçamental é importante, mas a obsessão pelo défice como é clara neste Orçamento, numa altura de grave crise económica só poderá contribuir para prolongar a estagnação económica, mergulhar o País na recessão, aumentar ainda mais o desemprego, hipotecando o presente e o futuro dos portugueses.

Disse.