Mulheres em Medicina - Declarações que fazem «estalar o verniz»!
Nota da Comissão do PCP para os Problemas e Movimento das mulheres
4 de Junho de 2004

 

1. As declarações proferidas pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar sobre a elevada participação de mulheres nos cursos de medicina, relevando que há especialidades que não são tão procuradas por mulheres porque «não têm tanta apetência natural para elas», e que «temos que admitir que as competências e as limitações dos homens e das mulheres são de ordem biológica» que a maternidade afasta as médicas do serviço, etc., retomam concepções ideológicas caricatas e caducas sobre as “características” biológicas das mulheres do determinar das “suas vocações” no plano das suas escolhas profissionais, e ao colocar a maternidade como “entrave” e “factor de perturbação” enquanto profissionais.

Estas afirmações, secundadas pelo Bastonário da Ordem dos Médicos e pelo Ministro da Saúde – pessoas com relevantes responsabilidades na vida pública e governativa, representam um atentado não só aos direitos das jovens estudantes de medicina – às quais se indicia a tentativa de limitar o direito de acesso aos cursos –, como também ao prestígio das médicas enquanto profissionais.

Tal como acontece na generalidade, também nestas profissões qualificadas as mulheres são penalizadas por optarem ser mães, pretendendo-se, agora, negar-lhes mesmo o acesso às faculdades de medicina, embora possam ter melhores classificações nas notas de acesso. O que se pretende é limitar, na prática, o acesso a certas profissões que sempre foram dominadas pela presença masculina, como é o caso dos médicos, e remeter as mulheres para profissões tradicionais.

Recorda-se que, segundo estatísticas de 2002 do INE, relativamente à Saúde, as mulheres, representavam 45,8% dos médicos inscritos na respectiva Ordem e os homens 54,2%.

Na enfermagem - profissão ocupada tradicionalmente por mulheres, a percentagem de inscrições na Ordem era de 65%. Nesta área da saúde, cujos horários de trabalho são, como é sabido, difíceis, a maternidade não tem sido entrave ao desenvolvimento competente da profissão. Ou será que também se pensa voltar a proibir às enfermeiras o casamento e a maternidade, como no tempo do fascismo? É completamente ridículo questionar a dedicação e competência de uma médica pelo facto de ser mãe, quando não se coloca a mesma questão para os médicos que são pais.

2. O PCP chama a atenção para a gravidade destas afirmações, que ultrapassando largamente a área da medicina, inserem-se numa tentativa de adequar as políticas sociais e económicas à responsabilidade exclusiva das mulheres na renovação das gerações, com a destruição dos mecanismo de protecção da função social da maternidade-paternidade e o seu papel insubstituível na prestação de apoio à família.

Tais políticas introduzem, como não poderia deixar de ser, sérios obstáculos à transformação de mentalidades sobre a igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens.

São estas opções políticas que explicam, no essencial, a manutenção de uma tradicional divisão sexual de papéis no trabalho e na família – a dupla tarefa da trabalhadora, as dificuldades em progredir na profissão e em ascender a cargos de chefia e a degradação do estatuto sócio-profissional das funções fortemente feminizadas.

Ao invocar-se a maternidade como factor impeditivo do exercício de uma profissão está-se, objectivamente, a penalizar as mulheres pela sua condição de mãe. Trata-se da negação da função social da maternidade e da clara e explícita exclusão dos homens do exercício da sua função de paternidade. Representa, finalmente, uma concepção política e ideológica muito em voga, que pretende determinar que a força de trabalho da(o) trabalhador(a) tem de estar inteiramente disponível, o que, segundo as entidades patronais, não é compatível com o exercício da maternidade e paternidade, com o apoio à família, aos idosos, aos filhos deficientes.

3. Para o PCP, os problemas que se verificam na saúde não se situam na forte presença das mulheres em medicina, às quais deve ser plenamente assegurada a igualdade de direitos e de oportunidades a todos os níveis da profissão, bem como o respeito pelo direito constitucional dos(as) médicos(as) de serem pais e mães, sem qualquer discriminação na profissão.

Para o PCP, as questões centrais situam-se, designadamente, na necessidade de adopção de políticas que enfrentem a grave insuficiência dos recursos humanos qualificados afectos à prestação de cuidados de saúde; a adequação de um plano de acção anual de fixação de vagas no ensino superior público; e o necessário fortalecimento na capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde na garantia de igualdade de acesso dos(as) utentes aos cuidados de saúde.