O OE' 97 na Assembleia da República
PCP desmonta falsas opções do Governo
Artigo publicado no Jornal «Avante!»
Novembro 1996

 

Nem rigor nem preocupação social

Em contraste com as posições assumidas pelo PSD e CDS, onde o foguetório do discurso apenas serviu para camuflar a inexistência de razões substantivas de oposição, o Grupo comunista foi o único dos grandes partidos que evidenciou no debate factores de diferenciação para uma verdadeira política alternativa capaz de resolver os problemas da economia e da sociedade portuguesa.

Coube-lhe ainda, de um modo frontal e sem rodeios, com sentido de responsabilidade, protagonizar as críticas mais severas a um documento estruturante da acção governativa para o próximo ano que, do seu ponto de vista, peca, precisamente, em primeiro lugar, como sublinhou Octávio Teixeira, por ter como orientação política determinante a "doentia obssessão pela moeda única e a reverente submissão ao cumprimento dos critérios de convergência nominal".

Tal opção, lembrou, em correspondência plena com as concepções neoliberais seguidas pelo Executivo, conduz a que o Orçamento - longe de satisfazer as necessidades e exigências do País - venha a produzir "efeitos restritivos na actividade económica", impedindo simultaneamente a "recuperação plena da economia portuguesa, a dinamização do investimento produtivo e a necessária melhoria do nível de vida dos portugueses e de satisfação das funções sociais que ao Estado incumbem".

Dessas consequências nefastas no plano económico e social, largamente pormenorizadas pelos deputados comunistas nas suas intervenções, falou ainda Octávio Teixeira na sua intervenção inicial para concluir, em síntese, que o "desemprego vai aumentar, vai prosseguir o encerramento de empresas, muitos trabalhadores vão continuar a passar para o desemprego e muitos jovens permanecerão à porta do emprego que não encontram".

E tudo, explicou, porque as opções políticas fundamentais que caracterizam o Orçamento, decorrentes do objectivo da moeda única, vão contra os salários (congelamento ou redução dos fracos níveis salariais, aprofundando o desequilíbrio na distribuição do Rendimento Nacional), contra o emprego (não há qualquer efeito indutor de menos desemprego) ao mesmo tempo que prosseguem o "fundamentalismo privatizador" (por mera opção política-ideológica, sem qualquer fundamentação séria sob os pontos de vistas económico ou social).

Desmontada ficou, por outro lado, a ideia insistentemente ventilada pelo Governo de que o Orçamento obedeceu na sua elaboração a preocupações de justiça social. Exemplos, vários, de que tal "consciência social" - assim lhe chamou Sousa Franco - não passa de uma ficção deu-os Bernardino Soares, ao citar, entre outros, o caso da Educação (desde o crescimento nulo do investimento na educação especial até ao insignificantes crescimento do investeimento na acção social escolar), bem como o da Saúde onde o aumento da dotação em apenas 0,8 por cento para o Serviço Nacional de Saúde vai traduzir-se em aumentos das listas de espera para consultas, equipamentos que ficarão sem funcionar e vagas de pessoal por preencher.

Sem resposta não ficou também, noutro plano, a ideia de rigor que o Governo procurou fazer passar como imagem de marca do seu Orçamento. O melhor testemunho de que não é rigorosamente assim deu-o Lino de Carvalho ao lembrar, a propósito do tipo de investimentos previstos no âmbito do PIDDAC, a multiplicidade de pequenas dotações espalhadas por concelhos e freguesias nos distritos onde o PS tem a ambição de ganhar eleições autárquicas. Alegadamente dirigidos para centros de dia e lares para idosos, escolas, centros de saúde ou esquadras, referiu, estas pequenas dotações entre mil e cinco mil contos chegam a corresponder no distrito de Setúbal a um quarto da totalidade dos projectos, elevando-se mesmo essa percentagem a um terço no caso do Alentejo.

"Não é um programa de investimentos mas um programa de donativos para ano eleitoral", observou Lino de Carvalho, numa alusão às próximas autárquicas e ao facto de este ser o tipo de dotações, frisou, "ideal para permitir que governadores civis, secretários de Estado e ministros vão esvoaçando de terra em terra a distribuir cheques para descanso das almas e descanso dos votos".

Falar de "rigor" ou de "justiça social" só mesmo, pois, por caricatura ou deliberado acto de propaganda. Será que se pode falar de rigor, com efeito, como salientou Carlos Carvalhas, quando o Governo "aumenta em mais de 50 por cento a verba para o estabelecimento de contratos programas para as autarquias - autênticos sacos azuis para os seus membros utilizarem em campanha eleitoral autárquica ?"

"E de justiça social - acrecentou - quando o Governo aumenta as pensões, mínima e social, nas «fabulosas» quantias de 37$00 e 34$00 por dia, respectivamente, depois de ter aumentado os preços dos medicamentos em oito por cento?"