Alteração do Código de Processo Civil no que respeita à acção executiva
Intervenção da Deputada Odete Santos
19 de Junho de 2002

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Justiça,

Como V. Ex.ª não se referiu a algumas questões que eu gostaria de ver esclarecidas - suponho que as entendi - em relação à alínea d) do artigo 1.º da autorização legislativa, quero saber se, de facto, as alterações que o Governo quer introduzir no Código Civil, no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, etc., são ao abrigo desta alínea, porque, efectivamente, ela está muito vaga.

A segunda pergunta (uma vez que recebemos o texto do decreto-lei no dia 17) é no sentido de saber se a Sr.ª Ministra pode justificar de onde é que decorre, das alterações da acção executiva, a necessidade alterar o Código Civil, nomeadamente o artigo relativo aos privilégios creditórios imobiliários, e de onde é que decorre a necessidade de vir dizer que dos créditos que têm privilégios creditórios, no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, só metade é que ficam com os privilégios, passando a outra metade a comuns. Esta questão é para nós muito importante, porque a Assembleia, no ano passado, aprovou um diploma, resultante de um projecto do PCP, relativamente a créditos dos trabalhadores que, em face do que VV. Ex.as ora propõem, vêem as suas garantias diminuídas.

(...)

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra da Justiça,
Srs. Deputados

Coloquei algumas questões à Sr.ª Ministra da Justiça, mas ela, aliás, como todos nós, responde, se quiser, ou pode passar ao lado. A Sr.ª Ministra passou ao lado, com uma voz tonitruante, para criar a convicção de que estava cheia de razão e de que, em relação às perguntas que lhe coloquei e a que não respondeu, eu não teria qualquer razão.

É evidente que, na parte da acção executiva, repito, na parte da acção executiva, o PCP pode ter um ou outro pormenor em que discorda, mas foram acolhidas, no fundamental, algumas críticas que o PCP aqui formulou, nomeadamente em relação à célebre questão da lista dos caloteiros. Registo isso!

Agora, fiquei profundamente surpreendida quando recebi o texto do diploma que o Governo quer publicar - ele chegou no dia 17, mas eu recebi-o ontem - por ter constatado que não era apenas a acção executiva que estava em causa, porque também se prevê a alteração do Código Civil, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e de alguns outros códigos,…

O Código de Registo Predial, o Código dos Valores Mobiliários e o Código de Procedimento e de Processo Tributário!

Como estava a dizer, fiquei muito surpreendida quando recebi o texto do diploma do Governo, pois tentei encontrar onde é que, no texto da autorização legislativa, se encaixava tudo isto e só encontrei aquela alínea que há pouco citei e que só não repito porque não tenho tempo para isso, mas ela ficou registada.

Terá de constatar-se que é um «cheque em branco» que ali está, porque trata-se de uma alínea tão vaga, tão vaga, que não se sabe, perante o pedido de autorização legislativa, os códigos que, efectivamente, serão revistos, porque diz que é tudo o que decorrer da acção executiva.

Mas, depois, fui ao decreto-lei que se propõem publicar e comecei a indagar de que alterações à acção executiva é que decorria a necessidade de alterar o artigo 152.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que toca muito directamente nos créditos dos trabalhadores, alterados pela Lei n.º 17/86 e pelo diploma que no ano passado aprovámos, por proposta do PCP - que também tenho aqui comigo -, que alterou a questão dos privilégios creditórios, e constatei que, com essa alteração, os trabalhadores perdem, em relação a metade das quantias de que são credores, os privilégios creditórios - foi isto que perguntei a V. Ex.ª e não me respondeu -, passando, portanto, metade dessas quantias a créditos comuns. É isso que está lá na proposta de lei e pergunto: por que é que é necessário fazer isto? Da acção executiva nada decorre!

Avancei, depois, com algumas investigações, que tinham de ser muito céleres, dado que, do fim do dia 17 até hoje, tinha de consultar todo aquele molho de artigos, e vi as alterações ao Código Civil - e também fiz uma pergunta a V. Ex.ª sobre isto, para, com os esclarecimentos que daria, evitar de fazer esta intervenção -, tendo constatado que estas alteração não são nada inocentes, Sr.ª Ministra.

Estas alterações têm a ver com a jurisprudência do Supremo e tenho aqui um dos acórdãos que diz que, em relação aos privilégios creditórios imobiliários gerais dos trabalhadores, tem de se aplicar o que o Código Civil estabelece no que se refere às relações com terceiros dos privilégios creditórios imobiliários especiais. Assim, os créditos dos trabalhadores passam à frente das garantias reais, à frente das hipotecas, como diz o acórdão do Supremo que tenho aqui.

Ora, as alterações que VV. Ex.as vêm propor para dois dos artigos do Código Civil tornam impossível ou, pelo menos - e não quero dizer que são certezas, porque, embora já não faça advocacia, também estou habituada à interpretação das leis -, muito mais difícil que se faça, a partir dos aditamentos que fazem em relação aos privilégios creditórios, a interpretação analógica que este acórdão do Supremo fez, e, portanto, com estas alterações, que não são precisas, estão a pôr em perigo que se interprete, de facto, que as garantias reais venham depois, podendo vir a defender-se que, se houve estas alterações, já não se pode fazer uso da interpretação por analogia.

Portanto, Sr.ª Ministra, realmente, as questões que levantei são importantíssimas para nós, porque a Assembleia, no ano passado, aprovou um diploma que veio colocar os créditos dos trabalhadores à frente de todos os outros créditos, mesmo sobre os das despesas da justiça, e VV. Ex.as, agora, até com as vossas propostas, põem as despesas da justiça primeiro, alterando uma lei que debatemos há tão pouco tempo.

Por isso, Sr.ª Ministra da Justiça, não colhe vir dizer (e é verdade que eu gostava que assim fosse!) que a justiça deve ser célere, e gostava também de perguntar-lhe se, efectivamente, os processos de falência vão demorar ou vão ser mais rápidos. Gostava de saber isso porque, no fim, dizem que estas alterações sobre os privilégios creditórios só entram em vigor em Setembro de 2003.

Agora, é que vai ser bonito, com os processos a demorarem para os credores comuns ficarem beneficiados com as alterações ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência! Agora, têm todo o interesse em manobras dilatórias para fazer alongar o processo, para que os trabalhadores percam o privilégio em relação a metade e, em relação à graduação, para que esteja em dúvida o lugar em que serão graduados!

Mas, Sr.ª Ministra, gostava de lhe perguntar ainda se assim vamos ter processos de falência mais céleres. Com esta reforma, duvido que isso aconteça. Aliás, penso que não vai acontecer, efectivamente!

De qualquer modo, Sr.ª Ministra da Justiça, se ainda for possível esclarecer-me em relação à minha intervenção, pode ter a certeza que eu gostava efectivamente de ser esclarecida.

Queria deixar um registo final: o Código de Processo do Trabalho também é alterado. Acontece que o Código de Processo do Trabalho em vigor foi igualmente objecto de uma autorização legislativa e tenho também aqui comigo a separata do Diário da Assembleia da República através da qual a então Comissão do Trabalho pôs a autorização legislativa à discussão pública, por se tratar de direitos dos trabalhadores, embora em sede adjectiva. Desta vez, a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais nem sequer teve acesso à autorização legislativa que mexia com o Código de Processo do Trabalho, para a poder pôr à discussão pública.