Alteração do artigo 143.º do Código Penal
Intervenção da Deputada Odete Santos
31 de Maio de 2001

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Administração Interna,

Uma das questões que tinha para colocar foi já referida pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, mas V. Ex.ª, na resposta que deu, não foi claro, porque a respeito do problema entre o pai e o filho mencionou um dever de correcção.

Sr. Secretário de Estado, o que consta da proposta de lei é que se um pai der uma bofetada ao filho, não provocando ferimentos ou qualquer outra consequência, e se um vizinho quiser queixar-se daquele pai, vai fazê-lo.

Não é a polícia que vai decidir se, de facto, o pai agiu dentro dos limites do seu direito e dever de corrigir o filho; vai-se para tribunal, ouvem-se testemunhas e só depois é que pode haver acusação ou não. Sinceramente, penso que isso é absolutamente desproporcionado!

Penso que é absolutamente desproporcionado que uma bofetada possa dar origem a isso!

V. Ex.ª colocou o enfoque nas forças de segurança - na minha intervenção direi qualquer coisa sobre isso -, mas gostava de lhe perguntar se não considera que ficam de fora do dispositivo em discussão algumas situações que até poderiam melhor determinar que fossem crime público.

Por exemplo, quem tem a confiança administrativa ou judicial de um menor que lhe será dado para adopção, mas ainda não foi, escapa a esta alteração, e aí até se justificava muito mais que uma situação como essa fosse considerada crime público, porque não há ainda uma relação familiar instituída.

Por último, queria perguntar a V. Ex.ª o seguinte: mas, então, os agentes de autoridade não se queixam quando lhes dão uma bofetada?! Porque a generalidade das pessoas não sabe o que é um crime público, pensam que por ser crime público é punido mais gravemente, não sabem que tem que ver tão-só com a não exigência de queixa!

Os agentes da autoridade, se apanharem uma bofetada, não se queixam?! Para mim, isso é um espanto!

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado da Administração Interna

Ultimamente, nesta Assembleia, em matéria de direito penal, tenho assistido a algumas coisas que até me fazem crer que as pessoas pensarão que se não estamos no «Apocalypse Now», estamos no «Apocalypse after tomorrow».

Não tenho tempo para lhe retorquir!

Continuando, acho que, de uma vez por todas, aproveitando as férias de Verão, devem sentar-se numa esplanada e verem o que querem que seja crime público.

É que, ultimamente, quando há qualquer situação em que a sociedade se levanta, a vossa reacção é «vamos transformar isso num crime público» e vai daí, transformam! Isto é o que o Professor Costa Andrade tem classificado como uma política criminal «à flor da pele». Eu própria considero que é uma política criminal «à flor da pele» e que não é assim que deve fazer-se política criminal.

É que, embora o Sr. Secretário de Estado diga que a questão das ofensas corporais simples já é crime público… E julgo perceber qual é o raciocínio de V. Ex.ª, que é o de considerar que o artigo 146.º do Código Penal tem um novo tipo de crime, pois, como não está lá escrito «depende de queixa», é crime público.

Sr. Secretário de Estado, tenho muito respeito por si, como professor universitário, mas não estou de acordo consigo, de modo algum!, porque este artigo remete para três outros artigos, dois dos quais já são crime público e um, não.

Aliás, se recuarmos ao artigo sobre homicídio privilegiado, verificamos que, quando se cria um novo tipo de crime, é muito diferente o que se descreve.

É que, nesse caso, por absurdo, o disposto no artigo 147.º - Ofensas à integridade física privilegiada - seria um novo tipo de crime, de acordo com o raciocínio de V. Ex.ª, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, pois, como não está cá prevista a queixa, seria um crime público, o que não tem sentido.

De facto, V. Ex.ª, Sr. Deputado, é muito habilidoso no seu raciocínio e veio aqui dizer que não é para transformar em crime público. Mas é.

Por acaso, V. Ex.ª disse na sua intervenção - escapou-lhe a boca para a verdade! - que isto era para transformar em crime público.

No entanto, devo dizer que não é pelo facto de não ser crime público que as forças de segurança saem fragilizadas. É porque, para reforçar os poderes, a capacidade das forças de segurança o que é preciso são outras medidas.

De facto, esta não é uma medida que atinge a finalidade que diz querer prosseguir, pois o que existe é uma grave crise social, há factores que determinam as pessoas a perder valores. Aliás, há pouco, já falámos nisso en passant, a propósito das questões relacionadas com os programas televisivos, etc., e essa é uma das coisas que fragiliza a situação dos agentes de segurança.

As pessoas não andam na rua com o «catálogo» dos crimes previstos no Código Penal, a ver o que é ou não crime público para saber o que hão-de fazer.

Além disso, sempre que se fala em crimes públicos, não passa de uma enorme operação de propaganda. É que, fora daqui, quando se diz que é crime público, umas pessoas julgam que é para dizer que é crime, que não era, mas passa a ser, enquanto outras julgam que, sendo crime público, é mais punido. Mas não é nada disso! Significa, tão-só, que não é preciso queixa. Por isso, perguntei se os agentes das forças de segurança não se queixavam, eles que têm um dever especial de se queixarem!

São estas as críticas que temos a fazer a esta solução que aqui nos é presente.

Há, ainda, outras questões que, depois, são arrastadas por esta. Por exemplo, a questão do pai e do filho, do avô e do neto… É que basta alguém querer fazer mal a outra pessoa para dirigir-se à esquadra da PSP e dizer «olhe, vi Fulano bater no neto!», e logo se cria um conflito gravíssimo!

É que o que está em causa não é só a questão das forças de segurança, é muito mais do que isso! Portanto, as iniciativas legislativas têm de ser elaboradas com alguma cautela.

Digo que tem de haver alguma cautela porque, se se quer tratar de uma maneira especial a questão das forças de segurança, então, faça-se, mas, assim, desta maneira, é que penso que não pode ser.