Abertura das Jornadas Parlamentares do PCP
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Santiago do Cacém, 20 de Maio de 2005

 

Estas nossas Jornadas Parlamentares têm como tema e preocupação central dos nossos trabalhos os problemas da saúde dos portugueses e o funcionamento eficaz do sistema de cuidados de saúde públicos que lhe deviam dar resposta.

Trata-se de uma questão de grande actualidade que muito preocupa os portugueses e cuja escolha reflecte a tradicional postura do Grupo Parlamentar do PCP de privilegiar, no seu trabalho, a ligação à vida dos portugueses e à procura de soluções para os problemas reais das pessoas.

Actualidade que se reforça quando, a par das crescentes dificuldades que os portugueses experimentam no seu dia a dia no acesso aos cuidados de saúde, retornam as mesmas e preocupantes intenções de fazer da Administração Pública, em geral, e dos serviços públicos de saúde, em particular, um dos bodes expiatórios das dificuldades que enfrentam as contas públicas, com o objectivo de prosseguir a mesma linha de ataque dos últimos anos aos serviços públicos e, neste caso, ao Serviço Nacional de Saúde, diminuindo a sua capacidade de resposta, através, nomeadamente do seu sub- financiamento crónico e da limitação dos recursos humanos e materiais para justificar a privatização de serviços.

De entre os vários problemas que se colocam na área da saúde é inquestionável que um dos mais preocupantes que os portugueses enfrentam é a enorme dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, particularmente as camadas da população mais carenciadas que não têm outra solução que esperar meses e anos a fio por uma consulta ou uma cirurgia.

Não se tratam, apenas, das dificuldades resultantes do aumento dos custos com a saúde, mas em reais dificuldades de, em tempo útil, ter acesso a consultas, tratamentos, cirurgias e até mesmo acesso a um médico de família.

Se, no passado recente, com o governo do PSD/CDS-PP, todos estes problemas se agravaram, o conteúdo genérico e vago do Programa do novo governo PS e a ausência de propostas concretas em matérias essenciais, a que se juntam as declarações e as primeiras decisões dos responsáveis do novo governo do PS, não são de molde a garantir uma superação substancial das dificuldades que os portugueses enfrentam no acesso aos serviços de saúde.

No que diz respeito às listas de espera para cirurgias, o Ministro da Saúde já afirmou que irá manter a política anterior, cujos resultados foram, como se sabe, desastrosos.

Entregar cada vez mais ao sector privado, como se pretende, a recuperação das listas de espera, em vez de potenciar a resposta dos serviços públicos, levará à mesma situação de arrastamento que hoje se verifica, particularmente nas cirurgias de mais alto risco e mais onerosas.

Estas, o sector privado empurra-as para o sector público, disponibilizando-se, apenas, como vem sendo prática, para as cirurgias de baixo risco e lucro garantido.

É a mesma lógica a que já nos habituaram noutros sectores. Se dá lucro é para o privado, se dá pouco ou não dá é para o Estado resolver.

Mas há outras listas para as quais não se vêem, por parte do governo, quaisquer medidas para a sua solução.

Trata-se da falta de resposta dos serviços públicos de saúde nas consultas de especialidade que é outro dos graves problemas que põe em causa o direito à saúde das populações e é também uma das principais razões do aumento de gastos da população com a saúde.

A ausência de resposta em numerosas valências de especialidade médicas, com demoras de meses e anos, empurra para o sector privado uma parte importante dos utentes dos serviços de saúde à custa de enormes sacrifícios pessoais e das suas famílias.

Mas, em matéria de acesso aos cuidados de saúde, a questão dos médicos de família é também outro problema grave que é sentido em todo o país e particularmente nas periferias das grandes cidades.

As pessoas sem médico de família contam-se por algumas centenas de milhar e, apesar da centralidade que no discurso dos sucessivos governos assumem os cuidados primários de saúde, é uma evidência que a solução dos problemas concretos da rede de cuidados primários de saúde continuam adiados.

Este governo do PS prepara-se para fazer o mesmo. Desde logo, porque mantém a perspectiva de entrega à gestão privada dos centros de saúde o que introduzirá inevitavelmente uma orientação economicista na gestão e prestação dos cuidados de saúde, mas também porque não dá resposta adequada ao problema da carência de recursos humanos. Nesta matéria não é uma boa decisão para atrair novos médicos em formação para a especialidade de medicina geral e familiar que o sistema tanto carece, a redução para metade, relativamente ao último concurso do inicio do presente ano, das vagas do concurso de Junho no internato complementar.

De nada valem as generosas promessas de apoio prioritário à melhoria da rede de cuidados primários se no concreto ficam aquém das necessidades mínimas exigidas para o seu normal e adequado funcionamento.

Nas conclusões dos nossos trabalhos se terão em conta estes e outros problemas da área da saúde que exigirão também adequada iniciativa do nosso Grupo Parlamentar.

Realizamos estas Jornadas Parlamentares no preciso momento em que de novo e de forma estridente se dramatiza a situação das finanças públicas e com ela se prepara o terreno para impor novos e mais gravosos sacrifícios aos portugueses que vivem do seu trabalho e do resultado das suas pequenas actividades empresariais.

O ensurdecedor alarido que se vem fazendo à volta dos resultados da “Comissão Constâncio” e sobre o real valor do défice orçamental que com ensaiado espanto se prevê e anuncia estar acima das mais pessimistas expectativas, está a servir de pretexto não só para libertar o novo governo dos seus compromissos eleitorais de garantir o prometido melhoramento das condições de vida dos trabalhadores e do povo, como para fundamentar e preparar a retoma da ofensiva que o governo do PSD/CDS-PP vinha concretizando contra os salários, o emprego e os direitos dos trabalhadores, os serviços públicos essenciais e o bem-estar das populações e abrir caminho para um novo agravamento da injustiça fiscal com o aumento dos impostos indirectos.

Um desmedido alvoroço que mais uma vez quer fazer crer que é o défice das finanças públicas o problema central que a governação e os portugueses têm que urgentemente enfrentar.

Não são conhecidas as medidas concretas que o governo diz estar já a preparar.

E, se é previsível alguma contenção no imediato a pensar nas próximas eleições autárquicas, as soluções que se avançam, quer do próprio presidente da Comissão de avaliação do défice – Victor Constâncio – quer do Ministro das Finanças do novo governo do PS, são um preocupante indicativo do que está em preparação para o futuro.

Não são, nesta matéria, tranquilizadoras as afirmações do Ministro das Finanças, Campos e Cunha, quando diz que chegou a “ hora da verdade” e anuncia para os próximos três anos uma drástica redução da despesa pública, ao mesmo tempo que nos faz recordar ostensivamente que o “Pacto não morreu” retomando a obsessão pelo défice dos seus antecessores.

Um Pacto de Estabilidade revisto numa versão minimalista que contraria todas as expectativas positivas que o governo PS inicialmente profetizava e garantia como medida indispensável ao relançamento da economia e do crescimento do emprego.

Está hoje claro que o governo do PS se prepara para obediente e submissamente não só o aceitar como para o justificar e cumprir.

O que está em preparação é mais do mesmo com recurso às mesmas receitas e soluções monetaristas e neoliberais que são a causa da crise e do agravamento da situação económica e da degradação das finanças públicas.

Depois de todos estes últimos anos a pedir sacrifícios aos mesmos de sempre, particularmente aos trabalhadores e aos reformados, com a promessa de mais adiante estar garantido um futuro radioso de desenvolvimento económico e de desafogo, afinal, depois de todos estes sacrifícios o que anunciam é que Portugal está pior do que estava antes e aí estão, outra vez, sem qualquer rebuço, a apresentar um novo e mais gravoso caderno de encargos para os portugueses, particularmente para o mundo do trabalho.

Temo-lo dito e reafirmamo-lo: não há saída para os nossos problemas nacionais persistindo nas mesmas políticas que têm engordado o grande capital financeiro e os grandes grupos económicos que medraram à sombra das privatizações e dos negócios especulativos sem qualquer vantagem para o desenvolvimento da economia portuguesa, para o emprego e para a qualidade de vida das populações que pagam cada vez mais caro os diversos serviços espoliados ao sector público.

Ao contrário do que afirmam os ideólogos do neoliberalismo dominante não é o défice das contas públicas o problema central do país.
A grande questão com a qual o país está confrontado é a do crescimento económico que passa pela valorização da produção e do aparelho produtivo nacional como o ilustra o caso do sector têxtil o qual continua a aguardar a iniciativa do governo de formalização das cláusulas de salvaguarda e de outras medidas de apoio à sua modernização e defesa.

Apesar de ser necessário agir com urgência o que assistimos é à mesma despreocupação e passividade, a mesma falta de iniciativa que temos visto nos governos dos últimos anos.

O que o país precisa é um efectivo combate ao nosso défice de bens alimentares.

O que o país precisa é de aumentar a produção de bens transaccionáveis para a produção dos quais não se vêm grandes investimentos privados ou públicos.

O que o país precisa urgentemente é atenuar o seu défice tecnológico, bem como o défice energético que consome enormes recursos.

Mas o que o país e a regularização das contas públicas exigem é também um firme combate à fraude e evasão fiscal, por fim ao escândalo das baixas taxas de IRC que a Banca e os grandes grupos pagam efectivamente e promover o corte dos benefícios fiscais às actividades financeiras e especulativas.

Não se peçam mais sacrifícios a quem trabalha quando se deixa passar por entre os dedos das mãos milhões de euros de impostos com a migração de acções das grandes empresas e bancos em escandalosas operações de “ lavagem de dividendos”.

É cada vez mais evidente para largos sectores da população o carácter predador do grande capital económico e financeiro que nada arrisca, vivendo à sombra de sectores protegidos e de mercado garantido e limitando-se apenas a aspirar as mais-valias de um aparelho produtivo cada vez mais debilitado e menos competitivo.

Não é por acaso que Portugal nestes últimos cinco anos desce 13 lugares no ranking da competitividade entre nações.
Os escandalosos lucros da banca e das grandes empresas do ano findo estão aí para o provar. Situação que se mantém em alta neste primeiro trimestre de 2005, apesar da crise e das crescentes dificuldades que enfrentam a generalidade dos micro e pequenos empresários.

Depois dos 1,7 mil milhões de euros de lucro dos cinco maiores bancos no ano passado, neste trimestre a banca continua a passar ao lado da crise com um novo aumento de 42,6% do lucro nos quatro bancos privados portugueses e com o BES a triplicar os lucros no trimestre.

Mas não é só a banca que continua a arrecadar fabulosos lucros apesar da crise e à sombra da crise. A Sonae, por exemplo, arrecada um lucro oito vezes superior ao do mesmo período do ano passado, a Galp Energia quintuplica os lucros no primeiro trimestre e os lucros da Brisa sobem 40 milhões.

Em contraste acentuam-se as desigualdades sociais, cresce a pobreza e a exclusão social e um novo agravamento do desemprego é anunciado esta semana com a taxa oficial a atingir o máximo dos últimos oito anos.
Portugal é campeão do aumento das falências.

É por tudo isto que é inaceitável o discurso dos sacrifícios para todos, como se a crise fosse igual para toda a gente. Insistir que todos temos que nos sacrificar é uma profunda hipocrisia que não resiste à prova dos factos.

É por isso que também são intoleráveis as exigências dos muitos bens instalados “Antónios Carrapatosos de Portugal” que à boleia das dificuldades das finanças públicas recomendam o aumento da idade da reforma e a flexibilização das relações laborais como as grandes medidas para combater o défice.

O problema é que também nesta matéria o governo do PS parece estar mais disposto a ouvir os apelos do grande patronato e das suas organizações, do que assumir os seus compromissos eleitorais com os trabalhadores.

O que o governo do PS prepara, ao contrário de tudo o que afirmou quando era oposição, é manter a caducidade dos contratos colectivos de trabalho prevista no novo Código do Trabalho anulando direitos laborais nucleares, fazendo tábua rasa de direitos conquistados por gerações de trabalhadores e consagrados na contratação colectiva de trabalho.

O que o governo PS se prepara para aceitar são as reivindicações do grande patronato que há muito persegue o objectivo de anular a eficácia da contratação colectiva de trabalho.

Não tenhamos ilusões, a manter-se a posição do governo do PS e da sua maioria de não alterar no novo Código a regra da caducidade dos contratos colectivos de trabalho o que vamos assistir é a uma nova ofensiva visando o aprofundamento da desregulamentação e flexibilização das relações laborais e da precarização do trabalho.

O que o governo PS pretende criar com a manutenção de tal regra são as condições para pressionar as organizações dos trabalhadores a aceitarem num patamar mais baixo, condições de trabalho e direitos, em futuras convenções a negociar num quadro de relações de força alteradas em desfavor dos trabalhadores.

Num momento em que os grandes interesses instalados e o governo do PS se preparam para anestesiar o país reeditando a teoria da crise numa nova versão do discurso da tanga, o Grupo Parlamentar do PCP reafirma perante os portugueses o seu firme propósito de continuar a assumir com a sua intervenção e iniciativa os genuínos interesses dos portugueses e do desenvolvimento do país.

Portugal não está condenado ao atraso, a ocupar a cauda da Europa e deixar acentuar as desigualdades económicas e sociais.

O PCP tem mostrado que há alternativas, que é possível uma política diferente.