Jornadas Parlamentares, na cidade de Lisboa
Conclusões
19 de Abril de 2004

 

A realização destas Jornadas Parlamentares, centradas nas questões da política europeia e das suas consequências para o país, revelou-se de extrema oportunidade e importância. De facto cada vez mais as decisões e orientações políticas da União Europeia condicionam e determinam aspectos fundamentais para cada Estado e para cada povo.

Ao longo dos anos os Deputados do PCP na Assembleia da República e no Parlamento Europeu mantiveram uma intensa acção na defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores, bem como na denúncia das políticas e das medidas causadoras de elevados prejuízos sociais e económicos.

Assim foi em relação à situação de inúmeras empresas, correspondentes a muitos milhares de postos de trabalho, em que se verificou a intervenção simultânea na Assembleia da República e no Parlamento Europeu. Foram entre muitos outros os casos da Bombardier/Sorefame, da Rhode, da Clark´s, da Bawo, da Brax, da Grundig, da Lisnave, da Petrogal, da Yasaki Saltano ou da Soflusa.

Assim foi em relação a sectores fundamentais para a economia nacional, onde se destacam as decisivas intervenções, obrigando tantas vezes à alteração de situações concretas, sobre os fogos florestais de 2003; sobre a situação do sector têxtil, designadamente face à progressiva abertura dos mercados; sobre o apoio à indústria naval e em concreto aos estaleiros nacionais; na defesa das pescas portuguesas; ou por uma política agrícola nacional e europeia que defenda a soberania alimentar e permita o desenvolvimento da produção nacional.

Assim foi em questões políticas decisivas, como a defesa do emprego com direitos e o combate ao desemprego; de um sector público forte e de serviços públicos de qualidade, designadamente nos sectores sociais; o combate à fraude e à evasão fiscal, aos paraísos fiscais, ao branqueamento de capitais e a exigência da tributação das mais valias e dos movimentos especulativos; ou a contestação ao Pacto de Estabilidade, como um instrumento negativo para o país e o seu desenvolvimento, cuja substituição é uma imperiosa necessidade.

Por isso, as Jornadas Parlamentares conjuntas dos Deputados do PCP na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, decidiram renovar o compromisso de acção conjunta e coordenada na defesa do interesse nacional, que não tem paralelo em qualquer outra força política nacional. Somos uma força política de uma só palavra quer nos vários espaços de intervenção institucional, quer junto dos trabalhadores e das populações.

E este compromisso é ainda mais importante e valioso para os portugueses num momento em que se acentua a caminhada federalista, neo-liberal e de militarização da União Europeia, preparando-se novas restrições à soberania nacional e o acentuar da desigualdade entre os Estados.

A recente deliberação da Assembleia da República, aprovada com os votos do PSD e do CDS e com a abstenção do Partido Socialista, relativa a uma alteração dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, é disso um bom exemplo. Trata-se afinal de consagrar o princípio da desigualdade entre os Estados-membros, já que naquilo que eram decisões até aqui tomadas por unanimidade, passa a haver três níveis em que se agrupam os diversos países e em que os mais ricos e poderosos terão mais poder para decidir. Portugal passa, com esta alteração a votar em apenas seis de cada dez decisões tomadas. Trata-se da consagração de um verdadeiro directório de grandes potências em matéria de política monetária, impondo os seus interesses aos restantes Estados-membros.

Os partidos que aprovaram esta alteração, PSD e CDS, bem como o PS, que com uma envergonhada abstenção, justificada por juízos de oportunidade e acerca do processo, deixa antever uma concordância em relação ao fundo da matéria, devem ser responsabilizados pelos portugueses por mais esta alienação de instrumentos políticos que será doravante um novo condicionamento na defesa dos interesses nacionais.

É neste quadro que se exige um real aprofundamento do papel dos parlamentos nacionais e do seu controle das decisões e compromissos dos governos no plano europeu, como factor decisivo para diminuir o défice democrático que continua a imperar.

A eventual aprovação de um novo tratado, nos termos que estão propostos, significará um novo e grave retrocesso no controle democrático dos compromissos europeus pelo parlamento, como aliás reconhece, na carta que enviou aos seus congéneres, o Presidente da Assembleia da República.

A participação do parlamento não pode ser contudo baseada numa versão reduzida da pluralidade parlamentar, como aconteceu na Convenção Europeia, onde PSD e PS se impuseram a si mesmos como únicos representantes do parlamento português, o que se traduziu numa monolítica concordância com o fundamental das decisões ali tomadas sob o comando do senhor Giscard D’Estaing.

A participação do parlamento português deve ser plural e eficaz, garantindo uma intervenção em tempo oportuno nos processos de decisão, designadamente aqueles em que estejam em causa competências que no plano interno cabem à Assembleia da República.

É unanimemente reconhecido que, sendo os parlamentos nacionais arredados de qualquer participação directa nas instituições da União Europeia e sendo a representação no Conselho um monopólio governamental, vêem-se aqueles órgãos de soberania esbulhados na prática do exercício das suas competências.

Esta realidade configura um duplo défice democrático. Por um lado, os órgãos da União Europeia (com excepção do Parlamento Europeu) não possuem uma legitimidade democrática directa. Por outro lado, os órgãos representativos dos cidadãos, que são os parlamentos nacionais, vêem-se prejudicados no exercício dos seus poderes em benefício dos Executivos por força dos mecanismos de funcionamento da União Europeia.

Este problema tem vindo a ser seriamente equacionado em diversos países da União Europeia, onde têm sido adoptadas disposições constitucionais e legais, bem como mecanismos práticos, visando salvaguardar no essencial as prerrogativas parlamentares perante os Governos nacionais.

Em Portugal este problema coloca-se com total acuidade, na medida em que a lei se limita a consagrar um sistema de mera informação. Ou seja: Mesmo que estejam em discussão no âmbito da União Europeia projectos normativos que versem sobre matérias da competência reservada da Assembleia da República, esta limita-se a ser informada sobre as posições tomadas pelo Governo a seu respeito em nome do Estado Português.

Perante esta situação, a salvaguarda dos poderes constitucionais da Assembleia da República em matérias objecto de decisões no âmbito da União Europeia, impõe a adopção de um mecanismo legal que vincule o Governo a assumir nesse âmbito posições consonantes com as deliberações tomadas pela Assembleia da República sobre as matérias em causa.

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP vai apresentar um Projecto de Lei de alteração da Lei de Acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia no sentido de que a Assembleia da República se pronuncie – através da apreciação de pareceres elaborados pela Comissão de Assuntos Europeus – sobre as propostas de actos comunitários pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada, os quais só podem receber aprovação de Portugal se a Assembleia da República emitir parecer favorável.

Estas Jornadas realizam-se num momento particularmente grave da situação do país. O aumento do desemprego, a manutenção de uma política de baixos salários, agravada pela diminuição de direitos fundamentais dos trabalhadores, a crescente subcontratação e dependência da nossa economia, a continuada baixa especialização produtiva, o fraco investimento científico e tecnológico, mantém o país numa situação de atraso no desenvolvimento económico e no desenvolvimento social que não pode desligar-se das políticas que ao longo dos anos os Governos nacionais aplicaram no país e aceitaram na União Europeia.

E se isto é verdade em geral, mais o é no que diz respeito aos sectores produtivos nacionais. De facto ao longo dos anos foram crescentemente impostas orientações que condicionaram fortemente sectores como as pescas, a agricultura e a indústria, em simultâneo com políticas a nível interno que se traduziram em sérios entraves ao desenvolvimento, à criação de riqueza e à garantia de emprego com direitos.

Não é obra do acaso que em Portugal existam hoje cerca de meio milhão de desempregados e a mais alta taxa de crescimento do desemprego, que o salário mínimo e médio sejam os mais baixos da União Europeia, que o fosso entre ricos e pobres se alargue, que se sucedam impunemente deslocalizações e encerramentos de empresas perante a passividade do Governo.

O Governo PSD/CDS é responsável por aplicar uma política que despreza o investimento público, que degrada os salários reais enquanto promove o aumento do custo de vida, que agrava os impostos para quem trabalha enquanto mantém e alarga os benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, designadamente os financeiros, que não obstante a crise continuam a aumentar os seus lucros e a beneficiar de baixíssimas taxas de tributação efectiva.

O Governo PSD/CDS é responsável por continuar a permitir, sem uma intervenção firme nem no plano nacional nem no plano europeu, sucessivos encerramentos, deslocalizações ou despedimentos em massa, tantas vezes em empresas de enorme importância para o tecido produtivo nacional, e que frequentemente beneficiaram de apoios públicos nacionais e comunitários, sem que sofram qualquer responsabilização por isso. (exemplos)

O Governo PSD/CDS é responsável pelo prosseguimento de um insane programa de privatizações, aliás delineado em boa parte pelo Governo anterior, que se traduz na retirada de importantes empresas da esfera do interesse público e em muitas delas na entrega a prazo ao capital estrangeiro, em prejuízo da manutenção de importantes centros de decisão nacionais. (exemplos)

O debate de urgência agendado pelo PCP na Assembleia da República e que se realizará no próximo dia 5 de Maio, será um importante momento de confrontação do Governo com a sua própria inércia e conivência face às deslocalizações e encerramentos de unidades produtivas, bem como da venda de empresas, em muitos casos resultantes de processos de privatizações, a interesses estrangeiros, abrangendo sectores estratégicos da economia portuguesa.

Portugal continua a estar sujeito a um modelo de desenvolvimento ultrapassado e que é responsável pela degradação das condições de vida dos portugueses. É um modelo que o Governo aposta em manter. Senão vejamos uma recente intervenção do Primeiro-ministro num dos últimos debates mensais na Assembleia da República em que disse “Temos é de dar condições às nossas empresas para elas poderem competir no mercado global com as empresas chinesas, indianas, indonésias que estão no mercado europeu. Essa é que é a grande questão”. Ora enquanto o Primeiro-Ministro e o Governo continuarem a entender que a competitividade das empresas portuguesas se faz pela competição com modelos de baixos salários e direitos reduzidos, o que teremos é a constante degradação da qualidade do emprego e o acentuar da fragilidade das nossas empresas. O que teremos é mais desemprego, mais pobreza e mais exploração.

É possível e indispensável mudar de política e mudar de modelo de desenvolvimento. A visita que efectuamos à empresa Bruno Janz, permitiu verificar que existe espaço para a indústria nacional e para o seu desenvolvimento e que ele não tem que se fazer à custa de uma acentuada exploração dos trabalhadores e da precarização das suas condições de trabalho.

É possível uma política que aposte na modernização das empresas e da sua gestão, na incorporação de saber científico e tecnológico no processo produtivo, no aumento da escolarização e da formação, na defesa dos direitos dos trabalhadores.

É possível combater a lógica de “investimento beduíno” que continua a prevalecer em muitos casos, com empresas a abandonar abruptamente o país e outras em processos de encerramento que deixam atrás de si um rasto de desemprego, pobreza e crise social.

As Jornadas Parlamentares dos Deputados do PCP na Assembleia da República e no Parlamento Europeu concluíram pela indispensabilidade da construção de um novo modelo de desenvolvimento em que o combate às deslocalizações e encerramentos de empresas é um aspecto essencial.

As deslocalizações e encerramentos de empresas, quantas vezes de forma abrupta, irregular e selvagem, não têm parado. Antes pelo contrário. O caso da Bombardier-Sorefame é um dos últimos exemplos. No ano de 2003 2.980 empresas decretaram falência e encerraram. Mais 42,4% do que em 2002. Têxteis, comércio por grosso e construção, hotelaria e restauração são os sectores mais afectados.

Os encerramentos de empresas vão de par com as deslocalizações: a multinacional sueca Melka, depois de ter fechado as fábricas de Évora e Palmela, encerra agora as unidades do Sulim e do Cacém transferindo-se para a Rússia e Sri Lanka. Sem esquecer anteriores casos de que o da C&J Clark, de Castelo de Paiva, foi paradigmático, com a transferência da fábrica para a Índia.

Tudo isto leva a que Portugal seja o País da Europa com maior índice de crescimento do desemprego que se situa hoje, de facto, na ordem do meio milhão de portugueses (9% da população activa). De acordo com as estatísticas referentes a Março do Instituto de Emprego e Formação Profissional o País registava 500.376 desempregados (incluindo aqui os desempregados ocupados em programas especiais de emprego e outros que, segundo os critérios estatísticos não reúnem condições imediatas para ao trabalho mas que nem por isso deixam de ser desempregados). Este valor representa um acréscimo de 50.031 (mais 11,9%) desempregados em relação a um ano antes, o que se traduz numa cadência de 137 novos desempregados por dia. Do total de desempregados só cerca de 50% recebem subsidio!!!

Por tudo isto as Jornadas Parlamentares do PCP decidiram insistir no combate a este flagelo com um Projecto de Lei que “visa regular os processos de deslocalização e encerramento de empresas” e que procura impor um conjunto de regras para o investimento suportado por ajudas públicas (contrato escrito; nível mínimo de incorporação nacional; tempo mínimo de estadia do investimento; volume e perfis de emprego a criar; etc.); obrigações de reembolso das ajudas públicas recebidas e de indemnizações pelas consequências económicas e sociais produzidas; impossibilidade de tais empresas recorrerem a novas ajudas no prazo de cinco anos; responsabilidade civil e criminal dos gestores com actuação culposa; direito dos trabalhadores a auferirem uma indemnização no dobro do montante máximo fixado na lei; às estruturas representativas dos trabalhadores; criação de um Fundo Extraordinário de Apoio à Criação de Emprego; obrigatoriedade do Governo informar a Comissão Europeia, a OCDE, a OMC e o Observatório Europeu da Mudança de todas as empresas que se deslocalizarem ou encerrarem nas condições previstas no projecto e de propor ao Conselho Europeu que adopte as medidas necessárias à criação de condições de estabilidade do investimento estrangeiro.

Conforme anunciou de manhã o Secretário Geral do PCP exigiremos na Assembleia da República que antes de qualquer compromisso do Governo português sobre o novo Tratado da União Europeia, a dita “Constituição Europeia”, se realize um debate com o Primeiro Ministro em Plenário.

Estamos conscientes de que é preciso uma outra política para o país e uma outra política europeia. E de que os portugueses reconhecem no trabalho dos eleitos do PCP um instrumento indispensável, que é preciso reforçar, na derrota da política de direita e do Governo PSD/CDS e na luta por uma Europa de progresso, igualdade e paz.