Jornadas Parlamentares, na cidade de Lisboa
Intervenção de Ilda Figueiredo
19 de Abril de 2004

 

É da maior importância conhecer o que se vai debatendo e decidindo no Parlamento Europeu, e que, directa ou indirectamente, se reflecte em Portugal. As políticas comunitárias têm um impacto directo que, em muitos casos, tem sido negativo, por não terem em conta as especificidades da situação económico-social portuguesa, designadamente nas áreas produtivas e sociais.

São particularmente significativas as políticas monetárias, de que se destaca o funcionamento do Banco Central Europeu, o Pacto de Estabilidade e os seus “estúpidos critérios”; a estratégia de Lisboa e os seus ataques aos serviços públicos e aos direitos do trabalhadores; a Política Agrícola Comum e a actual reforma, a pôr em causa a necessidade do desenvolvimento da nossa agricultura; a Política Comum de Pescas e as suas nefastas consequências visíveis na redução brutal da capacidade e esforço de pesca; a política comercial da União Europeia com reflexos negativos em toda a estrutura produtiva portuguesa, designadamente nas indústrias tradicionais dos sectores têxteis e vestuário, conservas, indústria naval e cristalaria, mas onde também não escapam as indústrias extractivas, a agricultura e as pescas.

A nossa participação nestas jornadas sobre as questões da política europeia evidenciou a grande interdependência entre as políticas comunitárias e nacionais em muitas áreas de intervenção, o que exige cada vez maior coordenação no trabalho que realizamos em defesa dos interesses de Portugal.

No Grupo da Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica, que integramos, temos procurado uma permanente sensibilização para os problemas portugueses e o apoio para as propostas que fazemos no Parlamento Europeu, de um modo geral, resultantes do trabalho colectivo que desenvolvemos em Portugal.

Fazemo-lo de diversas formas, sempre numa ligação estreita com as mais diversas instituições, organizações e associações portuguesas, com quem contactamos regularmente, e que, por vezes, convidamos a deslocarem-se a Bruxelas ou Estrasburgo, como aconteceu, recentemente, com o Comité de Empresa dos trabalhadores da Bombardier/Ex-Sorefame, após uma visita que fizemos à empresa.

Fazemo-lo, também, através do convite de deputados estrangeiros, membros do nosso grupo, para virem a Portugal participar em debates, visitas e reuniões diversas, como aconteceu na semana passada, em Setúbal, nas iniciativas sobre o balanço dos quatro anos de aplicação da estratégia de Lisboa.

Assim, temos procurado as convergências necessárias para alterar os alicerces da actual União Europeia e defender os interesses portugueses. Participámos activamente nas cooperações estreitas e permanentes que o nosso grupo estabeleceu, durante toda a legislatura, com as organizações sindicais, os comités de empresa, as associações, os movimentos contra a globalização capitalista, as redes de cidadãos e as mais diversas organizações sociais e culturais, o que não tem paralelo no Parlamento Europeu.

Apostados na permanente defesa dos interesses portugueses, da produção nacional e do emprego com direitos, de serviços públicos de qualidade e de maior inclusão social, temos dado o nosso contributo para uma outra Europa de direitos sociais e igualdade, de solidariedade e desenvolvimento, que respeite, dinamize e aprofunde a democracia.

Perante o agravamento da situação económico-social, níveis elevados de desemprego, de pobreza e exclusão social e de crescimento das desigualdades sociais, temos denunciado a insistência das propostas da Comissão e do Conselho na chamada competitividade, na promoção do que consideram a cultura empresarial, na flexibilidade e precariedade do trabalho, na redução dos custos salariais e na moderação salarial, no ataque aos serviços públicos, ou seja, na agenda neoliberal dos grupos económicos e financeiros, em vez de se preocuparem com as condições de vida e de trabalho, com o desenvolvimento e a coesão económica e social, o relançamento dos investimentos públicos e sociais.

Propusemos a suspensão do Pacto de Estabilidade e a sua substituição por um Pacto de Desenvolvimento e Emprego que apostasse no desenvolvimento económico, emprego e coesão social, assente num aumento sustentado do investimento público nacional e comunitário, nomeadamente em infra-estruturas de base, na educação, qualificação e formação profissional, na investigação e inovação, no ambiente e no apoio às pequenas e médias empresas.

Portugal está a ser fustigado com a estratégia das multinacionais. Enquanto conseguem receber fundos comunitários mantêm-se no país. Mas, quando lhes parece conveniente, levantam a tenda e correm à procura de mais meios financeiros noutro país que seja candidato à adesão e receba ajudas de pré-adesão para captar investimentos estrangeiros. Não se importam que para trás fique o desemprego e as situações sócio-económicas graves que bloqueiam o desenvolvimento de uma região, pois sabemos como tudo isto se repercute no comércio e na indústria, a nível local.

É uma estratégia inadmissível, que só persiste por que o Conselho e a Comissão não tomam as devidas medidas para lhes pôr cobro. Ora, como no Conselho participam todos os governos dos Estados-Membros, não vale a pena o Governo português e os dirigentes do PSD/PP virem chorar lágrimas de crocodilo perante este drama que atinge milhares de trabalhadores portugueses. São co-responsáveis.

Temos sido porta-vozes dos protestos dos trabalhadores ameaçados pelas deslocalizações e reestruturações de empresas multinacionais, reunindo com trabalhadores, em Portugal, de dezenas de empresas, questionando a Comissão e o Conselho, propondo a elaboração de um livro negro, insistindo em propostas concretas que travem as deslocalizações, suspendam financiamentos às multinacionais que actuem irresponsavelmente, defendendo o direito de veto das organizações de trabalhadores capaz de suspender os processos de fusões, reestruturações e deslocalizações de multinacionais que não assumam a responsabilidade social.

Em ligação estreita com organizações portuguesas, temos denunciado o processo de liberalizações e privatizações, em numerosos sectores, com um preconceito claro contra o sector público, pondo em causa a existência de serviços públicos de qualidade e o emprego, que são essenciais para combater a pobreza, garantir a inclusão social e níveis elevados de qualidade de vida para toda a população, defendendo a revisão urgente das políticas económicas e monetárias, uma moratória das liberalizações, a redução do tempo de trabalho sem perda de vencimento, a promoção de serviços públicos, a aposta na defesa dos direitos dos trabalhadores e das mulheres.

Na situação particularmente complexa do alargamento a partir do início de Maio, exigimos um programa específico para a economia portuguesa, com especial destaque para o sector têxtil e outras indústrias tradicionais, dando particular atenção às micro e PME, à agricultura familiar e às pescas, a exemplo do que fez a Grécia aquando da adesão de Portugal e Espanha.

Sabe-se como as vitórias que os governos portugueses apregoam são, afinal, derrotas, que os agricultores denunciam com o vinho, as batatas e as frutas que não conseguem vender, dada a concorrência acrescida de importações de produtos, muitas vezes de pior qualidade; que os pescadores sentem com a perda da soberania nas nossas águas; que os trabalhadores da indústria têxtil e outras conhecem com a ameaça de desemprego que as regras da concorrência e de divisão internacional do trabalho impõem.

Sabe-se que a liberalização das águas põe em causa a defesa dos recursos pesqueiros e dificulta a gestão das pescas por cada país, esquecendo que a defesa dos recursos pesqueiros só é possível com uma gestão assegurada por cada Estado-membro, em que participem as associações de pescadores e de armadores, os cientistas e técnicos do sector das pescas, sem esquecer a indústria das conservas e a própria aquacultura, o que a Comissão teima em não aceitar.

A frota de pesca portuguesa já sofreu um processo acelerado de ajustamento e as unidades produtivas e empresas melhor estruturadas, que conseguiram subsistir nesse processo, têm agora de ser razoavelmente protegidas e não sujeitas a custos de contexto insuportáveis. A sua função estratégica e de interesse nacional exige que o governo defenda o «mínimo vital» de segurança e auto-suficiência, apoiando pescadores e armadores no período de defeso e paragens biológicas e exigindo para o nosso país especiais atenções, dada a quebra sucessiva nas pescas nacionais.

Mais do que a frieza dos números, a realidade que pudemos sentir nas visitas, reuniões e debates com agricultores, dirigentes de associações de produtores de azeite, de leite, de vinho, de frutas e legumes, de cooperativas agrícolas e adegas cooperativas, tem uma marca de indignação e grande descrédito das promessas governamentais e comunitárias quanto às medidas e apoios aos agricultores. Daí as propostas diversificadas que fizemos, para corrigir os presentes desequilíbrios na distribuição das ajudas entre países, produções e agricultores, lutando contra a desvinculação das ajudas da produção.

As negociações dos diversos governos (PS e PSD/PP) com a União Europeia foram um desastre para Portugal. E continuam idênticas as posições da coligação PSD/PP e do PS sobre a generalidade das propostas relativamente ao futuro da (mal) dita constituição europeia, como ficou claro durante todo o processo da chamada Convenção europeia. Defendem os seus conteúdos fundamentais, embora com uma ou outra pequena divergência, apostados que estão na aprovação do projecto do novo Tratado Constitucional, tão desejado pelos patrões dos grupos económicos e financeiros europeus, que pretende centralizar cada vez mais o poder, aprofundar o neoliberalismo e o militarismo, com mais federalismo e maior afastamento das pessoas dos centros de decisão, empobrecendo a democracia e dificultando as lutas por uma Europa alternativa, de paz, progresso, desenvolvimento e maior justiça social.

Pela nossa parte, continuamos empenhados na defesa de novos rumos para a Europa, maior justiça social para os povos e paz para o mundo. No nosso Grupo temos estado particularmente empenhados na luta contra a guerra e a ocupação do Iraque, na denúncia do seguidismo das políticas do imperalismo americano e do terrorismo de estado de Sharon, na defesa dos direitos da Palestina e dos povos de todo o Mundo. Defendemos o desenvolvimento da cooperação entre Estados soberanos e iguais, sem abdicar da capacidade de Portugal defender os seus interesses vitais, do povo português decidir do seu destino colectivo.

Estas jornadas parlamentares do PCP mostraram como foi possível uma luta concertada dos deputados comunistas no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, em muitos e diversificados temas do maior interesse para o nosso país. O que também torna clara a necessidade de alargar esta experiência às instituições, dando aos Parlamentos nacionais um papel muito mais importante no processo de decisão das políticas comunitárias. A defesa dos interesses portugueses será muito mais eficiente se a Assembleia da República tiver maior intervenção nas questões da política europeia.

Pela nossa parte reafirmamos o nosso empenhamento em lutar pelo reforço dos poderes dos Parlamentos nacionais nas políticas comunitárias.