Com vista às eleições europeias de Junho 1999

Apelo comum
Por um novo rumo da construção europeia

15 de Janeiro de 1999


O clima político está a modificar-se na Europa. O mito do capitalismo triunfante dissipa-se. O nosso século termina com perigos mas sobretudo com o surto de fortes aspirações de mudança das nossas sociedades e do mundo. A promoção sem discriminação dos homens e das mulheres; a democracia e a cidadania; os direitos da pessoa e particularmente o anti-racismo; o respeito dos equilíbrios naturais e o desenvolvimento sustentável; relações internacionais pacíficas, equitativas e solidárias - são valores em ascenso nos nossos países, nomeadamente entre os jovens.

Os efeitos desastrosos da crise financeira mundial sobre os povos dos "países emergentes" revelaram à opinião pública a incapacidade deste sistema neoliberal para dar resposta às necessidades da humanidade. Por outro lado, a lógica que impregna instituições como o Fundo Monetário Internacional ou acordos como o A.M.I. é cada vez mais amplamente contestada. Além disso, é já hoje corrente ouvir condenar a arrogância - económica, política, militar - dos Estados Unidos na cena internacional, assim como o egoismo dos seus dirigentes face aos grandes desafios planetários. Enfim, o contraste entre a enormidade das despesas de armamento e a redução constante da ajuda ao desenvolvimento suscita objecções salutares.

Este reganhar de espírito crítico e de vontade de mudança manifesta-se igualmente - em particular por parte dos protagonistas do movimento social - face à actual construção europeia, fundada na lógica de Maastricht e da União Económica e Monetária. Manifesta-se no plano social, face a uma orientação neoliberal e monetarista que gerou perto de 20 milhões de desempregados e mais de 50 milhões de pobres. Manifesta-se no plano da democracia, contra o afastamento sistemático dos centros de decisão relativamente aos cidadãos. Manifesta-se no plano da cultura, hoje submetida à lógica do mercado. Manifesta-se no plano da organização da segurança do continente, hoje concebida exclusivamente sob o ângulo militar. Existem assim condições para a afirmação de um empreendimento de transformação profunda da actual construção europeia.

É neste espírito que, para além das diferenças de situações que caracterizam os nossos respectivos países e da diversidade de abordagens existente entre os nossos partidos, formulamos grandes objectivos comuns pelos quais desejamos agir, no seio da União Europeia para a maior parte de nós, ou fora deste quadro para alguns. A reorientação progressista da construção europeia é uma perspectiva que diz respeito a todo o continente. Juntos, queremos trabalhar por uma Europa social e ecológica, uma Europa democrática, uma Europa solidária e de paz.

Uma Europa social e ecológica deve atribuir uma verdadeira prioridade ao emprego, à formação para todos e para todas, e a um crescimento são, não produtivista, visando sistematicamente a igualdade entre os homens e as mulheres, e respeitador do modo de vida e dos equilíbrios naturais. O que implica mudanças da política económica e monetária, tais como a renegociação do Pacto de Estabilidade, para chegar a uma política de crescimento e de emprego, em ruptura com os dogmas neoliberais e respeitando a exigência de coesão económica e social; a revisão da missão do Banco Central Europeu; uma tributação comum dos movimentos de capitais (do tipo taxa Tobin); a cooperação entre os serviços públicos e o seu reforço, ao invés da actual tendência para as privatizações; medidas favorecendo a redução sensível do tempo de trabalho, sem redução do salário e com a criação de empregos estáveis; a harmonização das normas sociais por cima; a escolha de um crescimento duradouro baseado na promoção e não na diminuição das despesas públicas, salariais e sociais, assim como uma modificação dos critérios de utilização dos fundos europeus de ajuda às regiões de acordo com estas novas prioridades. Desde logo, a experiência da crise financeira mundial confirma espectacularmente a necessidade de utilizar o dinheiro de outro modo, refreando a especulação financeira e reforçando mais os recursos humanos e o desenvolvimento sustentável.

Uma Europa democrática constitui um objectivo central do nosso projecto europeu. Ela deve nomeadamente traduzir-se numa aproximação sistemática dos centros de decisão das cidadãs e dos cidadãos, incluindo no seu local de trabalho. Isto põe a questão da necessária reconquista da intervenção política e pública na economia - ao nível dos governos e dos parlamentos - face aos poderes exorbitantes do Banco Central Europeu. Mais geralmente, os assalariados e os cidadãos devem ter, segundo nós, um lugar qualitativamente novo no processo de elaboração e aplicação das decisões comunitárias: a conquista de novos direitos quanto à informação, à concertação, à intervenção, à avaliação e ao controlo está, a nosso ver, na ordem do dia. No mesmo espírito, o modo de escrutínio proporcional nas eleições europeias parece-nos ser o mais justo, porque o mais próximo das cidadãs e dos cidadãos.

Uma Europa solidária e de paz deve inscrever-se numa perspectiva de entre-ajuda e não de concorrência, de cooperação e não de "guerra económica", de desarmamento e não de militarização do continente. Assim, no seio da União, os intercâmbios humanos ganham em ser largamente estimulados neste sentido, e o racismo, a xenofobia, o nacionalismo, como todas as formas de intolerância, firmemente combatidos. Consideramos preocupante, a este respeito, o "espírito de Schengen". Pronunciamo-nos por uma revisão profunda deste acordo, assim como por um reforço das legislações anti-racistas. Além disso, não é aceitável que as desigualdades de desenvolvimento entre regiões, nomeadamente no Sul da Europa, se aprofundem em vez de diminuirem.

Uma ética de solidariedade e de paz deve igualmente traduzir-se nas relações da União com os seus parceiros externos. Queremos que o alargamento aos países da Europa central e oriental, bem como a Chipre, se concretize, o que pressupõe romper com a abordagem neoliberal, que a este respeito é actualmente a da União Europeia, e respeitar a vontade livremente expressa dos povos respectivos. Para além disso, é a organização de todo o continente que se coloca: consideramos que o fim da guerra fria reclama a superação da OTAN em benefício duma renovação da O.S.C.E., como organização regional das Nações Unidas. De qualquer forma, pronunciamo-nos pelo respeito da tradição de neutralidade e de não-alinhamento de certos países europeus. Além disso, as relações Europa-Sul constituem um dado maior para a evolução das relações internacionais: apelamos vivamente para uma melhoria qualitativa da Convenção de Lomé (África, Caraíbas, Pacífico) e do processo de Barcelona de cooperação euro-mediterrânea. E pronunciamo-nos pela anulação da dívida dos países em desenvolvimento.

Pronunciamo-nos igualmente a favor duma revisão qualitativa da concepção hoje perfilhada nas instâncias comunitárias em matéria de relações económicas internacionais (Organização Mundial do Comércio, Acordo Multilateral sobre os Investimentos, Novo Mercado Transatlântico). Enfim, advogamos um empenhamento ofensivo da União e dos seus Estados-membros na aplicação efectiva das orientações aprovadas pela comunidade internacional nas Cimeiras do Rio e de Kyoto (meio-ambiente, desenvolvimento), de Copenhague (desenvolvimento social), de Pequim (promoção da mulher) e em outras conferências da ONU.

Uma tal reorientação progressista da construção europeia parece-nos responder à expectativa da maioria dos nossos concidadãos assim como à esperança de numerosos povos no mundo. Contribuindo para tais mudanças, queremos trabalhar concretamente para a emergência de um mundo de paz.

O presente apelo constitui um novo prolongamento das experiências positivas de trabalho em comum em diferentes instâncias, que têm todas enriquecido a actividade e o prestígio do grupo da "Esquerda Unitária Europeia - Esquerda Verde Nórdica" no Parlamento Europeu. Anima-nos a vontade de prosseguir e alargar ainda mais esta cooperação após as eleições de Junho próximo. A nossa ambição é clara: conjugar os nossos esforços para contribuir para enraizar a Europa à esquerda.
Partidos signatários do Apelo:
Partido do Socialismo Democrático (Alemanha)
Partido Comunista Austríaco
Partido Comunista da Bélgica
AKEL (Chipre)
Esquerda Unida (Espanha)
Iniciativa por Catalunha
Partido Comunista Francês
Synaspismos (Grécia)
Partido da Refundação Comunista (Itália)
Partido Socialista (Holanda)
Partido Comunista Português
Partido da Esquerda (Suécia)
Partido Suiço do Trabalho)