Intervenção do deputado
João Amaral

Voto nº 14/VIII, de protesto
pela condenação à morte de Abdullah Ocalan

26 de Novembro de 1999


Senhor Presidente
Senhores Deputados

Achamos extremamente importante a aprovação unânime, por esta Assembleia da República, do voto que está aqui subscrito pelos Srs. Deputados do Bloco de Esquerda e do PCP e que é um voto que tem um significado claro em relação à questão curda.

Podemos dizer — como foi dito aqui, em nome da bancada do Partido Socialista — que as posições sobre a questão curda são variadas, mas o que é evidente e que está contido nesta condenação do dirigente curdo Abdullah Öcalan é a condenação de qualquer forma de resolução do problema curdo com critérios de justiça e de respeito dos direitos das minorias.

Evidentemente que a independência é uma solução extrema. Há outras soluções mitigadas de autonomia, há várias soluções, mas tem de haver uma solução para a questão curda!

Ao contrário do que disse o Sr. Deputado Basílio Horta, as autoridades turcas não condenam Öcalan pelo que ele fez ou deixou de fazer; condenam-no para impedirem e para se colocarem contra a resolução de um problema de minorias. Se temos uma União Europeia e um Conselho da Europa sempre muito preocupados, nas palavras, com as questões das minorias, se tivemos toda a questão da Bósnia e toda a questão do Kosovo sempre em nome dos direitos das minorias, é bom que pensemos numa minoria que tem mais de 20 milhões de membros e que se espalha por cinco países! A esta minoria têm de ser reconhecidos os seus direitos!

No caso do comportamento da Turquia está, também, em questão a grosseira violação dos direitos humanos. Se a Turquia quer ter por padrão aquilo que são comportamentos que, hoje, constituem um património civilizacional, tem de assumir que comportamentos como os que teve no tratamento do prisioneiro Abdullah Öcalan, a quem torturou e humilhou vergonhosamente fotografando-o vendado com a bandeira turca atrás e que, agora, quer condenar à morte — e a pena de morte é uma vergonha da Civilização, é uma vergonha deste fim de milénio —, têm de ser profundamente alterados se quer o mesmo passo dos outros países, dos países que se reclamam de padrões civilizacionais avançados.

Em terceiro lugar — e isto não pode deixar de ser dito —, também está aqui implícita a condenação de um comportamento das autoridades europeias, que nunca foi clarificado, na «entrega» (não tem outra palavra!) de Abdullah Öcalan às autoridades turcas. Öcalan foi para Itália, apareceu em Itália, porquê? Por que é que ele foi pedir asilo às autoridades italianas? Lembrou-se?! Não havia nenhum compromisso?! Não havia nada combinado?! Ele que, nesta altura, já tinha feito declarações que apontavam para uma mudança na estratégia do seu partido no que toca à luta pela defesa dos direitos da minoria turca?! Como é que aparece aquele embaixador grego a levá-lo para Nairobi? Em que condições é que ele é, vergonhosamente, raptado de uma embaixada de um país da União Europeia, em Nairobi, para ser levado para a Turquia?...

Creio — e isto tem de ser dito — que esta situação representa um comportamento vergonhoso por parte das autoridades da União Europeia que, nalgum dia e nalgum momento, tem de ser retratado. Este é o momento de fazê-lo. Por isso, peço ao Sr. Presidente que este voto, aprovado por unanimidade, seja levado ao conhecimento da Embaixada turca, do Parlamento turco, do Parlamento Europeu e dos outros países da União Europeia, para que, em conjunto, se defenda o direito à dignidade de um povo, o povo curdo, que remonta, muito longe, na História, a sua identidade.

Quem leu Xenofonte relembrará, na Retirada dos Dez Mil, a presença dos curdos e quem recorda o Eisenohower lembrará, seguramente, o «combate saladino» como uma página brilhante da literatura inglesa mas, também, como uma página brilhante da História desse povo. Quem lembra o princípio da identidade deste povo curdo lembrará, com certeza, a necessidade de os afirmar, agora, com vigor e com convicção, para defender o direito à vida de Öcalan e o direito à autonomia do povo curdo.