Debate sobre o Sector Têxtil e do Vestuário
Intervenção de Agostinho Lopes
18 de Maio de 2005



Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Os graves problemas que o sector do Têxtil e Vestuário português enfrenta hoje transformaram-se numa furiosa campanha de manipulação, onde tudo é feito para ocultar as responsabilidades políticas de sucessivos governos do PSD, do PS e do PSD/CDS-PP. Académicas reflexões e compungidas perorações, mesmo que bem intencionadas, objectivamente mais não procuram que fazer esquecer o desenvolvimento de um processo nas suas múltiplas fases e as responsabilidades da política de direita, pelas opções tomadas, pelas políticas concretizadas, pelas cumplicidades assumidas. Nesta campanha avultam as falsificações das posições dos que não desistiram de defender os têxteis portugueses, para mais facilmente rebaterem a sua argumentação, e fundamentalmente, o agitar de bodes expiatórios. É assim que vemos Cavaco Silva esgrimir contra o «proteccionismo», outros falam de «nacionalismo serôdio», de «mercado livre», do «bloquear o progresso dos chineses pobres» e «proibir os pobres europeus de ter produtos melhores e mais baratos». É assim que na voz dos liberais e neoliberais e de um estranho neoliberalismo de esquerda o triste estado a que chegaram os têxteis portugueses se deve no essencial, para uns, aos seus empresários, e na voz de outros à China.

Quem vendeu e quem comprou a tese de que com a liberalização planetária do comércio internacional era um processo onde todos ganham, os países pobres e os países ricos, os trabalhadores, as pequenas empresas e as transnacionais? Que a OMC e as suas regas, ditadas pelo grande capital financeiro e as grandes potências (EUA / Alemanha / Reino Unido / França / etc.) se destinava a apoiar o desenvolvimento dos países do terceiro mundo? (Se calhar foi por isso que se esvaziaram as funções do CNUCDED, órgão da ONU a favor da OMC!). A dita livre concorrência no mercado globalizado é hoje uma feroz batalha, onde vale tudo, até tirar olhos, fazendo um leilão a nível mundial, da força de trabalho dos diversos países! Com uma pequena diferença face ao leilão tradicional, é um leilão a ver quem dá menos, menos salário, menos direitos! Com os leiloeiros, as transnacionais, a arrecadar os lucros, nessa competição sem saída nem futuro, massacrando os povos, os trabalhadores e os países menos desenvolvidos.

Se dúvidas houvesse, a posição tornada pública no dia 13 de Maio da Associação de Comércio Internacional, que representa grupos como o Carrefour, Auchan, Metro, o nosso bem conhecido Inditex/Zara e outros, é esclarecedora. A Associação, e cito, «está chocada pelas acções da Comissão (Europeia – desencadeamento do processo das cláusulas de salvaguarda) que tem um impacto extremamente negativa para os importadores e retalhistas».

Quem pôs os trabalhadores e os pequenos e médios empresários têxteis de todo o mundo a concorrer «livremente» entre si em 1995 não foi a China! Foram os EUA e a União Europeia! Que palavras se ouviram então do governo português sobre o negócio? ZERO!

Quem, em 1999 e 2000, negociou a entrada da China na OMC? Os mesmos! E que disse ou fez então o governo português apesar de alertado nesta Assembleia da República? ZERO! Entregou a defesa dos têxteis portugueses à boa vontade da Comissão e do Comissário Lamy! Que certamente, pelas boas provas dadas nas negociações em nome da UE, em particular no têxtil e na agricultura, na OMC, foi agora escolhido para ser director-geral.

O que fizeram os governos portugueses entre 1995 e Janeiro de 2005 para preparar o sector têxtil e do vestuário português para a liberalização que aí vinha, que era certa, e onde estavam incluídos os têxteis da China, da Índia, do Paquistão, do Magrebe, etc., etc.?

Ou será, como disse judiciosamente um dia destes Teresa de Sousa, em artigo com o respectivo nome «A hipocrisia do comércio justo», que «a China é rapidamente arvorada em “parceiro estratégico” quando se quer vender Airbus e comboios de alta velocidade ou mesmo armamento sofisticado», mas «Passa a ser um reles violador de direitos sociais, uma ameaça ao “justo” comércio internacional, quando se trata dos têxteis»?

De quem é a responsabilidade por fazer cumprir as leis portuguesas (do comércio, laborais, segurança social e fisco) pelos comerciantes chineses e outros instalados no País? Mas se sucessivos governos não o fizeram nem fazem relativamente à grande distribuição...

É também uma mistificação a que tenta passar a responsabilidade dos políticos e políticas que defenderam e defendem a liberalização do comércio e não promoveram de forma suficiente as mudanças estruturais no sector têxtil e do vestuário, de forma genérica e abstracta para os «empresários».

Os problemas de hoje tocam a todos os empresários, aos de sucesso e ao de insucesso, aos eficientes e aos ineficientes, aos que investiram e se modernizaram e aos que se limitaram a acumular fortunas pessoais! Ou então não se compreendem as posições das suas associações empresariais específicas!

E se há, e há, maus empresários, que fogem ao fisco, que não pagam à segurança social, que gastam indevidamente os fundos comunitários, que fazem falências fraudulentas, para que servem, que fazem, as inspecções do trabalho, da segurança social, das actividades económicas, o IAPMEI, outras entidades públicas, os tribunais? De quem é ainda a responsabilidade?

Mas também cabe perguntar quem lançou e insiste no chamado «empreendedorismo», na multiplicação dos empresários, sem pôr em causa essa opção pessoal e de vida, como solução para todos os problemas económicos? Quem estimulou e estimula que milhares de desempregados, pré-reformados, incluindo as vítimas dos processos de deslocalização, caminhassem para pequenos empresários?

Há responsabilidade, sim. Há responsabilidade de algumas das suas organizações de classe, do papel das grandes confederações portuguesas no apoio às políticas de direita que conduziram o sector ao buraco em que hoje se encontra! Há responsabilidades de alguns dos grandes empresários do sector por sempre terem «abençoado» essas políticas!

Afirmou o PCP em 1991, nas Jornadas sobre o Sector Têxtil realizadas em Guimarães.

(...) Assim, a situação, ainda favorável, existente nos subsectores do vestuário e malhas e que tem servido para atenuar, no plano económico e social, o desenvolvimento da crise já iniciada nos subsectores da fiação e tecelagem, no algodão e lanifícios, é uma situação conjuntural que não pode nem deve servir para esconder os problemas reais que o conjunto do sector enfrenta. Ela beneficia do desaparecimento das barreiras aduaneiras às exportações para os países da CEE e das encomendas das Multinacionais através da subcontratação junto das pequenas e médias empresas portuguesas, que aproveitam por esta via a mão de obra barata existente. (...)

O subsector das malhas e vestuário sofrerá a curto e a médio prazo, a não serem tomadas medidas, os mesmos problemas que hoje enfrentam os subsectores da fiação e tecelagem, como aliás está provado e previsto em estudo da CEE.

A tendência para resolver alguns dos problemas estruturais existentes, nos subsectores mais sensíveis de capital intensivo, fiação e tecelagem, através do recurso à expansão dos subsectores de mão de obra intensiva (confecções), significou andar em sentido contrário ao necessário esforço de modernização e reestruturação da indústria têxtil, e agravou de uma forma geral todos os seus problemas favorecendo ainda mais as condições para a generalização da crise.»

Infelizmente para o sector têxtil, não foram tidas em conta as prevenções e propostas que então o PCP avançou.

O sector têxtil (e outros sectores exportadores) perde (e perdeu) competitividade no mercado interno e externo. Mas quais as razões dessas perda de competitividade? É apenas um problema dos custos comparativos da mão-de-obra?

Quem decidiu que um país com uma economia fraca, como Portugal, podia aguentar com uma moeda forte, como o marco? Cálculos feitos mostram que «entre 1991 e 2003 (fase do euro e da convergência nominal para aderir ao euro) a competitividade-preço da economia portuguesa perdeu 29%. Em situação de moeda própria, tendencialmente essa perda de competitividade seria anulada com a desvalorização da moeda nacional. Quando alguns acusam hoje a China de «manipulação cambial», prática habitual de todos os países, esquecem que Portugal abdicou da possibilidade dessa «manipulação» ao aderir ao euro. Do ponto de vista da competitividade-preço da economia portuguesa, o euro tem sido, e vai continuar a ser, um desastre. Só para compensar estas perdas, era necessário que a produtividade média aumentasse a 2% ao ano. Sem nada para os salários!

E o que dizer dos custos dos outros factores de competitividade, sempre esquecidos na abordagem da capacidade concorrencial da economia portuguesa? Há alguma coisa a dizer dos custos da energia, das telecomunicações, dos transportes, que em geral as empresas portuguesas têm, incluindo as têxteis, com diferenciais relativamente aos seus congéneres e concorrentes de outros países?

E que dizer dos custos bancários? Terá, por exemplo alguma coisa a ver com as dificuldades de tantas empresas portuguesas o crescimento das taxas de lucro de 43% dos 4 maiores bancos privados portugueses durante o primeiro trimestre de 2005 (para não falar desse crescimento em 2004, 2003, etc.)? (E o País está em crise, fará se não estivesse). Banca que, à menor aragem de crise, deita trancas às portas e janelas, deixa os seus clientes e empresas a suportarem sozinhos os riscos, estrangulando-os financeiramente!

E qual é a história dos fundos comunitários? Como e de que forma foram gastos milhões e milhões de contos ao longo destes anos, e isto sem pôr em causa a boa aplicação que deles fizeram tantas empresas?

Foram canalizadas as verbas suficientes?

Foram destinados para os investimentos qualitativamente adequados à diversificação do sector, a ganhos na cadeia de valor, do desenvolvimento de cadeias e bases logísticas de comercialização? Quanto se gastou em internacionalização de empresas? Quantas marcas portuguesas e empresas portuguesas asseguraram presença e se tornaram referência no mercado internacional?

Terá sido uma boa e criteriosa aplicação de fundos comunitários e nacionais a iniciativa RETEX, que tinha por objectivo a «modernização e diversificação das regiões têxteis», dar cerca de 1,4 milhões de contos em mais de 50 projectos pelas Empresas Exportadoras de Vinho do Porto e incentivos para cerca de 50 projectos de empresas do Grupo Amorim de mais de 1,6 milhões de contos?!

Quem são os responsáveis pela baixa qualificação dos recursos humanos no sector, dos seus trabalhadores e empresários? De quem as responsabilidades por continuarem a ser algumas das regiões têxteis do País recordistas do abandono e insucesso escolares??

Quem são os responsáveis pela consolidação do modelo de mão-de-obra barata e produções de baixo valor acrescentado? Desafio alguém a encontrar um ano, nos últimos dez anos, em que a palavra moderação salarial não tivesse sido proferida por um ministro, um deputado, um dirigente do partido do governo!

Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhores Deputados,

 É necessário agir com urgência, a urgência que devia ter acontecido pelo menos em 1995, e acelerada a partir de 2000.

A boa consideração da variável tempo é estratégica para responder à situação presente, evitando uma catástrofe económica e social.

As cláusulas de salvaguarda, cujo accionamento foi ontem solicitado por mais de vinte mil cidadãos, em grande parte trabalhadores e empresários do sector, em petição entregue aos órgãos de soberania por iniciativa do PCP, são uma exigência inadiável.

Mas é necessário também perceber que alterações como a qualificação profissional dos recursos humanos ou a diversificação industrial, não se fazem da noite para o dia... É necessário iniciar esses processos, mas ter claro que no curto prazo não chegam para responder aos problemas que enfrentamos!

Como temos vindo a insistir, é necessário agir em Portugal e na União Europeia. Reclamando da UE, a criação de um programa comunitário – com adequados meios de apoio – para o sector têxtil e do vestuário, particularmente para as regiões mais desfavorecidas dependentes do sector.

Agindo em Portugal para a reestruturação do sector, partindo do que há – emprego e empresas. O que não significa ficar amarrado ao que existe. Significa defender o desenvolvimento de todas as empresas susceptíveis de viabilidade económica. Significa investir na sua organização, cooperação e parceria. Significa diversificar o tecido produtivo alterando o perfil de especialização.

Neste quadro, propomos que avancemos em sete medidas concretas e necessárias.

1. É necessário, no imediato, estabelecer uma rede de segurança social que, reforçando os mecanismos existentes, possa responder à acumulação de problemas e à amplitude das dificuldades das famílias atingidas, caso das situações em que há mais de um familiar desempregado, ou em que o desempregado é a única fonte do rendimento familiar, problemas do desemprego de trabalhadores com mais de 50 anos e que não encontrem outro posto de trabalho.

2. É necessária uma rápida avaliação das áreas territoriais e subsectores em risco iminente ou potencial, de encerramento e desemprego em massa, para que possam ser accionadas medidas preventivas e diferenciadas.

3. É necessário agir para acordos com fornecedores de bens e serviços, como a EDP, GALP, PT e outros operadores de Telecomunicações, Brisa, AENOR e outros concessionários de auto-estradas, no sentido de ser dado às MPME um estatuto idêntico ao dos grandes consumidores, reduzindo a factura energética, de comunicações e transportes.

4. É necessário que os apoios oficiais (nacionais e comunitários), que não podem ser desprezados ou sequer menosprezados, estejam vocacionados para as empresas que existem e não para as empresas que deviam existir mas não existem.

5. É necessário repensar os meios e os modos de financiamento dos projectos e de apoio financeiro, tendo presente que as micro, pequenas e médias empresas têxteis estão descapitalizadas e com desequilíbrios estruturais.

6. É necessário defender o mercado nacional através da fiscalização e outras medidas, velando para que todos cumpram os normativos legais, na actividade produtiva e comercial, combater as deslocalizações e favorecer a penetração exterior das exportações portuguesas, através de acções permanentes e sistematizadas.

7. É necessário desenvolver os estudos, projectos e investimentos que possam concretizar a implantação de outros sectores industriais, como os que vêm sendo seriados, nas fileiras automóvel, da saúde, energética, turística e outras.

Ao longo dos últimos 15 anos a morte do têxtil foi várias vezes anunciada. De um lado, directores gerais e peritos duvidosos declarando ao mundo que a têxtil nacional não tem futuro. Do outro lado, industriais e trabalhadores recusando a ideia.

Quinze anos depois cabe ao Governo e aos protagonistas principais dizer que o têxtil tem futuro.

Para isso, é necessário agir com urgência, eficiência e coragem. O têxtil não pode esperar mais. Se não, pode ser a última vez que espera.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Economia e da Inovação,

Em matéria de cláusulas de salvaguarda, é bom que se diga que, com a cumplicidade do anterior e do actual Governo, esse processo foi adiado, porque o Governo, inevitavelmente, participa da visão restritiva da Comissão na interpretação do regulamento comunitário, que estabelece que elas devem ser desencadeadas em caso de existência ou ameaça de perturbação de mercado. Ora, em Janeiro, em Fevereiro, em Março e em Abril era evidente a existência de perturbações de mercado, a partir dos dados que estavam em cima em mesa, inclusive os dos pedidos de licenciamento.

Nada explica o atraso do Governo no pedido de desencadeamento deste processo!

Já hoje, aqui, foi referida a ida do Governo a Braga. O Sr. Primeiro-Ministro esteve em Vila Nova de Famalicão e disse zero, como também já aqui foi dito, ao sector têxtil. E o Sr. Ministro, hoje, disse praticamente o mesmo: nada, ou aquilo que nós já sabíamos.

Sr. Ministro, quais são as disponibilidades financeiras do programa Dínamo para os projectos que estão em
carteira?

Vai o Governo, em termos de medidas de apoio financeiro da União Europeia, limitar-se a aceitar passivamente aquilo que a Comissão Europeia propõe, isto é, a cativar percentagens dos actuais fundos comunitários?

Sr. Ministro, vou colocar-lhe uma questão muito concreta: em dois concelhos da Terra de Basto – e este exemplo poderia multiplicar-se por outras regiões – cerca de 16/17 empresas e cerca de 600/700 trabalhadores viviam, há mais meia dúzia de anos, de encomendas de trabalho a feitio para a conhecida Benetton. Algumas dessas empresas foram pressionadas pela Benetton, ainda em Agosto, a fazer novos investimentos, por exemplo, em maquinaria, para responderem às suas encomendas. Em Dezembro, a Benetton anunciou que iria para a Tunísia, começou a reduzir encomendas e tudo indica que elas vão terminar nos meses de Junho e de Julho.

Como vai o Sr. Ministro responder a esta situação, que ocorre numa zona onde essa é praticamente aúnica actividade industrial?

Queria lembrar-lhe, Sr. Ministro, no que respeita à Benetton, que no nosso país há mais 150 a170 empresas na mesma situação.