Novo Código da Propriedade Industrial
Intervenção da Deputada Odete Santos
6 de Junho de 2002

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia,

Não vou falar nos artigos do diploma que VV. Ex.as pensam publicar, pois não o tenho aqui, o que tenho é um pedido de autorização legislativa. De qualquer modo, gostava que me explicasse de que alínea é que posso concluir o que é excluído da patenteabilidade e o que é incluído na patenteabilidade. Onde é que isto está? E confesso que, em relação a isto, não encontrei nada que me pudesse esclarecer - há, de facto, uma alínea que se refere às invenções, mas não especifica se exclui ou não da patenteabilidade a matéria viva. Portanto, gostava de perguntar se a Sr.ª Secretária de Estado considera que o que aqui está é conforme à Constituição.

V. Ex.ª falou ainda da Directiva n.º 98/44/CE - que também não é referida no pedido de autorização legislativa -, e eu pergunto-lhe se conhece a Convenção da Biodiversidade, das Nações Unidas, assinada no Rio de Janeiro, em 1992, que, de facto, em matéria de patenteabilidade das biotecnologias, exclui-as completamente, apesar de, pelo que V. Ex.ª diz, os senhores admitirem isso, mas, no pedido de autorização legislativa, não consta nada disso! Gostava, pois, que me explicasse se, de facto, a Convenção das Nações Unidas não tem valor algum, se Portugal a subscreveu ou não e o que pensam fazer dela.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados

Como gosto que as coisas sejam claras, vou ler a alínea que a Sr.ª Secretária de Estado citou como tendo tudo aquilo que a Sr.ª Secretária de Estado disse, na qual se refere que o Governo pode definir «O conceito de invenção e o objecto, processo e vias de obtenção, efeitos, duração, condições de utilização e regime jurídico da invalidade de patentes e de modelos de utilidade, conteúdo e regras de titularidade dos direitos privativos correspondentes, bem como o processo para obtenção de certificados complementares de protecção para medicamentos e produtos fitofarmacêuticos;». Não tem nada do que a Sr.ª Secretária de Estado disse! E este pedido de autorização legislativa não define devidamente, como a Constituição exige, o sentido e a extensão da autorização. Aqui não se diz o que é excluído ou se tudo pode ser patenteado. Querem patentear tudo? Por aqui, o Governo fica com uma ampla margem para isso!

Já tivemos um debate sobre esta matéria, mas, à medida que se aprofunda esta discussão, vão surgindo questões cada vez mais interessantes. Assim, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Vítor Ramalho que seria bom que um código da propriedade industrial fosse o código do sonho! Este é o código do sonho para alguns e do pesadelo para outros. É de facto o código do sonho para as multinacionais, que, no âmbito da Organização Mundial de Comércio, se têm batido pela manutenção daqueles famosos acordos sobre a propriedade intelectual relativamente ao comércio, e é um pesadelo, nomeadamente, para os países do terceiro mundo e do Sul. Isto porque, enquanto nos países do Norte é que ficam as biotecnologias, nos do Sul é que estão os recursos biológicos, aquilo que as multinacionais exploram. Aliás, há muitos exemplos destes, como é o caso de uma univer sidade dos Estados Unidos da América que utilizou um microorganismo de uma planta existente no Gabão e que, partir daí, o Gabão ficou privado de utilizar essa mesma planta, que até já utilizava na produção de açúcar e de bebidas açucaradas.

Como tal, é bom que fique claro que a Directiva n.º 98/44/CE, que, aliás, não vem mencionada na proposta de lei de autorização legislativa, e que o Governo quer transpor desta maneira, contraria completamente a Convenção sobre a Biodiversidade, assinada no Rio de Janeiro em 1992, que estabelece a soberania dos povos na utilização dos seus próprios recursos, a impossibilidade de patentear as biotecnologias, a impossibilidade de patentear a matéria viva, porque é isso que está em causa!

Na Directiva da União Europeia n.º 98/44/CE fala-se nisso, estabelecendo-se a possibilidade de patentear microorganismos, matérias vivas, biotecnologias que utilizam matérias vivas. É no âmbito da Organização Mundial de Comércio que está patente, e bem viva, uma luta para que acabe a possibilidade de patentear a matéria viva, porque a matéria viva é da Humanidade, não é de qualquer multinacional!

É por isso que me admira esta pressa - aliás, já anteriormente este problema se punha, ao fim e ao cabo -, a pressa de transpor uma directiva que, ainda por cima, o governo holandês impugnou no Tribunal de Justiça Europeu, precisamente por contrariar a Convenção sobre a Biodiversidade!

Claro! Mas, Sr. Deputado, isto não é sempre tudo vosso, sabe?!... A história não acabou, Sr. Deputado, e é melhor pensar duas vezes antes de concluir que chegou à vitória!

De facto, se se perguntar à Organização de Unidade Africana se está de acordo com o comentário do Sr. Deputado do CDS-PP, ter-se-á como resposta uma frontal negativa, porque tem sido esse o continente mais explorado, cujas matérias-primas e biológicas têm sido usurpadas e que não tem visto benefícios absolutamente nenhuns. Chegaram ao cúmulo de pretender impedir que os agricultores, os pobres agricultores de África utilizassem as sementes para as tornar a plantar! E isto já para não falarmos do escândalo de as multinacionais da indústria farmacêutica colocarem em tribunal a África do Sul por causa dos medicamentos genéricos contra a sida, que eram mais baratos, para conseguir salvar, ou pelo menos tratar, muitos milhões de pessoas; as multinacionais não quiseram saber das mortes das pessoas e pediram uma indemnização ao Estado da África do Sul!

Perante isto, agora também diz «isso é que era bom!», Sr. Deputado do CDS-PP?!

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Esta é, seguramente, uma matéria bastante interessante, mas o fulcro da questão não são aquelas disposições sobre as patentes das invenções dos nossos portugueses; o fulcro da questão em torno de um código da propriedade industrial, nos tempos de hoje é, efectivamente, esta: a exploração de países pobres por multinacionais e por países ricos. Nós não estamos dispostos sequer a abstermo-nos num diploma que tem este sinal tão grave!

(...)

Ó Sr. Deputado (Jorge Neto/PSD), lembro-lhe a quadra do António Aleixo: «eu não tenho vistas largas, / nem grande sabedoria, / mas deram-me horas amargas / lições de filosofia.»...

Ah, não presta?!… Aleixo não era produtivo…