Lei das Associações de Imigrantes
Intervenção do deputado António Filipe
7 de Outubro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O Grupo Parlamentar do PCP propõe hoje à Assembleia da República que aprove uma lei especial que defina o estatuto próprio de uma forma de associativismo com particulares especificidades, que são as associações de imigrantes residentes em Portugal.

A luta pelo aumento e dignificação do apoio do Estado ao associativismo em geral, tem sido uma constante da actividade do PCP. Nesta Assembleia, essa acção tem-se traduzido na apresentação de um conjunto significativo de iniciativas legislativas, tendo como objecto, quer o apoio ao associativismo popular em geral, quer o apoio a determinados tipos de associações tendo em consideração as suas particulares especificidades.

Permito-me salientar, a título de exemplo, e de entre as iniciativas tomadas na presente legislatura, o Projecto de Lei Quadro do Apoio ao Associativismo e o Projecto de Lei de Estatuto do Dirigente Associativo Voluntário, este último já aprovado na generalidade e cuja apreciação na especialidade esperamos que possa ocorrer em breve.

No entanto, temos como adquirido, que a aprovação de um estatuto legal condigno para o associativismo em geral, que reconheça o papel social de enorme importância que é desenvolvido pelo movimento associativo nas suas diversas expressões, pela qual nos temos batido, não deve excluir a aprovação de leis especiais que visem apoiar formas de associação cujas particularidades o justifiquem. Daí que o Grupo Parlamentar do PCP tenha já apresentado nesta Assembleia projectos de lei específicos, por exemplo, sobre associações de pais e encarregados de educação, ou sobre associações de deficientes.

No caso das associações de imigrantes, estamos perante um tipo de associativismo que justifica plenamente a aprovação de uma lei especial. De facto, estas associações, sendo merecedoras do apoio e atenção que deve merecer o associativismo em geral, têm como objectivo a defesa dos direitos e interesses legítimos de um segmento da população residente em Portugal que se confronta com problemas específicos, nos planos económico, social e cultural.

Se é verdade que os problemas de inserção social com que se confrontam as populações imigrantes são por demais conhecidos, não é menos verdade que têm faltado políticas decididas a enfrentá-los. Muitos cidadãos imigrantes continuam com a sua situação por regularizar e a ter de sujeitar-se a condições de trabalho precárias e clandestinas. As comunidades imigrantes continuam a ter de enfrentar situações de marginalidade social, que se reflecte nas condições de trabalho, de habitação, de acesso à educação e a cuidados de saúde. Os cidadãos imigrantes continuam em grande medida a ser tratados por algumas autoridades portuguesas como potenciais delinquentes ou como simples casos de polícia. Todos estes factos configuram uma situação de enorme fragilidade social, que afecta as comunidades imigrantes, e que tem de ser ultrapassada.

É óbvio que esta realidade não se supera apenas, nem sequer principalmente, através do apoio ao associativismo. Superá-la, pressupõe uma nova atitude do Estado Português, não apenas em palavras, mas sobretudo em actos. Pressupõe políticas sociais e de inserção social mais justas e eficazes.

Mas também no domínio do apoio ao associativismo dos imigrantes, muito pode e deve ser feito.

As várias comunidades de imigrantes residentes em Portugal, particularmente as que representam cidadãos originários de países da CPLP, têm estruturas associativas próprias, que desenvolvem actividades de reconhecido mérito que merecem ser especialmente apoiadas.

Por outro lado, tendo em consideração o papel que estas associações já desempenham e podem desempenhar ainda mais, nos planos nacional e local, na inserção social das respectivas comunidades, no estreitamente de laços de amizade entre as suas comunidades e o conjunto da comunidade nacional, e no combate de todos contra o racismo e a xenofobia, mais se justifica uma especial atenção do legislador no apoio a estas formas de associativismo.

O Grupo Parlamentar do PCP propõe, assim, que seja aprovada uma Lei das Associações de Imigrantes, que reconheça a estas estruturas associativas um conjunto relevante de direitos de participação e de intervenção social, a nível nacional e local. E propõe ainda a atribuição às associações de imigrantes dos direitos que são legalmente concedidos às associações detentoras do estatuto de utilidade pública, bem como de formas de apoio técnico e financeiro ao desenvolvimento das suas actividades.

De entre as propostas mais inovadoras do Projecto de Lei do PCP, cumpre assinalar a da criação de um Fundo de Apoio às Associações de Imigrantes, destinado a apoiar as associações mediante a celebração de protocolos com o Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, salvaguardando os princípios da autonomia e independência das associações, da não discriminação, e da participação dos interessados.

Participação esta, que deveria ser assegurada através de um Conselho para os Assuntos da Imigração, cuja criação o PCP propõe, reformulando o Conselho Consultivo já existente.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Uma questão que consideramos fundamental, é que a atitude do Estado Português em relação às associações de imigrantes seja de apoio, de incentivo e de criação de condições para uma maior afirmação da autonomia dessas associações, e estamos por isso em oposição a uma linha de intervenção assente em tentativas de controlo e de instrumentalização do movimento associativo, acentuando a sua dependência em relação ao poder político.

Discordamos assim de qualquer solução que faça depender o reconhecimento de direitos às associações de um processo de decisão governamentalizado, que possa criar uma situação em que seja o Governo a decidir quais são as associações "representativas", para efeitos de exercício quaisquer direitos ou de benefício de quaisquer apoios.

O PCP propõe por isso a criação de um Conselho para os Assuntos da Imigração que, para além de ser dotado de reais poderes de participação, seja uma expressão real do associativismo representativo da imigração e de um conjunto de entidades que desenvolvem uma acção de mérito no interesse das suas comunidades.

Ao apresentar este Projecto de Lei, o PCP não pretende impôr soluções, mas acima de tudo, debatê-las, em especial com os imigrantes e com as suas associações. Esta iniciativa legislativa pretende ser mais um contributo do PCP para a dignificação do estatuto dos imigrantes em Portugal, através da valorização do estatuto legal das suas associações representativas.

Disse.