Debate de urgência sobre as últimas medidas no domínio fiscal anunciadas pelo Ministro das Finanças
Intervenção de Octávio Teixeira na Assembleia da República
21 de Janeiro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

O PCP não acompanha grande parte da fundamentação apresentada pelo PSD para justificar este debate de urgência.

Fundamentalmente porque o PSD não pode esquecer e omitir aquilo que os seus próprios Governos fizeram neste âmbito: o aumento das injustiças do sistema fiscal, a proliferação dos benefícios fiscais e a profunda degradação a que, sob a sua tutela, foi conduzida a administração fiscal nas suas variadas componentes.

Em particular, e paradigmática desta sua pretensa falta de memória, não nos parece politicamente aceitável que o PSD venha agora acusar o actual Governo por lançar "uma contribuição especial aplicada à valorização de imóveis determinada pelas novas infra-estruturas". Por duas razões. Primeira, porque os Governos do PSD fizeram exactamente o mesmo. Por exemplo, relativamente aos imóveis valorizados pela construção da EXPO98. Segunda razão, porque consideramos que esse é um procedimento correcto. É natural e justo que as mais-valias excepcionais decorrentes de investimentos públicos sejam parcialmente distribuídas em prol do erário público que suportou os respectivos encargos. O que não é natural, o que é socialmente injusto, é que a generalidade das mais-valias, e em particular as mais-valias financeiras de natureza especulativa, não sejam tributadas, ou o sejam muito fracamente, usufruindo de benefícios ilegítimos. Como sucedeu durante os Governos do PSD. E continua a suceder com o Governo do PS.

Mas se não aceitamos, e denunciamos, parte da fundamentação do PSD, a verdade é que há muitas e muitas razões para acusar e denunciar a prática do Governo do PS no âmbito da política fiscal.

É um facto incontestável que o Governo, mais de dois anos após a sua tomada de posse, continua pura e simplesmente a protelar "sine die" a repetidamente prometida reforma fiscal visando uma maior eficácia e equidade do sistema.

Se no final de 1995 o peso da carga fiscal incidia fundamentalmente sobre os rendimentos do trabalho por conta de outrém, a situação é identicamente igual no ano de 1998.

Se é verdade que em 1995 os benefícios fiscais concedidos às operações e rendimentos financeiros eram uma pesada factura paga fundamentalmente pelos trabalhadores por conta de outrém, é inquestionável que essa factura tem continuado a aumentar e que os "pagantes" são os mesmos.

Se os Governos do PSD introduziram as taxas liberatórias para beneficiar os rendimentos de capital em detrimento dos rendimentos do trabalho, o Governo do PS mantêm-os.

É uma realidade que em 1995 os rendimentos médios declarados pela maioria dos profissionais em regime liberal atingiram valores caricatos, de tão descaradamente baixos. Mas essa realidade permanece inalterada mais de dois anos depois, sem que este Governo se tenha empenhado em promover a exigível moralização fiscal.

Do mesmo modo, hoje como ontem, continua a verificar-se a inverosímil situação de, anualmente mais de 80 mil empresas declararem prejuízos fiscais de centenas de milhões de contos, expressiva de uma generalizada e inadmissível fraude fiscal, que põe em causa a própria receita do IRC para os próximos anos.

Lembre-se, por exemplo, que no ano corrente o montante de reporte de prejuízos possível ascende a 1600 milhões de contos o que, no limite, pode significar uma perda de receita potencial do IRC na ordem dos 540 milhões de contos.

Mais uma vez, sem que o Governo tome medidas eficazes, claras e concretas para combater energicamente esta situação insustentável.

Em suma, mais de dois anos após o início de funções, é indesmentível que o Governo ou tem receio ou não tem vontade política de promover uma profunda reforma do sistema capaz de gerar maiores equidade e justiça fiscais. Porque, para esse efeito, demonstradamente não lhe faltaria o necessário apoio maioritário no Parlamento.

Porém, nesta matéria e na hipótese mais optimista, o Governo parece que não sabe o que quer. Se em 1996 dizia que ia substituir as deduções e abatimentos ao rendimento em deduções à colecta, em 1997 afirma que vai estudar o assunto. Se ontem se propunha introduzir a colecta mínima, meia dúzia de dias após transforma-a em pagamentos por conta, e passada uma quinzena estes eram metidos na gaveta.

E, no meio destas indefinições e contradições, e de cedências aos "lobbies", o Governo compraz-se em ir tomando medidas pontuais e desgarradas. Por acréscimo, contrárias ao objectivo da justiça e da moralização fiscais. Dois exemplos recentes são disso mostra concludente. Incidindo o peso essencial da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, o Governo, na sua lógica, "logicamente" deixa as taxas do IRS inalteradas e reduz em 2 pontos percentuais a taxa do IRC para beneficiar ainda mais as grandes empresas.

E havendo necessidade absoluta de combater a imoralidade fiscal, de dar mostras inequívocas de que a Administração não está disposta a comtemporizar com os faltosos, o Governo toma precisamente a atitude inversa: decreta um autêntico e prático perdão fiscal, mandando arquivar, sem cobrança, todas as dívidas fiscais de valor inferior a 100 contos.

Com argumentos carecidos de razão.

Porque, se é sério o argumento de que os custos de cobrança excedem os valores a receber, então o Governo deveria decretar que, daqui para o futuro, toda a colecta inferior a 100 contos estaria isenta de pagamento. Assim haveria clareza e transparência, e não benefício dos faltosos e castigo dos cumpridores.

Se, por outro lado, o pretexto é o de aliviar a enorme carga de processos que asfixiam os tribunais tributários, então o Governo esqueceu-se da outra face da moeda: esqueceu-se de tomar as medidas necessárias para impedir que a prazo curto não volte a verificar-se uma avalanche de novos processos graciosos e contenciosos que tornem a inundar a administração e os tribunais fiscais. Nova e acrescida avalanche porque os contribuintes, incluindo os até agora cumpridores, podem legitimamente pensar que, quanto mais crescer o número de processos mais rapidamente haverá perdões fiscais. Sejam eles assim chamados ou alcunhados de qualquer outra forma.

E altura de o Governo encarar de frente, com determinação a concretização de alterações profundas para uma maior equidade fiscal.

Já perdeu tempo de mais.

Disse.