Sobre questões da Família
Conferência de imprensa com Fernanda Mateus, Comissão Política do PCP
15 de Maio de 2006

1 – A abordagem da problemática da família, bandeira que a direita e os sectores mais conservadores da sociedade tenta chamar a si, é matéria sobre a qual o PCP sempre intervém com as iniciativas que tem considerado em cada momento mais adequadas, quer no que se refere ao aumento dos salários dos trabalhadores, quer em iniciativas de aperfeiçoamento de mecanismos legais de protecção dos(as) trabalhadores(as) em função da maternidade/paternidade, de garantia de direitos das crianças e jovens, e de melhoria da qualidade de vida dos idosos. Nesta sequência, o PCP propõe no momento actual a adopção de novos direitos:

• Criação de um subsídio social de maternidade e paternidade (Projecto de Lei 226/X - destinado à mulher grávida que não exerça qualquer profissão nem tenha meios para o sustento da criança que vai nascer, atribuído durante 120 dias e equiparado ao valor da prestação da pensão social.

Trata-se de envolver toda a sociedade no aprofundamento dos direitos de maternidade-paternidade através do Sistema Público de Segurança Social (subsistema de solidariedade), proporcionando condições básicas de apoio ao sustento mínimo da criança num prazo idêntico às mães e pais trabalhadores.

• Um novo regime de prestações familiares (Projecto de Lei 225/X - através da reposição da universalidade do direito ao abono de família, com a reintrodução do direito ao subsídio de nascimento, por forma a garantir a universalidade deste direito a todas as crianças até aos 12 meses. Neste projecto é proposta a actualização dos subsídios de deficiência, bem como a actualização dos subsídios relativos à assistência a terceira pessoa, subsídio vitalício e subsídio de funeral.

Com este projecto-lei o PCP sistematiza a legislação referente às prestações familiares e sobretudo assume uma linha de aprofundamento do papel destas na protecção da família e na promoção dos direitos das crianças e jovens.

2 – A reposição da universalidade do direito de todas as crianças ao abono de família (com revalorização do valor desta prestação) e a criação de um subsidio social de maternidade-paternidade são exemplos concretos das medidas devem dar corpo a uma verdadeira política de protecção da família e da maternidade.

Por isso, o PCP questiona e critica o conjunto de medidas adoptadas e em curso por parte do Governo no que se refere às políticas de família no âmbito da segurança social, nomeadamente:

- a intenção de manter as prestações familiares, designadamente a atribuição do abono de família como prestação sujeita a condição de recursos, aprofundando o sentido negativo das medidas de destruição da universalidade deste direito, tomadas pelo anterior Governo do PSD/CDS-PP.

- a intenção de aumentar o período de concessão dos subsídios de maternidade e paternidade a partir do 2º filho (com acréscimo adicional a partir do 3º) é acompanhada pela recusa do actual Governo em conceder à licença de maternidade-paternidade de 150 dias o mesmo valor de 100% do salário que é aplicado aos 120 dias de licença.

À natureza contraditória destas medidas, acresce a incorrecção na tentativa de introdução de diferenciação no pagamento de contribuições entre trabalhadores em função do número de filhos.

Para o PCP, as medidas de apoio à maternidade-paternidade na área da segurança social devem corresponder ao aprofundamento dos direitos independentemente do número de filhos, dando prioridade ao pagamento integral dos 150 dias de licença de parto, a par do aprofundamento da protecção social em várias situações de risco (nascimento de criança prematura ou de internamento hospital do recém-nascido através de uma licença especial, a equivalência do subsídio, em caso de baixa por gravidez de risco, ao subsídio de maternidade-paternidade.

Igualmente são necessárias medidas que reforcem direitos de protecção social às famílias das classes trabalhadoras e às suas crianças e jovens.

- o proclamado objectivo de aumento em 50% das vagas em creches, inserido no Programa de alargamento da Rede de equipamentos sociais (PARES), significa na prática a transferência dos, já poucos, equipamentos da rede pública para a gestão de instituições de solidariedade social e a criação de uma rede nacional assente na inteira responsabilidade das instituições de solidariedade e das entidades privadas.

Nas últimas décadas, os sucessivos governos do PS e dos partidos da direita têm vindo a transferir a responsabilidade nesta área para as instituições de solidariedade social, para as quais transferem verbas por via de protocolos. Contudo, a realidade confirma as crescentes dificuldades destas entidades poderem garantir a igualdade de acesso já que não só existem listas de espera para aceder a estes equipamentos, como é crescente a selectividade no acesso a estes equipamentos, privilegiando-se as famílias como maiores rendimentos.

O PCP pugna pela inversão deste caminho e pela criação de uma Rede Pública de Creches e Infantários, de qualidade pedagógica e a preços acessíveis aos filhos das classes trabalhadoras, sem prejuízo da complementaridade das instituições de solidariedade social e do sector privado.

3 – As recentes declarações do Governo sobre os dados demográficos -envelhecimento da população e quebras de natalidade - são de uma enorme superficialidade na abordagem dos vários factores que explicam a tendência de redução da natalidade e na adopção de medidas incorrectas e desajustadas à inversão desta realidade.

Para o PCP, a inversão desta tendência passa pelo aprofundamento das garantais constitucionais em matéria de protecção da maternidade-paternidade, em três vertentes indissociáveis:

- o reconhecimento do direito a ser mãe e a ser pai, não como uma fatalidade ou um acaso, mas como uma opção livre, consciente e responsável, ou seja o direito a determinar o momento e o número de filhos que se deseja e a partilha de deveres e responsabilidades entre os progenitores.

- o cumprimento das responsabilidades das entidades patronais nas suas obrigações para com os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.

- a acção do Estado em assegurar o cumprimento dos direitos constitucionalmente consagrados - em matéria de maternidade e paternidade, de apoio à família e à infância - através da garantia de cumprimento dos direitos laborais e do papel dos Sistemas Públicos de Segurança Social, de Ensino e de Saúde.

Estes pressupostos estão longe de serem assegurados devido aos elevados níveis de desemprego e de precariedade laboral que levam milhares de trabalhadores e trabalhadoras a ficarem excluídos do direito a decidirem o momento e o número de filhos que desejam ter, ao que acresce a falta de tempo para o seu acompanhamento face à crescente desregulação dos horários de trabalho.

Também não pode ser ignorada que cada vez mais as entidades patronais procuram desvincular-se do cumprimento dos seus deveres para com a renovação das gerações e a necessária inversão da redução das taxas de natalidade. São crescentes as dificuldades da grande maioria das(os) trabalhadoras(es) de exercer os seus direitos quanto à assistência e acompanhamento à família, designadamente das crianças e jovens.

O PCP questiona igualmente a natureza das medidas que têm vindo a ser tomadas na área laboral pelos sucessivos Governo, incluindo pelo actual Governo, já que estas assentam no objectivo de impor a desregulamentação das relações laborais, com a precariedade dos vínculos laborais, desemprego e baixos salários e na crescente desresponsabilização das entidades patronais do cumprimento dos seus deveres para com a função social da maternidade-paternidade e para com a renovação das gerações.

O conjunto das políticas na área laboral e de segurança social não permite corresponder ao proclamado objectivo de conciliação da vida familiar e profissional por parte dos trabalhadores e trabalhadoras. Bem pelo contrário, procura adequar a estrutura familiar à lógica do «mercado», com perda de direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, na discriminação salarial das trabalhadoras e na transferência para as famílias (e sobretudo para a mulher) das responsabilidades na renovação da força de trabalho, no apoio às crianças, jovens e idosos.

4 – A crescente injustiça na distribuição do rendimento nacional em detrimento de quem vive do seu salário ou da sua pensão são causa das crescentes dificuldades das famílias trabalhadoras e de famílias de idosos e das múltiplas situações de pobreza e de exclusão social em que muitas se encontram. É o resultado prático das opções políticas de direita - no plano económico, laboral e social.

São disso exemplo:

As elevadas taxas de desemprego, a desregulamentação das relações laborais, a generalização dos vínculos precários de trabalho, a perpetuação de baixos salários repercutem-se no interior das famílias das classes trabalhadoras e em cada um dos seus membros (adultos, crianças, jovens e idosos). Em causa está a destruição da obrigação do Estado de promover «a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar»1 e de «garantir a independência social e económica dos agregados familiares». 2

A falta de adequadas condições de vida e de trabalho impede muitos pais de poderem assumir as suas responsabilidades para com os seus filhos e é a causa de muitas situações de pobreza, de insucesso e abandono escolar e de muitos dos processos sinalizados nas comissões de protecção de crianças e jovens em risco.

O desemprego feminino, a discriminação salarial das trabalhadoras a que acresce a privatização de das funções sociais do Estado decisivas para a promoção da igualdade da mulher na família.

São por razões economicistas e de redução das despesas sociais que o governo aponta para o fecho de maternidades, de escolas do ensino básico penalizadando as famílias que passam a necessitar de percorrer mais quilómetros para ter acesso a cuidados de saúde ou ao ensino com a inevitável sobrecarga dos já apertados orçamentos familiares diariamente confrontados com o aumento do custo dos bens e serviços essenciais, ou em alternativa a verem cada vez mais longe as possibilidades de acesso a esses serviços essenciais.

5 – O PCP considera, por isso, ser necessário a organização do protesto e da luta que faça interromper o agravamento das condições de vida e da perda de direitos das famílias e de cada um dos membros que a compõem, ao mesmo tempo que reafirma a necessidade de uma ruptura democrática com a actual política de direita e a realização de políticas que promovam designadamente:

- a autonomia económica das famílias com acesso ao emprego com direitos; com uma justa repartição do rendimento e da riqueza produzida, através de aumentos significativos dos valores dos salários, de revalorização do salário mínimo nacional e das pensões mais baixas.

- o aprofundamento do Sistema Público de Segurança Social, universal e solidário, como instrumento de protecção social dos trabalhadores e suas famílias, das crianças e jovens e dos idosos.

- a promoção da igualdade de direitos das mulheres na família e a sua conciliação com a vida profissional, através da protecção dos seus direitos enquanto trabalhadoras, e igualmente através da criação de uma rede pública, quer de creches e infantários, quer na área do ensino pré-escolar, que seja planeada de acordo com as necessidades de cada região.

- realização de campanhas de sensibilização que promovam a partilha equilibrada de responsabilidades familiares entre mulheres e homens, visando alterar os efeitos que a pressão política, social e cultural exerce sobre as mulheres no sentido a que estas assumam especiais responsabilidades na educação dos filhos e no apoio aos idosos.

- efectiva protecção da maternidade-paternidade no respeito pelos direitos das trabalhadores e trabalhadores e na garantia de protecção da saúde da mulher e da criança na área do trabalho, da segurança social e da saúde.

- a promoção do Serviço Nacional de Saúde com garantia de igualdade de acesso das famílias, independentemente da sua condição económica e social, e na satisfação das necessidades específicas de cada membro do agregado familiar.

- A garantida da autonomia económica e social das reformados e idosos, a par da garantia de respostas às suas necessidades específicas no âmbito dos sistemas públicos de segurança social e de saúde.

É neste sentido que o PCP, na Assembleia da República e fora dela, irá continuar a intervir.
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1 Artigo 59º, n.º 1, alínea b), Direitos e Deveres económicos, sociais e cultural, Constituição da República Portuguesa.

2 Artigo 67º, n.º 2, alínea a), Família, Constituição da República Portuguesa.