CABEÇAS NO AR

Os anos da adolescência - segundo se diz - são «os melhores anos da nossa vida». Talvez por isso Carlos Tê tenha regressado a esse período para contar a história dos Cabeças no Ar – um grupo de alunos de uma qualquer escola secundária de Portugal.

Cabeças no Ar não é, contudo, uma história do «Portugal dos pequeninos»: as emoções que Tê conta – e que todos nós, ou alguém que conhecemos, viveu na adolescência – são aquelas que nos marcam para toda a vida, que contribuem para a nossa formação enquanto indivíduos, que transportamos connosco para sempre. Terreno de eleição para um dos letristas mais aclamados da música portuguesa, graças a mais de vinte anos de trabalho conjunto com Rui Veloso e à sua adopção por nomes de outras gerações, como os Clã.

«Cabeças no Ar», a história que Carlos Tê quis contar de um grupo de alunos de um qualquer liceu português, é uma peça de teatro com canções. «Cabeças no Ar», o disco, são algumas das canções que ilustram essa peça; catorze, mais precisamente, escolhidas por serem aquelas que, retiradas da estrutura narrativa da peça, conseguiam sobreviver sozinhas, ganhavam vida própria.

«Cabeças no Ar», não é por isso um álbum conceptual. Apesar da origem comum, estas catorze canções com letras de Carlos Tê não formam necessariamente um todo narrativo, mas os instantâneos que desenham de momentos marcantes nas nossas vidas ganham outra dimensão, mais universal, fora da peça para que foram escritas. São canções, apenas; e são canções demasiado boas para se limitarem ao palco para que foram criadas.

Aliás, elas vêm com o «selo de qualidade» de dois dos melhores compositores portugueses.

João Gil, cujo currículo, dos Trovante à Ala dos Namorados, fala por si (e foi até celebrado no ano passado com um álbum e um concerto que evocativo do seu talento de compositor), assina a maior parte das melodias. Entre elas estão «A Seita Tem um Radar», escolhida como primeiro single do CD, e várias outras provas da versatilidade e eclectismo da sua inspiração, como os toques rurais de «O Nó da Gravata», a sofisticação elegante de «O Deserto da Sara» ou a experiência gospel de «Jesus no Secundário».

Rui Veloso compôs as outras quatro – e a beleza cristalina de «Primeiro Beijo» ou «Pequena Dor» apenas confirma que os tempos do «ar de rock» já vão muito lá para trás e que não faz sentido falar de gavetas com criadores como estes.

O que fazia mesmo sentido era cantar estes temas com os amigos. E se outro mérito não tivessem, estas catorze canções conseguiram o quase-milagre de reunirem à sua volta uma confraria de amigos que se julgava irrepetível. Quem, senão Jorge Palma, conseguiria dar a «Orlando de Vez em Quando» ou «O Nó da Gravata» o tom de resignada e dolorosa melancolia que as melodias evocam? Quem, a não ser Tim, conseguiria emprestar a energia e a inocência necessária à «Corrente do Jogo»?

As peças encaixaram todas no sítio, uma canção puxou outra. A Palma e Tim juntou-se a voz de Rui Veloso, com os três a cantar a solo ou trocando frases e versos, a duo ou em trio. E não resistiram sequer a chamar um outro amigo, Vitorino, para dar uma ajudinha a enfeitar o «Baile da Biblioteca».

O elenco de apoio também é invejável, reunindo Manuel Paulo Felgueiras (Ala dos Namorados), Alexandre Frazão (Resistência), João Nuno Represas, Ricardo Dias, André Rocha, Nelson Canoa e Luís Cunha, para além do piano de Palma, do baixo de Tim e das guitarras de Gil e Veloso.

O que saíu desta reunião de amigos só podia ser «Cabeças no Ar». Um título que é razoavelmente enganador; porque, lá por ser um disco de amigos, não é um disco feito com a cabeça no ar (muito pelo contrário). E porque só os amigos conseguem fazer justiça às canções dos amigos, aí está o disco para passarmos, também nós, a fazer parte da «seita».

Até porque – já o sabíamos – «no meio dos amigos aprende-se muito mais do que em todos os manuais».

Discografia
Cabeças no ar - 2002

Sites:
Rui Veloso – http://www.ruiveloso.net
Jorge Palma - http://jorgepalma.web.pt
Xutos & Pontapés – http://www.xutos.pt