Nos dias da Festa, o Avanteatro propõe quatro espectáculos certamente do agrado do público, não faltando sequer as marionetas na manhã de domingo para gáudio da pequenada que costuma encher a plateias.

GIC- Teatro das Beiras traz ao Avanteatro a peça de Molière, A Escola dos Maridos, com a encenação de Mário Barradas. A Companhia de Teatro de Sintra leva à cena um texto de Dário Fo, Não há ladrão que não venha, com encenação de João de Melo Alvim e interpretação de Nuno Correia, Penélope Melo, Rogério Jacques, Maria João Fontaínhas, Carla Trindade, Tiago Matias e João Mais.

As "Estórias de D. Roberto", uma produção do Fio D'Azeite de Marionetas/Chão de Oliva, é um espectáculo de fantoches constituído por duas histórias tradicionais: O Barbeiro e A Princesa Encantada- com encenação de João de Melo Alvim.

Quem volta este ano à Festa é o Grupo de Teatro do Pau Preto, criado no âmbito da Associação Regresso das Caravelas, com um novo espectáculo intitulado Alimária, da autoria de Ricardo Godinho Gomes e com encenação de Miguel Hursts. O elenco é formado por Sócrates Napoleão, Júlio Mesquita, Mussã, Ibrhaimo, Dalton Borralho, Felix Fontoura, Zézé Hurst e Miguel Hurst.

 

GIC - Teatro das Beiras
A Escola dos Maridos de Molière

Representada pela primeira vez em 1661, a Escola dos Maridos conheceu de imediato um grande sucesso. A personagem principal, Esganarello, foi interpretada pelo próprio Molière que a concebeu, segundo se pensa, inspirado num episódio recente da sua vida amorosa.

Nesta comédia, ignorando a vontade e as inúmeras advertências de seu irmão Ariste, Esganarello persiste na ideia de se casar com Isabel, uma sua pupila. Só que esta tem uma paixão pelo jovem Valério, que também a ama. Depois de várias peripécias, com alguma astúcia de permeio, mostra-se arrependido e amargurado com a situação em que se encontra: "Infeliz aquele que se fia numa mulher", conclui, "é um sexo feito para enganar todo o mundo".

Curioso é que a peça foi escrita seis meses antes do casamento de Molière com Armande Bejart, 20 anos mais nova do que ele e filha de Madeleine Bejart, que se supõe ter sido sua amante.

Trazida agora ao público da Festa pelo GIC- Teatro das Beiras, este texto marcante na extensa obra do grande Molière abre a programação deste ano do Avanteatro. Com encenação de Mário Barradas, este espectáculo foi estreado em Fevereiro passado no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco e constitui a 45ª produção do Teatro das Beiras.

No elenco estão actores como Alexandre Barata, no papel de Esganarelo, Jorge Alonso, Ariste, Bina Ferreira, Lisette, Eva Lopes, Isabel, Ana Filipa Trindade, Leonor, Rogério Bruno, Valério, Carlos Calvo, Ergasto, Fernando Sena, Comissário, Amável Pires/Nuno Coelho, Notário.

A cenografia é de Susana Machado, os figurinos de José Carlos Faria e a banda sonora foi construída a partir de temas de Tom Waits e das obras Le Bourgeois Gentilhomme e Les Nopces de Village de Jean Baptiste Lully.

A matéria prima do riso

A carreira dramática de Molière foi excepcionalmente fecunda. Ele dominou o teatro cómico do século XVII e como La Fontaine, foi um independente e um eclético: bebeu as ideias do teatro já conhecido, amalgamou-as, inventou. No entanto, os eruditos nem sempre apreciaram os seus sucessos. Criticaram o desfecho de Tartuffe, a falta de unidade de Dom Juan, a ausência de acção de Misanthrope e, um pouco por toda a sua obra, a presença de imbroglios.

Em Molière alia-se o poder da comicidade com a acuidade da sátira dirigida às manias efémeras suscitadas pelas modas tanto quanto ao mais inexpugnável do relacionamento do ser humano. Documento-caricatura da sociedade do seu tempo, expressão da sua moral, a comédia molieresca distingue-se devastando essa essa mora, obsessivamente. "Moliere atingiu o homem-animal como a um insecto e com uma pinça delicada fez saltar os seus reflexos. E o insector-homem, que não é senão um só, sempre o mesmo, sacode a sua magra pata ao mais leve toque: o do egoísmo" (jean Anouilh). Nas melhores obras de Molière esta é a matéria prima do riso.

 

Teatro Pau Preto - fala das contradições da sociedade africana
Alimária

São histórias do dia a dia, num qualquer país da África lusófona, que forneceram a base deste texto de Ricardo Godinho Gomes, que é agora transportado para o palco pelo Grupo Pau Preto, numa encenação de Miguel Hurst.

"Um narrador, a Kykia, inicia-nos na estória. Pouco ou nada fala, sendo o olho que a todos observa. Dele, que se considera o vigia da natureza humana e dos seus mais profundos recantos, virá o cimento moral da peça. É ele quem nos introduz na trama e é ele quem, dela, nos faz sair sem jamais pretender nela participar ou se imiscuir. Um vigia apenas observa, nunca adjectiva; ele conduz-nos à paradimensão - ao subterrâneo - da natureza humana: introduz-nos na dimensão animal do Homem".

O programa desta peça explica ainda que "este projecto serviu-se de uma revolução, e em certa medida da política, como espelho das interacções que regem o tecido social. A política, como um dos expoentes desse tecido e da vida cultural dos povos, mostra-nos perfeitamente o caminho percorrido por estes e o caminho que ainda falta percorrer".

A trama serve-se de três tipos de personagens- os "burgueses", os "revolucionários" e aqueles que não são nem uns nem outros- e das permutas interclasses que entre eles, e ao ritmo da estória, se verificam.

Os "burgueses" simbolizam a ordem destronada; os "revolucionários" a nova ordem; e o 3.º tipo de personagem é personificado por aqueles que se crêem servidores das causas mas infelizmente, servem os homens, os seus defeitos e as suas qualidades.

De todos eles, somente aos últimos é permitido o altruísmo. Pois, dentre os "burgueses", uns servem-se das causas e dos homens e os outros são enterrados com a ordem abatida; dentre os "revolucionários", uns serão servidos pela revolução e pelas causas enquanto estas se servem dos outros, aqueles que tendem a virar símbolos ou "ícones" dessas mesmas revoluções e ditas causas.

No elenco, estão Sócrates Napoleão, Júlio Mesquita, Mussã Ibrhaimo, Dalton Borralho, Felix Fontoura, Zézé Hurst e Miguel Hurst. A cenografia é de Abraão Tavares e o desenho de luz, de César Fortes.

Aproximar comunidades

Na origem da criação do Grupo de Teatro Pau Preto, que está integrado na Associação Regresso das Caravelas, está a necessidade de afirmação de jovens criativos que têm a particularidade de serem africanos ou descendentes de africanos residentes em Portugal e que, através de criações de textos dramatúrgicos, tentam aproximar o público português e o público africano, a uma realidade histórica esquecida e desprezada - a realidade afro-europeia.

Neste sentido, o grupo tem como objectivos levar as suas peças às principais cidades do país e aos países africanos de língua portuguesa, nomeadamente Angola, Cabo Verde, São Tomé, Moçambique e Guiné-Bissau.

Constituíram assim uma equipa que se dedica à investigação e escrita de peças e uma outra orientada para a produção de espectáculos de teatro, dança e Vídeo). A criação de espectáculos

que tenham como matéria-prima a vida quotidiana portuguesa, da qual a comunidade africana é parte integrante, e que, ao mesmo tempo, divulguem a dramaturgia africana está pois nos horizontes deste Grupo se propõe usar o teatro "como mais um veículo de integração, contribuindo para a proximidades destas comunidades à sociedade portuguesa; e pugnar por uma estética que eleve o teatro a um estatuto de transformador social".

 

Fio D'Azeite - Grupo de Marionetas
Estórias de D. Roberto

Nos finais dos anos 50, ainda os fantocheiros populares calcorreavam terras portuguesas por festas e romarias, divertindo o povo de pequenos e grandes que acorria a ver os seus espectáculos. Os pequenos bonecos de madeira e trapos bailavam caprichosamente ao som dos gritos estridentes produzidos pelo fantocheiro e tudo terminava invariavelmente pela tradicional cena de pancadaria, para grande alegria do público.

Hoje, o Teatro D. Roberto é apenas uma imagem feliz da infância de alguns, um traço vivo de uma preciosa herança cultural que se vai esvaindo com os tempos.

Este espectáculo do Fio D'Azeite - Grupo de Marionetas/Chão de Oliva e que constitui a sua sexta produção é constituído por duas histórias tradicionais : "O Barbeiro" e "A Princesa Encantada" e certamente que fará a delícias de miúdos e graúdos na manhã de domingo da Festa.

A recriação do texto, construção de bonecos, figurinos e cenários é de Nuno Correia Pinto; a encenação de Nuno Correia Pinto e João de Melo Alvim; Costureira Filomena Gomes; o desenho de Luz de Nuno Correia Pinto e João de Melo Alvim.

 

 

 

Companhia de Teatro de Sintra
Não há ladrão que não venha por bem

A Companhia de Teatro de Sintra apresenta no Avanteatro a peça de Dario Fo "Não há ladrão que não venha por bem", um texto que o laureado com o Nobel da Literatura publicou em 1950, encenado por João Melo Alvim.

Em apontamentos inéditos, de 1960, Dario Fo revela alguns aspectos do primeiro período da sua vida que, segundo o próprio, explicam as origens da sua obra.

"Tudo começa quando se nasce. No que me diz respeito, eu nasci numa pequena aldeia do Lago Maggiore, na fronteira da Suíça. Uma aldeia de contrabandistas e de pescadores. Dois ofícios que exigem, para além de uma boa dose de coragem, muita, muitíssima fantasia. É sabido que quem usa a imaginação para transgredir a lei, preserva sempre uma parte para seu prazer pessoal e dos amigos mais íntimos. Eis porque, tendo eu crescido neste ambiente, onde cada homem é um personagem, onde cada personagem procura uma história para contar, me foi possível entrar no teatro com uma bagagem de histórias insólitas e, sobretudo, vivas, actuais e verdadeiras; como verdadeiras são as histórias inventadas por homens verdadeiros. Talvez possa parecer um pouco gratuito considerar ser esta a origem de um certo aspecto surreal, fantástico e grotesco que estão na base dos meus trabalhos. Talvez nem tudo tenha nascido lá, mas foi com os homens da minha aldeia que aprendi a olhar e perceber as coisas daquele modo. Quando, muito novo, cheguei à cidade (na Lombardia, por cidade entende-se Milão) não podia deixar de a ver ao modo dos contrabandistas, isto é, classificando tudo em personagens e em coro, em construtores de histórias (autores) e em repetidores (actores). E ainda com o acréscimo de um enorme prazer pelo reconhecimento do grotesco, do excessivo, do ilógico".

Estes são alguns dos traços que estão presentes no espectáculo da Companhia de Teatro de Sintra, que conta com a interpretação dos actores e actrizes Nuno Correia Pinto, Penélope Melo, Rogério Jacques, Maria João Fontainhas, Carla Trindade, Tiago Matias e João Mais.