ESPECTÁCULOS

1. Locais de espectáculo

À semelhança das suas edições anteriores, nomeadamente na Quinta da Atalaia, a edição de 2000 da Festa o "Avante!" (a 24ª), apresenta um conjunto diversificado de locais de espectáculo que correspondem a uma igualmente variada oferta de tipos diferentes de apresentações.
Para além de vários pequenos recintos, salientam-se:

Palco Arraial e outras culturas
O Palco Arraial, que este ano surge com o subtítulo de "outras culturas", com a inclusão no seu programa de música de etnias existentes em Portugal, com principal destaque para as culturas africanas e ciganas. Mas o prato forte deste espaço continua a ser a música popular portuguesa, oriunda de todas as latitudes do nosso país. Passarão pelo Palco Arraial o Rancho Folclórico Camponeses de Montessão, o Grupo de Danças e Cantares de Rio Meão, o Rancho das Taipadas, o Rancho Folclórico Camponeses de S. Francisco, o Rancho Regional Vila de S. Miguel do Souto. Actuarão ainda os Erva de Cheiro, o Grupo Novo Rumo, o Grupo de Danças de Salão dos Leões de Cajados, o Rancho Folclórico de Melhoramentos de Faifa, o Grupo Batuko Rais de Cabo Verde, Batuta Branca Funaná e Barabari.

Palco Setúbal/ Novos Valores
O Palco Novos Valores funciona este ano "a meias" com o Palco de Setúbal. No mesmo espaço, cumprem objectivos diferentes: um reflecte a música da região de Setúbal e pretende animar o espaço desta organização regional do Partido, o outro visa difundir o que de melhor se faz na nova música portuguesa. Assim, na programação do Palco de Setúbal constarão nomes como Lena Guerra e Cláudia, Jorge Lomba, Orquestra Ligeira do Feijó, Arco Íris e Catarina Pazes. No Palco Novos Valores actuarão os Supertrix (jovens emigrantes em Londres), os Pent Up do Barreiro e os IRS da Amadora. De Lisboa chegarão os Austin e de Loures os Dolly

Café-Concerto de Lisboa
O Café-Concerto de Lisboa apresentará como habitualmente espectáculos adequados ao figurino de espectáculo que a sua própria designação indica. Saliente-se a presença do Trio de Filipe Melo, os espectáculos Canto de Intervenção, os blues de Mojo Hand, etc.

Palco Juventude
Situado no Espaço da JCP, o Palco "Juventude" reflectirá, à semelhança do que tem sucedido, uma série de iniciativas realizadas por todo o país que contaram com a participação de dezenas de bandas e que envolveram muitos milhares de jovens: 13 bandas vencedoras dos festivais da canção juvenil realizados do Minho ao Algarve e com outras duas, seleccionadas de entre as maquetes enviadas.

Palco "25 de Abril"
Com os seus 22 metros de boca de cena e 17 de profundidade, o palco principal da Festa do "Avante!" continua a ser a maior estrutura cénica fixa ao ar livre existente em Portugal. Prevê-se a instalação de um PA Synco Touring System de 80kW de potência e cerca de 550 kW de luz PAR 64 (1000W, ACL e floor), além de robots, Molefay, 3 follow spots 2000W Xenon, etc. Sublinhe-se que os sistemas de controlo frontal dispõem este ano do maior número de vias até hoje instalado (mais de 130 vias);

Auditório "1º de Maio"
O Auditório "1º de Maio", cuja deslocação em 1998 para a zona riberinha se revelou inteiramente acertada, rodeando-o de condições que em muito beneficiaram a sua qualidade como local para espectáculos acústicos e exigindo maior isolamento sonoro ficará instalado, à semelhança do anterior, numa vasta tenda, o Auditório contará este ano com um novo palco, um PA de 15 kW de elevada qualidade e 150 kW de iluminação adequada às características do recinto;

Animação de rua
De referir ainda que, além dos espectáculos propriamente de palco, a Festa conta de forma crescente com apresentações de animação de rua na qual é de salientar a presença no Domingo, 3 de Setembro de mais de 20 coros alentejanos, pregões de Lisboa e a presença do grupo de percussões Tocá Rufar dirigido por Rui Júnior.

2. Espectáculos e Artistas

Como igualmente tem sido traço identificador da Festa do "Avante!", o programa de 2000 inclui uma larga diversidade de oferta que abrange praticamente todas as expressões musicais, da música erudita a música de vanguarda, da música tradicional portuguesa ao rock. Embora o programa não esteja completamente encerrado, referem-se os traços principais já em fase de concretização.

Como se refere seguidamente, uma atenção particular foi dada a duas efemérides musicais celebradas neste ano: os 250 anos da música de Johann Sebastian Bach e o centenário do nascimento de Louis Armstrong.

2.1. Programação de sexta-feira

2.1.1. "À Volta de Bach"

Numa iniciativa aliás pioneira em realizações deste tipo, a Festa do "Avante!" apresenta desde há cinco anos espectáculos de música erudita. Contando, à semelhança do ano passado, com a participação da Orquestra Filarmonia das Beiras, sediada em Aveiro, o programa de 2000 acordado com aquela instituição baseia-se essencialmente em reportório barroco escolhido no quadro da celebração dos 250 anos de música de Johann Sebastian Bach (1685-1750).

É conhecido que a obra do grande mestre do barroco europeu foi continuada por seus filhos, bem como que o barroco conheceu particular expressão em Portugal nos séculos XVII e XVIII.

Nestas circunstâncias, a Filarmonia das Beiras apresentará um programa "À Volta de Bach" que incluirá o Concerto para Violino e Oboé e a Suíte nº 1 em Dó Maior a que se acrescentará a Sinfonia nº 2 opus 1 em Dó Maior de Johann Christian Bach (1735-1782), o mais novo dos filhos do compositor e o Concerto para Cravo e Orquestra de Cordas do grande compositor português Carlos Seixas (1704-1742).

Quanto à Filarmonia das Beiras, refira-se que a sua primeira temporada começou em Dezembro de 1997 e, desde então, tem mantido actividade permanente, com a terceira temporada a abrir, no ano passado, no Auditório "1º de Maio" da Festa.

Sediada em Aveiro, a Orquestra Filarmonia das Beiras conseguiu ultrapassar o espaço geográfico onde se implantou, para percorrer o País num esforço que deve ser considerado em duas vertentes: por um lado, a divulgação da música clássica no País, com a particularidade de se encontrar fora das duas principais cidades, num significativo trabalho de descentralização cultural; por outro, a formação de novos músicos.

Tendo em conta esta orientação, a orquestra conta com elementos ainda bastante jovens, constituindo um elemento de dinamização e renovação do universo dos músicos profissionais em Portugal, especialmente numa área em que a formação é intensa e marcada por elevados padrões de exigência. Paralelamente, a Filarmonia tem vindo a desenvolver relações com escolas de música da região de Aveiro, permitindo aos alunos o trabalho e apresentação em público com a orquestra, o mesmo se passando em relação a grupos corais.

A Filarmonia das Beiras tem também convidado solistas estrangeiros e de renome para participarem em alguns dos concertos, o que cria oportunidades para uma importante troca de experiências.

2.1.2. Homenagem a Louis "Satchmo" Armstrong

2.1.2.1. Big band de músicos portugueses

Embora rodeado de alguma polémica (a data rigorosamente certa do nascimento do grande trompetista não é conhecida), celebra-se este ano o centenário de uma das maiores figuras da música popular contemporânea e uma referência essencial do jazz, Louis Armstrong.

O corrente ano tem sido preenchido nos Estados Unidos com inúmeras iniciativas (concertos, conferências, edições) e a efémeride teve também já algumas expressões entre nós.

À semelhança do ocorrido noutras edições e tendo nomeadamente em conta o desenvolvimento do jazz em Portugal (contando-se hoje vários nomes de intérpretes portugueses com projecção mundial), a Festa do "Avante!" tomou a iniciativa de encomendar e promover junto de músicos portugueses a produção de um espectáculo especial dedicado a Armstrong a ser apresentado no Palco "25 de Abril" na noite de Sexta-feira, 1 de Setembro.

Este espectáculo será dirigido pelo trompetista Laurent Filipe e inclui dezassete músicos, entre os quais se contam os trompetistas Tomás Pimentel e Carlos Moreira e a cantora Ana Paula Oliveira.

A homenagem conta ainda com a participação do consagrado grupo Dixie Gang que, além da sua participação no espectáculo em palco, realizará, em colaboração com um grupo de dança sob a direcção de Michel, um desfile pelo recinto da Festa nos moldes das tradicionais marchas de New Orleans.

2.1.2.2. Kermitt Ruffins e os Barbecue Swingers

A segunda parte do espectáculo do Palco "25 de Abril" dedicado a Louis Armstrong será preenchida com o trompetista de New Orleans Kermitt Ruffins e o seu grupo Barbecue Swingers, unanimemente considerado pela crítica especializada norte-americana como o maior expoente actual do estilo de trompete New Orleans e vocalização para sempre associado a "Satchmo".

Como se poderá verificar através da vasta informação existente na NET, Kermitt Ruffins tem este ano sido dos mais solicitados intérpretes norte-americanos, exactamente no quadro da vasta programação em torno do centenário de Armstrong. Uma digressão europeia que esteve prevista para o mês de Agosto acabou aliás por ser cancelada, mantendo-se exclusivamente a vinda do grupo à Festa do "Avante!".

2.2. Música popular portuguesa

2.2.1. 25 anos da Brigada Victor Jara

A Festa dedicou igualmente uma atenção particular aos 25 anos de trabalho de um dos mais relevantes grupos de música popular portuguesa, a Brigada Victor Jara.

Presença nos palcos da Festa desde a sua criação, a Brigada foi convidada para apresentar este ano um espectáculo especial no Palco "25 de Abril".

Nestas circunstâncias, o grupo de Coimbra estará presente com todos os seus elementos e com as vozes de Minela, Catarina e do cantor açoriano Zeca Medeiros, as percussões de André Sousa Machado, as guitarras de António Pinho, o grupo de gaiteiros galegos Os Gaiteiros de Millidh, o grupo de danças e cantares do GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra) e ainda um sexteto de metais dirigido pelo trompetista Tomás Pimentel.

2.2.2. Músicas de Sol e Lua

Vários nomes consagrados da música popular portuguesa reuniram-se para dar vida a um espectáculo que escolheu o Palco "25 de Abril" da Festa do "Avante!" para se apresentar ao público português no que é praticamente uma estreia: Sérgio Godinho, Vitorino, Filipa Pais, Janita Salomé e Rão Kyao são os intérpretes, acompanhados por instrumentistas, que garantem a qualidade do projecto que baptizaram Músicas de Sol e Lua.

Apresentado pela primeira vez a 11 de Julho do ano passado, em Bona, no Festival da Lusofonia, este espectáculo junta diversos artistas na recriação, a duas ou três vozes, de temas que são referências incontornáveis da música portuguesa.

Músicas de Sol e Lua reflectem aliás uma estimulante tendência da música popular portuguesa, reveladora simultaneamente de uma evidente maturidade assente numa produção regular ao longo de praticamente três décadas e de uma capacidade de diálogo e multi-influências dos seus criadores mais destacados. Os palcos da Festa do "Avante!" têm sido um local privilegiado para a apresentação não apenas dos trabalhos individuais dos mais destacados músicos nacionais, mas também um excelente enquadramento para concretização de projectos colectivos, experiências e passos em frente que ali encontram um dos mais estimulantes e interessados públicos do País.

2.2.3. Maria João e Mário Laginha

Pouco tempo depois de editarem "Lobos, Raposas e Coiotes", gravado com a Orquestra Radio Filarmónica de Hanover, Maria João e Mário Laginha voltam com Chorinho Feliz, um disco feito a pedido pela comissão dos Descobrimentos Portugueses destinado a assinalar a descoberta das Terras de Vera Cruz por Pedro Álvares Cabral, há 500 anos.

Mario Laginha e Maria João sempre demonstraram o seu gosto pela música brasileira, várias vezes presente nos seus trabalhos, sendo este Chorinho Feliz um trabalho que exigiu uma dedicação plena aos ambientes do Brasil, tendo sido gravado em Fevereiro em solo brasileiro com as participações de grandes músicos do país irmão, nomeadamente Toninho Horta (violão) e Toninho Ferragutti (acordeão), já sem falar das participações especiais de Gilberto Gil (em dois temas) e Lenine, um surpreendente músico nordestino da nova geração que há poucas semanas se apresentou no Barreiro.

Mário Laginha e Maria João iniciarão na Festa do "Avante!" deste ano uma digressão portuguesa do Chorinho Feliz acompanhados por músicos brasileiros que participaram na gravação original.

Os visitantes da Festa terão assim oportunidade de ouvir pela primeira vez ao vivo os sambas, forrós e chorinhos - uma "colecção de aguarelas", como tiveram oportunidade de definir os próprios músicos e solos instrumentais de grande nível, como acontece nos temas "O Chão da Terra", "A Lua Partida ao Meio", "Um Choro Feliz" ou "Forró da Rosinha".

2.2.4. Vitorino e o Septeto Habanero

A última produção de Vitorino - cantor e autor que não precisa de apresentações -, a gravação do disco com o Septeto Habanero, transformou-se rapidamente num dos maiores e mais curiosos casos de sucesso dos últimos tempos da música portuguesa.

Como se sabe, o projecto resultou do encontro durante a EXPO 98 entre o cantor do Redondo e uma das mais míticas formações da música popular de La Habana. Ali mesmo se agendou uma gravação conjunta, verificada que foi a paixão de Vitorino pela tradição afro-cubana (nascida há muito no seu Alentejo natal via influências vindas de Espanha) e o reconhecimento das suas qualidades de crooner pelos músicos cubanos do Septeto.

O registo surgiu num excelente momento de interesse pelos ritmos caribenhos em geral e cubanos em particular animado pelo êxito do filme de Wim Wenders "Buena Vista Social Club" - e foi o sucesso.

Depois de uma rápida subida nas escalas de vendas, os boleros de Vitorino e do Septeto Habanero passaram a uma digressão em Portugal que terá o seu encerramento na Quinta da Atalaia, onde opúblico da Festa terá oportunidade de desejar mais sucessos a um povo que, entre outras coisas, deu ao mundo alguma da melhor música popular que hoje preenche o nosso universo sonoro.

2.2.5. Francisco Ceia canta José Régio

Com uma carreira que remonta a 1976 quando se estreou como actor profissional no CENDREV de Évora, Francisco Ceia tem mantido uma presença constante como cantor e compositor na esteira dos intérpretes que tanto contribuíram para o desenvolvimento da música popular portuguesa nas décadas de 70 e 80.

Francisco Ceia, surge este ano nos palcos da Atalaia com uma proposta inteiramente nova, original e de inquestionável interesse: em colaboração com o maestro José Marinho, o cantor organizou um espectáculo - baseado no essencial no seu último CD Caderno de Afectos - inteiramente dedicado à poesia de José Régio, musicada com o suporte da Orquestra do Íntimo Toque, uma formação de 16 elementos com o perfil de uma orquestra de câmara.

O poeta José Régio - pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira - nasceu em Vila do Conde em 1901, ali falecendo em 1969. Licenciado em Filologia Românica, exerceu a profissão de professor do Liceu durante toda a sua vida. Um dos fundadores da revista Presença, é considerado dos mais importantes poetas, escritores e dramaturgos da literatura portuguesa do século XX, com destaque para a produção poética com, como escreve Óscar Lopes, "acentos de serenidade lírica com uma extrema simplicidade de meios". "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) é talvez o livro mais conhecido do autor, salientando-se ainda "Fado" (1941), "Mas Deus é Grande" (1945) e "Filho do Homem" (1961)

2.3. Rock e pop

2.3.1. Despe & Siga

Uma das bandas mais populares da cena rock-pop portuguesa, os Despe & Siga conseguiram ao longo de uma carreira já medida em aos manter uma sonoridade muito própria e, sobretudo, uma cáustica e divertida presença cénica que constitui uma das suas imagens de marca. João Cardoso, Sérgio Nascimento, Nuno Rafael, João San-Payo e Luís Varatojo mantêm uma legião de fans fiel, mas são seguramente das bandas portuguesas com uma mais ampla penetração em diversos públicos.

2.3.2. Lúcia Moniz

Lúcia Moniz foi sem dúvida a revelação da pop portuguesa na época 1999-2000, vendo o seu primeiro trabalho discográfico - Magnólia - saltar rapidamente para o topo das tabelas de vendas.

Magnólia viria a ter na carreira da jovem intérprete uma influência que ultrapassa a popularidade conquistada com o CD pelo facto de o produtor da gravação (realizada no estúdio Seaside-Rendez Vous, em Boston/EUA) ter a estado a cargo de Nuno Bettencourt, o músico português que se celebrizou no mercado norte-americano à frente da banda Extreme. A experiência de Bettencourt e o seu reconhecido virtuosismo como guitarrista exerceram uma influência profunda na música de Lúcia de forma que se passou a reflectir também nas actuações ao vivo: uma sonoridade mais encorpada e sólida, uma batida mais estimulante e viva, tudo sem perda da frescura e das qualidades melódicas da voz da jovem intérprete, nem da novidade que trouxe também no seu trabalho de compositora.

2.4. Música africana

2.4.1. Tito Paris, Filipe Mukenga e Djamanca

A música africana marca mais uma vez presença na Festa do "Avante!", desta vez com três nomes: Tito Paris (Cabo Verde), Filipe Mukenga, (Angola) e Djamanca (Guiné-Bissau).

Tito Paris é um músico que praticamente dispensa qualquer tipo de apresentação, tanto mais que é já tocou uma presença regular da Festa. A sua carreira tem vindo a tornar-se cada vez mais consistente e o êxito ultrapassa os territórios português e cabo-verdiano, para se expandir a países como França, Holanda e Estados Unidos. Um fenómeno que se explica em grande medida pela qualidade do trabalho que Tito tem conseguido desenvolver e pela presença, nesses países, de importantes comunidades naturais de Cabo Verde. De referir a recente tournée realizada nos Estados Unidos, com êxitos conquistados face a audiências tão conhecedoras e exigentes como as do Jazzfest de New Orleans ou concertos em Nova York.

O seu som electrizante e os ritmos que sabem também ser envolventes vão, de novo, animar o Palco "25 de Abril" que o músico conhece tão bem. Nascido no Mindelo, terra que tem feito nascer outras figuras de valor da música cabo-verdiana, como Cesária Évora, Tito Paris é um dos nomes cimeiros na arte de tocar a 'morna', a 'coladera' ou o 'funaná' numa criativa aproximação ao 'funk' e a outros ritmos mais internacionais.

Filipe Mukenga iniciou a sua actividade musical durante os anos 60 e foi na área pop que fez a sua primeira incursão, tendo integrado várias bandas que actuavam em Angola. Já na década seguinte, em 1973, decidiu mudar o rumo do seu trabalho e aproximar-se das raízes musicais angolanas, para desenvolver a partir daí novas propostas.

O trabalho de recolha de canções tradicionais e a utilização de ritmos como o 'semba', o 'katebula' ou o 'kilapanda', sem esquecer alguns dos elementos do 'jazz', deu um impulso a Filipe Mukenga que o levou à internacionalização. Hoje, além de ouvido em África, particularmente em Angola e Moçambique, Mukenga é escutado também no Brasil e em vários países europeus, sobretudo em Portugal e França, onde as suas obras têm sido editadas.

Djamanca é outro dos convidados desta Festa. Começou a cantar aos nove anos, notável precocidade explicada pelo facto de ser descendente de uma família de músicos. De início acompanhava o pai em festas na Guiné-Bissau e mais tarde foi ao lado do tio que prosseguiu a actividade, passando também a compor a suas próprias músicas. Tem, desde então, vindo a procurar novos rumos para a musica tradicional do seu país, que ajuda a divulgar pelo mundo.

2.5. Música de vanguarda

2.5.1. Telectu

O duo Telectu, constituído por Jorge Lima Barreto e Vítor Rua constitui uma referência obrigatória da música de vanguarda em Portugal, mas as suas apresentações na Festa do "Avante!" desde sempre tiveram o particular interesse de se fazerem acompanhar por convidados estrangeiros de diversas áreas musicais, correspondendo ao interesse de uma faixa significativa de público que não encontra grande oferta na programação convencional da cena lisboeta.

Os Telectu apresentam-se este ano na Atalaia acompanhados por dois intérpretes bem diferentes: um nome de créditos firmados desde o período áureo do free jazz, o trombonista britânico Paul Rutherford e a percussionista japonesa Ikue Mori.

Rutherford possui uma carreira iniciada em formações de jazz como a Mike Westbrook Orchestra, mas foi em formações famosas do jazz de vanguarda como a London Jazz Composers Orchestra e a multinacional Globe Orchestra que o seu estilo próprio0 se destacou, fazendop dele uma referência do jazz europeu, nomeadamente na área dos trombonistas, ao lado de nomes como Albert Mangelsdorf e Gunther Christian.

Ikue Mori transformou-se numa figura de culto da cena rock de Nova York quando, em 1977, se mudou da sua Tóquio natal para a capital americana, integrando como percussionista a New York No Wave Band de Arto Lindsay e Tim Wright.

Percursora da utilização de máquinas de ritmos electrónicas, Mori tem igualmente desenvolvido intensa actividade em colaboração com realizadoras cinematográficos e videográficos de que resultou um vasto número de trabalhos premiados em certames ligados à arte digital.

2.6. Fado

2.6.1. Mafalda Arnauth

Desde que, em Setembro de 1976, as portas da então FIL, na Junqueira, se abriram para a primeira Festa do "Avante!", o Fado teve presença garantida na sua programação. Nessas noites de há 25 anos, passaram pelo "Restaurante do Fado" alguns dos principais nomes da cena fadista de então.

Do "Restaurante do Fado" aos diversos palcos, o Fado manteve a sua presença, vindo mesmo nos últimos anos - acompanhando uma evidente renovação na sua produçlão e a criação de novos públicos - a constituir um elemento de clara valorização do programa de espectáculos na Atalaia.

Um ano apenas após o lançamento do seu primeiro CD, Contra Ventos e Marés, com produção do ex-Trovante e actual Ala dos Namorados João Gil, o disco revelou o artista simultaneamente madura, mas com um estilo inovador servido por uma voz de particular frescura e expressividade.

2.6.2. O Julgamento do Chico do Cachené

O programa de Fados da Festa inclui igualmente a apresentação de um dos episódios lendários do imaginário fadista lisboeta, a reconstituição do "auto poético-fadista" de João Linhares Barbosa, O Julgamento do Chico do Cachené.

Apresentado pela primeira vez em 28 de Julho de 1945 na Adega Machado, o "auto" é um divertido espectáculo estruturado como o "julgamento" de uma figura de fadista executada pelo artista Tom e que pontificava numa peanha daquela casa típica. Dado como "madraço" e "vivvendo à custa de mulheres", o "Chico" viu-se apresentado a um "tribunal" onde todos - "juíz", "advogados", "testemunhas" de defesa e acusação - eram fadistas da época e que interpretaram as respectivas "peças jurídicas" em fados de Linhares.

O Julgamento do Chico do Cachené foi repetido em 1948 no Café Luso e, graças ao trabalho de José Manuel Osório com a colaboração de Francisco Mendes e Julieta de Castro, reconstituído e apresentado em Fevereiro deste ano em vários espectáculos incluídos no I Festival das Músicas e dos Portos, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Associação de turismo de Lisboa. Nele participam os fadistas Maria Amélia Proença, julieta Estrela, Alice Pimentel, António Rocha, Helder Moutinho, Filipe Duarte e Daniel Gouveia acompanhados por Carlos Fontes, João Chitas, Luís Costa e Pedro Morato.

2.7. Artistas estrangeiros

2.7.1. Cheb Mami (Argélia)

Cheb Mami é um nome que para a grande maioria dos portugueses se revelou no último sucesso de Sting, 'Desert Rose'. É dele, a voz árabe que surge ao lado do ex-'Police' e que o público português escutou no concerto do Estádio Nacional e também no programa de Herman José na SIC. No entanto, há uma carreira anterior a este 'hit' e que fez dele um artista de sucesso, particularmente em França, onde gravou já quatro discos, apesar de Cheb Mami cantar fundamentalmente em árabe.

O último album de Mami intitula-se 'Meli, Meli' e chegou a disco de platina no mercado francês, tal como os singles extraídos dos 13 temas que o compõem.

Um sucesso comercial que não traduz falta de empenhamento político. Cheb Mami, natural de Saída, no Sudoeste da Argélia, faz questão de incluir nas letras das canções a sua preocupação quanto aos graves problemas sociais e políticos que agitam a Argélia, de onde teve de partir para se refugiar em França.

Esta intervenção é, de resto, comum a grande parte das principais figuras do 'rai', estilo musical argelino de que Cheb Mami é um dos principais intérpretes. O apelo a uma maior consciência social e política da população por parte destes artistas têm levado sectores ligados ao fundamentalismo islâmico a condenarem o seu trabalho, obrigando outros criadores a, tal como Cheb, serem forçados a procurar os caminhos do exílio que, contudo, não os afasta de um público fiel nos seus próprios países. O 'rai', que hoje funde estilos árabes e ocidentais, tendo adoptado elementos do 'funk', do 'rock' e até do 'reggae', encontra as suas raízes populares em exibições nos mercados, onde os artistas interpretavam as suas canções para as classes mais pobres, abordando problemas que lhes eram comuns. Não é por acaso que o 'rai' é frequentemente considerado o 'blues' do Norte de África.

Paralelamente, as preocupações formais de Cheb Mami são também evidentes e manifestam-se na busca incessante de novos sons e contributos, o que levou a que fosse criticado por alguns dos puristas, incomodados com o facto de Rai ter ido buscar influências a ritmos como os do 'rap', hoje em dia uma expressão musical de particular vitalidade entre a numerosa colónia magrebina de França, nomeadamente entre as gerações mais jovens.

Todavia, aquilo que para alguns pode ser considerado sacrilégio, para outros pode ser um sinal de amadurecimento e de confiança suficiente para partir em busca de outras soluções. Terá sido com esse objectivo em vista que Cheb Mami recorreu aos serviços de Gordon Cyrus (que trabalhou com Neneh Cherry e os 'Massive Attack') e de Simon Law (que colaborou com os 'Soul II Soul') para o remix do seu tema de capa, 'Meli, Meli'.

2.7.2. Teca Calazans (Brasil)

A música do Brasil tem sido uma presença constante na Festa do "Avante!". Este ano, a artista brasileira convidada para subir ao Palco 25 de Abril é Teca Calazans, um nome que construiu uma carreira importante, merecedora de atenção (e elogios) tanto no seu país de origem, como em França, onde vive actualmente e onde desenvolve intensa actividade não só como cantora e autora, mas também na divulgação dos novos valores brasileiros.

Nascida no Recife, foi aí que Teca iniciou a sua carreira, como cantora e actriz, partindo em 1968 para o Rio de Janeiro, onde esteve até 1970. Nesse ano, à semelhança de muitos outros artistas brasileiros perseguidos pela censura, rumou a França, onde passou uma década que não a fez esquecer a cultura do seu país, antes pelo contrário. Os cinco discos gravados por ela e Ricardo Vilas - com quem formou o duo 'Teca & Ricardo' - e os espectáculos em que ambos participaram contribuíram para um melhor conhecimento da música brasileira por parte do público francês o qual, por sua vez, soube reconhecer o valor desta dupla.

Em 1980, Teca Calazans regressa ao Brasil e o dueto dissolve-se, mas os dez anos passados deste lado do Atlântico transformaram-se num reconhecimento da cantora no seu próprio País, tendo numerosas das suas composições sido adoptadas por intérpretes como Milton Nascimento, Gal Costa e Nara Leão. Várias vezes as portas dos estúdios se abriram para que Teca gravasse novos discos, mantendo uma ligação profunda aos mais tradicionais dos músicos populares do Rio de Janeiro, desempenhando importante papel na recuperação de temas de figuras lendárias como Pixinguinha, acompanhado por relevante intervenção no campo musicológico, com destaque para uma particular atenção ao trabalho de Mário de Andrade.

Teca Calazans divide hoje o seu trabalho entre o Brasil e Paris onde a suapresença se tornou ainda mais relevante na divulgação da música brasileira após o regresso ao lar dos numerosos compositores e intérpretes num Brasil libertado da "ditadura dos generais".acaba por regressar a França ainda antes de a década de 80 chegar ao fim. Exemplo desta preocupação é o lançamento, no mercado francês, de uma colecção de discos que se destina a divulgar os principais talentos da nova geração de músicos brasileiros.

2.7.3. Hechos Contra el Decoro e Eskorzo

Eskorzo é uma das duas bandas espanholas que se apresentam este ano na Festa do "Avante!". Para quem não os conhece, eles mesmos se encarregam de fazer as apresentações, classificando-se como "amigos da salsa, irmãos do reggae e do flamenco, compadres do rock e dos ritmos latinos".

Com uma formação que, para além das vozes, conta com guitarra, baixo, flauta, percussão, bateria e saxofone, este septeto começou a actividade há quatro anos, em Granada, com uma palavra de ordem: "Que siga la lucha, hermano", um apelo que surge na boca de quem considera que a música, além de ser festa, também pode e deve assumida como uma tomada de posição. Para eles, trata-se de lutar contra a injustiça e defender a relação fraternal entre povos e pessoas de diferentes origens. O título "Rock de Liberdad", da primeira maqueta que gravaram e que serviu como apresentação do grupo, era um sinal desse sentimento e necessidade de afirmação.

Apesar do trabalho de estúdio que levou posteriormente à edição de dois CD, o terreno em que a banda melhor se move é o palco. Prova disso é a sua agenda extremamente preenchida, especialmente durante o Verão, período em que se multiplicam as suas actuações, nomeadamente em alguns dos principais festivais da vizinha Espanha.

Graças à intensa rodagem, os Eskorzo já ultrapassaram largamente o público mais fiel da sua Andaluzia natal, para se terem transformado num dos mais conhecidos grupos que gravitam em torno do movimento desencadeado pela editora independente basca Gora Herriak.

Os Hechos Contra el Decoro, que já se cruzaram com os Eskorzo noutras ocasiões, nomeadamente no festival Esparrago'99, em Jerez de la Frontera, são outra banda espanhola que vamos ter oportunidade de ver e ouvir na Festa do "Avante!".

Constituída hoje por nove elementos, a partir de uma formação inicial de apenas quatro, a banda fez-se notar a partir de Março de 1997, quando foi editado o seu primeiro disco: "Rabbiamuffin" que anunciava já a grande versatilidade do grupo, assumindo influências que vão do 'rap' ao 'ska'.

Também esta banda, de origem essencialmente madrilena, faz da sua mensagem e atitude um ponto de honra. Os Hechos Contra el Decoro consideram fundamental que a opinião das pessoas não fique apenas pelas palavras, os actos são indispensáveis. Por isso, afirmam não fazer sentido terem como editora uma empresa que vendeu armas aos "contras" nicaraguenses, ou assinar um contrato com uma grande multinacional e reduzir a atitude contestatária a gritar de vez em quando "Viva Chiapas!". Coerentemente com o que dizem, optaram por manter-se com a Esan Ozenki, outra das discográficas independente espanholas.

Por se declararem também contra o 'pensamento único', fazem uma música com várias influências. Para isso contribui o facto de serem originários de vários locais, fundamentalmente da região de Madrid, mas assumirem influências musicais - e a participação nas gravações de músicos - tão diversificadas quanto a Argentina ou Itália. Uma diversidade de influências que se reflectem na música produzida e no espectáculo que vamos ter oportunidade de ver em palco.

2.7.4. John Fromer, Francisco Herrera, Steve Jones e Rebel Voices (EUA)

O cantor americano Jon Fromer foi, na edição de 1999 da Festa do "Avante!", uma surpresa para os espectadores. Na sua capacidade de comunicação, na incomparável beleza e sensibilidade das suas canções, Fromer veio revelar que se mantêm vivos os traços essenciais que fizeram da música folk norte-americana não apenas uma sedutora realidade musical, mas também um apaixonante e persistente elemento de luta e intervenção política e social.

Mas se Jon Fromer foi uma surpresa para a Festa, a Festa foi também uma surpresa para Jon Fromer! Não é todos os dias que um cantor norte-americano, militante de todas lutas de guitarra às costas, encontra o ambiente fraterno, solidário e revolucionário da Quinta da Atalaia.

O resultado passou por Seattle e pelas manifestações contra a conferência da Organização Internacional de Comércio (WTO) que mobilizaram em Novembro do ano passado milhares de manifestantes numa histórica jornada de massas contra o capital.

Entre as muitas organizações que promoveram as manifestações de Seattle conta-se a Freedom Song Network, uma associação de cantores e compositores de todos os Estados Unidos que, na esteira de outras estruturas históricas como os Almanac Singers de Woody Guthrie ou a People's Songs Inc. de Guthrie e Seeger, assegura a presença de músicos em jornadas de luta, espectáculos de solidariedade, acções dos movimentos sindical e direitos cívicos, etc.

Foi no seguimento de Seattle que Fromer resolveu promover uma verdadeira "embaixada" de músicos da Freedom Song Network a uma Festa que a todos descreveu como uma inesquecível e entusiasmante experiência!

E assim, pelos diversos palcos da Festa, tal como o ano passado sucedeu com Fromer, passará a "embaixada" que, num espectáculo conjunto, se apresentará também no Auditório "1º da Maio": Jon Fromer, este ano acompanhado pelo pianista de Washington Steve Jones, um homem do jazz, dos blues e do teatro; Francisco Herrera, um cantor hispano-americano de origem mexicana, activista de todas as jornadas de solidariedade com a América Latina e com os emigrantes, nomeadamente mexicanos, cujo reportório percorre desde a música de Guthrie até Sylvio Rodriguez e Vitor Jara; e, finalmente, o duo de Seattle constituído por Susan Lewis e Janet Stecher, as Rebel Voices, um nome retirado da famosa antologia de canções operárias do movimento sindical IWW, de onde sairia a maioria dos militantes operários que deram origem ao Partido Comunista dos EUA.