Assistência médica em Portugal / emigrantes portugueses que trabalharam na Suíça
(sessão de perguntas ao Governo)
Intervenção de Luísa Mesquita
18 de Fevereiro de 2004

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

A imagem feminina nos manuais escolares, objecto da nossa discussão constitui só mais um exemplo, a aditar a muitos outros, onde continua a manifestar-se a discriminação de que são alvo as mulheres.

A gravidade desta prática ocorrer, no entanto, em textos educativos, é quase provocatória. A cidadania está ausente na voz dos Manuais Escolares.

Permite-se que a escola, através de diversos meios pedagógicos, nomeadamente de um instrumento tão importante como é o Manual Escolar, constitua um espaço de frequente agressão ao princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente.

Há variadíssimas investigações sobre esta matéria, denunciadoras de práticas que reproduzem visões conservadoras e sexistas, mas muito pouco se tem feito para impedir que o processo de ensino - aprendizagem das crianças e dos jovens não permaneça sujeito destas representações discriminatórias de homens e mulheres.

É no mínimo absurdo, que prevaleça ainda em textos que pretendem ser formativos e informativos, o género feminino associado ao espaço privado, limitado às funções da maternidade e dos afazeres domésticos, cujas preocupações se limitem ao suposto bem-estar da célula familiar, na versão mais retrógrada do «filme».

Enquanto o género masculino, ocupante privilegiado do espaço público, emerge como o detentor do conhecimento e por isso o mentor do grupo. Mas se o território oferecido à aprendizagem for a casa, o mais provável é que a criança ou o jovem identifique a personagem como o leitor do jornal ou o interessado consumidor da televisão.

A verdade é que estes estereótipos, pela rigidez e quase imutabilidade com que reproduzem imagens mentais padronizadas e redutoras do real, perpetuam representações desfasadas, anacrónicas temporal e socialmente e inviabilizam a reflexão, o estudo e a avaliação do contemporâneo, onde apesar de tudo, o combate à discriminação e a luta pela igualdade têm tido alguns resultados positivos.

A escola é um espaço de socialização e como tal deveria assumir-se como promotora da igualdade do ser, porque esse objectivo é determinante na concretização das estratégias para a igualdade de oportunidades e sucesso escolares.

Contudo, a escola ao adoptar alguns manuais escolares, não só não cumpre a sua missão como privilegia, nas questões do género, determinado grupo em detrimento de outro.

Todos sabemos que a História oficial dos Estados não é a História dos Povos.

Essa, a verdadeira História, temos que a procurar na ficção dos escritores.

Blimunda ou o seu companheiro Baltazar Sete-Sóis não são personagens da história oficial, só tiveram voz, espaço e tempo no texto ficcional do Memorial do Convento.

Mas, mesmo sabendo-se isso, é inadmissível que nos manuais de História nacional ou universal, a história e/ou as histórias de mulheres não existam como determinantes também na construção do quotidiano, ou que, por exemplo, nos manuais de Geografia, as questões da população sejam quase sempre avaliadas na perspectiva masculina e, por omissão, se esqueça a feminina, tão-só a maior população do planeta.

Um dos livros de Geografia adoptado no sistema educativo esclarecia a este propósito que “mais de metade dos homens são mulheres. Se não fosse verdade, seria anedótico.

Os preconceitos e os conteúdos simbólicos resultam de um trabalho ideológico milenar em defesa do poder e do domínio.

É por isso também que estas matérias de que hoje falamos continuam a provocar sorrisos em mentes atávicas, patrocinadoras da tese de que a diferença biológica entre sexos, implica naturalmente diferentes funções sociais e diversas apetências. E se não vejamos os recentes paladinos das quotas em medicina, jamais preocupados com as quotas no sistema educativo, no sector de enfermagem ou nas tarefas domésticas.

De facto, o projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», que retoma o texto já aprovado, nesta casa, por unanimidade, em 18 de Março de 1993, na generalidade, demonstra a ausência de vontade política, ao longo destas duas décadas, para operacionalizar um diploma de facílima execução.

A mesma ausência de vontade política que ignora o conteúdo do diploma que esta iniciativa pretende alterar, o Decreto-Lei n.º 369/90, de 26 de Novembro, que determina que o Ministério da Educação deve assegurar a qualidade científica e pedagógica dos manuais escolares a adoptar para cada nível de ensino e disciplina ou a área disciplinar, através de um sistema de apreciação e controlo.

E que de acordo com o mesmo diploma, a tutela deverá constituir Comissões científico-pedagógicas para apreciação da qualidade dos manuais escolares, prevendo-se ainda um conjunto de mecanismos de avaliação e suspensão, quando da existência de erros ou omissões.

É óbvio que não é por falta de legislação que os manuais escolares, que constituem de facto, uma centralidade inequívoca na prática lectiva em Portugal, pouco ou nada contribuem para formar crianças e jovens para a igualdade de oportunidades na vida social e política.

É óbvio que é por falta de uma verdadeira política sustentada por acções de combate à discriminação em todas as áreas, do emprego à família e da política à educação, que a ideologia retrógrada e conservadora do mundo se reproduz.

Mas, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, inexorável é a mudança desse mesmo mundo e das vontades que o irão moldar, de certeza mais justo e mais solidário.

Disse.