Sobre o encerramento de escolas do 1º ciclo do Ensino Básico
Conferência de Imprensa com Jorge Pires, da Comissão Política do PCP
17 de Fevereiro de 2006

Ao contrário do que o governo tem afirmado na comunicação social, o anunciado encerramento de cerca de 4500 escolas do 1º Ciclo do ensino básico e de dezenas de Jardins de Infância até ao fim da legislatura, uma grande parte delas já no final deste ano lectivo, é uma clara afronta ao direito constitucional de igualdade nas oportunidades no acesso à educação e ao sucesso escolar e revela um profundo desprezo pelos direitos dos alunos, dos pais dos alunos, mas também pelos direitos dos professores e serão certamente um contributo decisivo para que, em vastas regiões do interior do nosso país, se acelere a desertificação humana.

É mais uma decisão na área da educação que se insere inequivocamente na estratégia global deste governo de reduzir ao mínimo as responsabilidades do Estado nas suas funções sociais, deveres constitucionalmente consagrados desde Abril de 1976.

Não estamos apenas perante uma manifestação de incompetência da equipa ministerial, mas fundamentalmente uma opção política e ideológica há muito delineada, que se caracteriza por orientar a educação e o ensino no nosso país, no sentido da formação do indivíduo de acordo com os interesses do mercado de trabalho, em prejuízo de uma formação integral que prepare os jovens não apenas para a vida activa, mas também para uma intervenção consciente na vida política, social e cultural.

Medidas, como o encerramento de milhares de escolas, são elementos constitutivos de um projecto educativo que corresponde no essencial a um projecto de desenvolvimento que aposta na centralização, na baixa formação e qualificação dos portugueses, nos baixos salários.

Não está em causa quer a necessidade de reestruturar a rede escolar, quer o seu reordenamento e certamente existirão escolas em que se justificará o seu encerramento. Mas o que está na génese desta decisão são opções economicistas e elitistas, que acentuam a tendência obsessiva deste governo de encerrar serviços públicos, inspirados na tese neoliberal de “menos Estado, melhor Estado”.

Estamos pois perante um projecto educativo e um modelo de desenvolvimento que é antes de mais profundamente desumano.

Deslocam-se milhares de crianças do seu espaço natural, onde tem as suas raízes, os seus amigos, o seu espaço de brincadeira, o convívio familiar. Muitas delas sairão de casa por volta das 7 horas da manhã e regressarão a casa às 20 horas, sem qualquer espaço de tempo para o convívio, nomeadamente o familiar, sem tempo para o estudo. Passarão 12, 13 horas fora de casa, vivendo uma parte desse período diário em espaços por vezes de difícil enquadramento.

São exemplos o caso de uma menina de seis anos que no concelho de Bragança se desloca em táxi durante o dia para dois lugares distintos, a escola e o local onde toma a refeição, no total de mais de 30 km ou o caso já denunciado do Colmeal no concelho de Góis, em que perante a recusa dos pais em aceitarem que os filhos se desloquem cerca de 50Km numa estrada sinuosa, a Câmara Municipal, que não foi auscultada para esta decisão, acabou por fazer a proposta que os miúdos pudessem ficar durante os cinco dias de aulas numa pensão em Góis. Estamos a falar de crianças com idades compreendidas entre os seis e os 10 anos.

Qualquer decisão que venha a ser tomada nesta matéria terá de ser o resultado de um debate democrático, envolvendo as autarquias e as populações, incluindo as comunidades educativas. É inaceitável que este governo continue a tomar decisões que alteram o dia a dia das pessoas, limitando-se a dizer que tem um mandato para governar. Estranha concepção de democracia de quem se esconde por detrás de uma maioria absoluta, conseguida exactamente com promessas eleitorais contrárias às medidas que hoje estão a tomar para, numa manifestação de arrogância, exigir que se cumpra a Lei. É o “quero posso e mando” que caracteriza os incompetentes e os inseguros.

Esta decisão assenta igualmente em pressupostos apelidados «técnicos e pedagógicos», mas que não correspondem a estudos sérios sobre a matéria e ignora propositadamente todo um trabalho de investigação e a concretização no terreno de um conjunto de projectos sobre “a escola e o mundo rural”. Como todos já percebemos a equipa do ministério limitou-se, a partir de uma abordagem meramente estatística, a fazer o levantamento das escolas com menos de 20 alunos e depois a “régua e esquadro” desenhar um novo ordenamento da rede escolar do primeiro ciclo do básico, sem qualquer avaliação no terreno das consequências de tais decisões. Decisões incompetentes que merecem a classificação de medíocre.

Centrar a decisão numa lógica de que o sucesso está nas grandes concentrações de alunos, ou de que uma escola com menos de 20 alunos leva obrigatoriamente ao insucesso é, no mínimo, revelador da falta de imaginação para justificar publicamente uma medida que tem a oposição da generalidade da comunidade educativa e que mobiliza contra si as populações, como se tem verificado um pouco por todo o país e que teve já uma consequência: a ida à Assembleia da República do Primeiro-- Ministro pedir aos deputados do PS que dêem a cara por estas medidas.

Fecham-se as escolas porque têm poucos alunos, fecham-se as urgências dos centros de saúde, porque são poucos os doentes que as utilizam, acabam-se com carreiras dos transportes públicos de passageiros em alguns lugares porque não dão lucro. É a consagração da tese “se não existir nada, então justifica-se que nada exista”.

Sendo verdade que o encerramento da única escola numa determinada freguesia, não é por si só responsável único pela desertificação dessa freguesia, é inquestionável que contribui, na esmagadora maioria dos casos, para o desaparecimento do único pólo cultural dessa freguesia, promove a saída dos casais jovens e dos seus filhos que procurarão outras regiões para viverem, interrompe o diálogo intergeracional fundamental para manter a identidade cultural de um povo, perde-se um espaço de memória e de animação, fundamental para aumentar a auto-estima das populações.

O Estado deve ter um papel regulador, mantendo a unidade do sistema sem procurar uniformizá-lo. Há no trabalho com as escolas no mundo rural uma dimensão inovadora que não pode ser desperdiçado, nomeadamente o facto de fazerem instrução sob modelos de participação e de cidadania muito interessantes. Para a equipa ministerial todo este trabalho é classificado como atraso e estas escolas são consideradas contrárias à modernização.

Também no plano autárquico os custos destas medidas são elevados, quer no plano económico, quer na gestão do território se tivermos em conta os custos da desertificação de vastas regiões do país. Medida que deitará por terra todo um trabalho desenvolvido pelas autarquias ao longo dos anos para integrar e fixar as populações nas zonas rurais. O encerramento de escolas, sem ter em conta o país real, apenas conduzirá ao aumento dos custos com os transportes escolares e alimentação, custos já hoje incomportáveis para muitas autarquias.

O PCP afirma que a política educativa necessária deve assumir a educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do país e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar e educativo e à exclusão social e escolar.

É uma prioridade estratégica o investimento numa escola pública de qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público.

A expansão do sistema público de educação pré-escolar, articulado com a rede escolar do primeiro ciclo.

A reorganização da rede escolar do 1º ciclo do ensino básico deve obedecer a um plano de emergência para recuperação do parque escolar, a construção de novas escolas, permitindo acabar com os desdobramentos de horários e dotando-as com novos espaços, equipamentos e materiais adequados, na base de um programa específico de financiamento.