Sobre a actual situação no ensino e o estatuto da carreira docente
Conferência de Imprensa com Jorge Pires da Comissão Política do PCP
9 de Junho de 2006


Já muito próximo do final do ano lectivo e sem pretendermos fazer um balanço exaustivo que a seu tempo será realizado, há, contudo, uma constatação que pode ser feita de imediato: o ano lectivo acaba como começou, com uma grande instabilidade provocada pelo Ministério da Educação.

A decisão de encerrar centenas de escolas já no final deste ano lectivo, o conjunto das alterações ao Estatuto da Carreira Docente que o Ministério da Educação quer impor aos professores, as medidas avulsas que sistematicamente são tomadas, a instabilidade agravada após se conhecerem resultados do concurso de colocação de professores e o desemprego crescente na classe docente, os insultos produzidos sistematicamente pela equipa ministerial, com particular destaque para a Ministra da Educação, aos professores, educadores e à Escola Pública, configuram uma estratégia que não pode ser dissociada da reestruturação em curso no nosso Sistema Educativo, sem que para tal tenha sido aberto um processo de revisão da Lei de Bases da Educação. Reestruturação que se insere nas orientações saídas da Cimeira de Lisboa em 2000 e que tem, como uma das suas principais conclusões, colocar a educação e o ensino sob a alçada do grande capital europeu.
São inaceitáveis, e por isso denunciamos com toda a veemência, não apenas no conteúdo mas também na forma, as sistemáticas declarações da Ministra da Educação, nomeadamente quando procura virar a opinião pública e, particularmente os pais, contra os professores, acusando estes de serem os responsáveis pelo insucesso e abandono escolares. Estamos perante uma mentira, que mesmo que seja repetida até à exaustão não se tornará verdade, que coloca quem a profere numa situação de incompatibilidade com o cargo que ocupa. Isto, ao mesmo tempo que cria uma situação irreparável a curto prazo, com custos imprevisíveis para o nosso sistema educativo e em última análise para o país, ao descredibilizar propositadamente a Escola Pública e a componente essencial do sistema, que são os professores e os educadores.

Afirmações como, e passo a citar “não são as crianças que abandonam as escolas. Uma criança quando abandona a escola já foi abandonada pelos professores e pela escola” ou “posso ter perdido os professores, mas ganhei a opinião pública”, não podem ser apenas, nem principalmente analisadas à luz da personalidade ou das capacidades da pessoa que as profere, mas sobretudo da estratégia do Governo de esconder as verdadeiras causas dos problemas que temos no nosso sistema educativo, de abrir caminho na opinião pública ao conjunto das medidas que têm vindo a ser tomadas e de absolver politicamente os principais responsáveis pela situação que está criada.

O PS - que ocupou esta pasta mais de uma dezena de anos desde 1976 e tem, por essa razão, responsabilidades pela situação a que se chegou - o Primeiro Ministro e a Ministra da Educação, sabem bem que as principais causas para o insucesso escolar e o abandono precoce da escola, radicam, em primeiro lugar, nas condições sócio-económicas da maioria das famílias portuguesas e que esta é matéria da inteira responsabilidade dos sucessivos governos, onde se inclui o actual.

Esta ofensiva sem precedentes contra a Escola Pública e os direitos dos docentes, integra um vasto conjunto de medidas que se caracterizam por orientar cada vez mais o nosso sistema educativo para o ensino específico, cujo objectivo é preparar os homens e as mulheres de amanhã numa perspectiva e de acordo com os interesses do mercado de trabalho e não um ensino integral que os prepare para a vida activa, mas também para uma intervenção política e social, responsável e consciente, a partir de uma formação integrada e avançada. Para os promotores desta estratégia é de capital importância terem um corpo docente condicionado a um conjunto de parâmetros, quer na sua intervenção pedagógica, com o empobrecimento sistemático dos conteúdos curriculares como está a acontecer com o 1º Ciclo do Ensino Básico, quer na valorização e progressão na carreira, que facilite a sua instrumentalização ao serviço da ideologia dominante e do grande capital.

Aos professores gostaria de lhes transmitir a nossa solidariedade e que não deixem de lutar pelo que de mais nobre tem a carreira docente que é a liberdade de ensinar.

Sobre o Estatuto da Carreira Docente, peça fundamental nesta ofensiva contra a função docente e as alterações que o ME se prepara para impor aos professores e educadores, alguns comentários:

Estamos perante a tentativa de imposição de um conjunto de alterações muito significativas e não de um processo negocial como o Ministério procura transmitir na opinião pública, caso contrário não teria apresentado o documento em cima do final do ano lectivo, à porta da época de exames e do período de férias e já com orientações para os conselhos executivos das escolas, concretizarem algumas das medidas nele inscritas no início do próximo ano lectivo. Ou seja, antes mesmo de serem aprovadas.

Esta é uma matéria de grande relevância e complexidade, que vai ter impactos significativos não apenas na carreira docente mas também no processo de ensino/aprendizagem e por isso teria sido da maior sensatez, ter aberto um debate com o tempo necessário, que permitisse não apenas aos representantes dos docentes, mas também aos próprios professores e educadores, poderem com a sua própria experiência, contribuir para a construção de uma solução mais consentânea com o valor social da profissão docente e as necessidades do sistema educativo em Portugal. Não foi esta a opção da Ministra que, refugiada na expressão mais elucidativa da arrogância e incompetência que reina no seu ministério, limita-se a dizer que o governo existe para governar, como se em democracia os governos não tivessem a obrigação de governar ouvindo os destinatários das decisões que tomam.

Com as alterações que o governo quer impor ao ECD, os docentes perdem objectivamente um conjunto de direitos e regalias, que foram conseguidas ao longo dos anos, em processos negociais difíceis, direitos conquistados com muita determinação e luta por parte dos docentes. Direitos que contribuem para a sua estabilidade de emprego e profissional, factor essencial para a promoção da qualidade da Educação e do Ensino. Estamos perante um conjunto de opções que a serem implementadas teriam como consequências: a criação de categorias hierarquizadas, a criação de constrangimentos administrativos de acesso ao topo da carreira à esmagadora maioria dos docentes, a existência de quotas de avaliação, o aumento efectivo do horário de trabalho, o agravamento da precariedade dos vínculos laborais e a introdução de factores de instabilidade mesmo para os docentes que se encontram nos quadros, a introdução de critérios inaceitáveis de avaliação dos docentes (taxas de abandono escolar, resultados académicos dos alunos, apreciação da actividade lectiva pelos encarregados de educação), a restrição de direitos fundamentais, como, por exemplo, a protecção na doença, a Lei da Maternidade, os direitos reconhecidos aos trabalhadores-estudantes, entre outras consequências negativas…

Por fim três notas sobre o documento apresentado na passada quarta-feira, pelo Primeiro Ministro, com toda a pompa e circunstância, o “Programa de Generalização do Ensino de Inglês e de Outras Actividades de Enriquecimento Curricular no 1º Ciclo do Ensino Básico”.

Uma primeira nota para salientar uma contradição insanável neste documento, que é o governo anunciar o Programa como um instrumento de enriquecimento curricular no 1º Ciclo do Ensino Básico e, simultaneamente, retirar áreas como a educação musical, a educação física e a expressão plástica do currículo do 1º Ciclo, transformando-as em actividades extracurriculares, empobrecendo objectivamente o currículo. Como se sabe, estas matérias são leccionadas como actividades curriculares tal como está legislado.

Mas para além desta contradição há uma outra que não pode deixar de ser sublinhada, que é o facto do governo não dizer uma única palavra sobre como é que vai criar as condições necessárias para que o Programa possa ser concretizado com qualidade, quando é conhecido que os maiores impedimentos sentidos nas escolas ao exercício destas actividades, estão na falta de condições de uma grande parte das escolas, na falta de investimento em recursos humanos e materiais e no elevado número de escolas que funcionam em regime de horário duplo. Dificuldades a que se juntam as turmas com elevado número de alunos e a falta de apoios especiais, cujas equipas deveriam integrar um Psicólogo, um Assistente Social, em articulação com os centros de saúde e os Professores de Educação Especial, cuja colocação para o ano lectivo de 2006/2007 foi reduzida em mais de 70%.

Uma segunda nota para vos chamar a atenção para o facto do governo falar em escola a tempo inteiro, quando a sua preocupação fundamental é ter as nossas crianças ocupadas até às 17,30/18 horas e desta forma fugir às suas responsabilidades na não construção e funcionamento de ATL’s públicos que permitam às crianças ocuparem o seu tempo, depois de acabarem as aulas e até que os pais cheguem a casa.

Uma terceira nota é que, tal como aconteceu com o programa de generalização da aprendizagem da língua inglesa, a concretização deste programa será mais um passo na privatização de aspectos essenciais do currículo do 1º ciclo, passando para as autarquias uma responsabilidade que não é sua, para além dos custos sem as necessárias compensações. Seria muito interessante conhecer os estudos em que o governo se baseia para falar no sucesso do programa e também as razões por que este “novo” Programa não incluiu os alunos do 1º e 2º ano, ao contrário do anunciado há um ano atrás. Importa também saber que avaliação foi feita sobre - nomeadamente no plano pedagógico - o perfil e a preparação da generalidade dos professores que foram contratados e quem acompanha os programas que estão a ser ministrados.

Sempre que nos pronunciamos sobre esta matéria colocamos duas questões essenciais: estamos de acordo com a introdução da aprendizagem de uma língua estrangeira, que não tem que ser o inglês, logo no 1º ciclo do básico, com a escolha da língua no concreto a ser objecto de uma avaliação feita na respectiva comunidade educativa, nomeadamente com os pais a terem nesta decisão um peso importante.

Mas o Ministério continua sem responder a uma outra questão da maior importância: quais as medidas que vai tomar para o reforço do ensino do Português e da Matemática, tendo em conta a confirmada importância da língua materna na aprendizagem da matemática, sobretudo na área da interpretação, num momento em que, ao introduzir-se uma língua estrangeira, podem aumentar as dificuldades das crianças na aprendizagem da língua materna.

Bem pode o Primeiro Ministro gritar aos sete ventos que tem muito orgulho em ter no seu governo a actual Ministra da Educação, que não o iliba a ele e à senhora ministra, do julgamento político que os portugueses lhes farão pelos graves prejuízos que estão a causar ao nosso sistema educativo e ao país, apesar da manipulação da opinião pública que fazem em sentido contrário.

Para nós uma escola de sucesso e sem abandono não pode ser entendida como um espaço de guarda de crianças, que as ocupa nos seus tempos livres. Entendemos a escola como um espaço e um tempo onde o aluno e o professor gostam de estar, o que constitui condição para o sucesso. Uma escola em que o professor tem de ter as condições necessárias para utilizar estratégias diferentes, de modo a permitir a cada aluno desenvolver as suas capacidades, sendo para isso fundamental a redução do número de alunos por turma e a colocação de mais professores nas escolas. Uma escola onde a formação inicial e contínua do professor deve ser uma preocupação permanente e não a sua desvalorização, como está a acontecer com este governo. Uma escola que dignifique e estimule os docentes, o que constitui condição para a melhoria da qualidade educativa. Uma escola onde se procure combater as desigualdades económicas e sociais, dando aos alunos, a todos os alunos, iguais oportunidades e os apoios necessários para que tenham sucesso escolar e educativo.