Nem normalidade, nem estabilidade, na abertura do ano lectivo
Declaração de Jorge Pires da Comissão Política do PCP
Lisboa, 14 de Setembro de 2005

 

É nossa convicção que os problemas causados pelo conjunto das decisões tomadas pelo Governo nas últimas semanas na área da educação, não só não resolvem nenhum dos muitos problemas de que padece o nosso sistema educativo, como vão criar níveis de instabilidade nas escolas - ao contrário do que o Governo afirma - incomparavelmente mais graves do que a anormalidade que se verificou com a abertura do ano lectivo anterior. Estamos a referir-nos a decisões que foram tomadas contra o corpo docente que, a não serem revogadas, vão trazer novos e mais graves problemas do que aqueles que já afectam o nosso sistema educativo.

Não vale a pena o Governo - e particularmente o Primeiro-Ministro - insistirem numa estratégia de dividir para reinar, procurando virar a opinião pública contra os professores, porque apenas somam mais problemas aos que já existem e contribuem para aumentar a instabilidade que se vive na abertura do ano lectivo e que certamente se prolongará no tempo.

Nos últimos meses, enquadrada numa ofensiva mais geral contra a Administração Pública e os seus trabalhadores, os docentes foram alvo de uma campanha sem precedentes, em que se procura transmitir uma imagem dos professores que os coloca como os principais responsáveis do insucesso escolar em Portugal.

Desta forma, o Governo PS procura não só colher apoios para as medidas que está a tomar, como procura passar para este sector profissional, as responsabilidades que tem nas políticas educativas nas últimas três décadas. A grande responsabilidade do estado a que chegou o ensino em Portugal é das políticas de direita e essas têm responsáveis: PSD, PS, acompanhados ou não do CDS/PP.

É inaceitável que o Governo não perceba sequer que, com o conjunto das medidas que tomou contra os professores e outras que se prepara para tomar, está a por em causa a dignidade profissional de dezenas de milhares de pessoas, que ocupam uma posição determinante no processo educativo e que sem o seu envolvimento, sem o seu empenhamento e entusiasmo, sem a valorização da sua carreira profissional, não haverá nenhum projecto educativo que tenha êxito. Têm razão os docentes para estarem revoltados. De uma só vez o Governo PS aumenta-lhes a idade da reforma, congela a progressão das carreiras entre 30/8/2005 e 31/12/2006 e rouba-lhes o tempo de serviço neste período, aumenta-lhes o horário de trabalho, altera sem qualquer negociação algumas normas do Estatuto da Carreira Docente, nomeadamente as referentes às componentes lectiva e não lectiva.

Veja-se o que se está a passar com as escolas do 1º Ciclo do Básico. A Ministra elabora um despacho em que decide que as escolas têm de estar abertas até às 17.30 horas e depois que sejam outros, (autarquias, professores e pais) a resolver a forma de ocupar o tempo disponível das crianças após o horário lectivo. A partir de certa hora as escolas passam de espaço de conhecimento e saber e desenvolvimento pessoal, a um espaço assistencialista para mera guarda de crianças, com a consequente desvalorização da função e da profissão docente.

Agora as autarquias que paguem mais uns milhares de contos pelos transportes escolares e porque as escolas não têm meios para contratarem pessoas com qualificações adequadas para as actividades extracurriculares nas áreas das Expressões: Educação Física, Educação Musical, Educação Plástica e Educação Dramática, nestas horas de vazio lectivo fica um docente mais umas horas a guardar 70, 80, 100 crianças, transformando-o num vigilante.

No PCP defendemos uma escola a tempo inteiro, mas não à custa dos direitos dos trabalhadores docentes e não docentes. A escola a tempo inteiro deve ser um espaço e um tempo onde o aluno e o professor gostem de estar, uma escola que não pode ficar apenas reduzida ao professor de turma, onde existam as equipas multidisciplinares, que dêem respostas ao real desenvolvimento das competências a que se propõem os currículos, no quadro de uma Escola Pública Gratuita e de Qualidade.

É revelador do pensamento dominante nesta matéria, a solução defendida pelo actual Presidente da Câmara de Gaia, que defendeu publicamente que as escolas deviam estar abertas até às 24 horas.

Em vez de manipular as justas preocupações da maioria dos pais, que não tem dinheiro para pagar um ATL privado e que por isso se regozijam com a abertura das escolas se possível até regressarem a suas casas, o Governo deveria assumir as suas responsabilidades quanto ao financiamento das escolas do Ensino Básico, que deve ser suficiente para todas as actividades curriculares e extracurriculares. Não basta determinar que as escolas funcionem em horários alargados! É também necessário dotar as escolas com os meios para que isso possa acontecer.

Já que o Governo promete na propaganda - numa nova versão da “paixão pela educação” de tão triste memória - que vai canalizar para o 1º Ciclo do Básico os maiores investimentos, seria um bom ponto de partida a Ministra da Educação emitir despacho suficiente para proibir e acabar de vez com uma prática de muitos anos na generalidade das escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico, que consiste em a escola ter de pedir aos encarregados de educação uma determinada quantia (10, 20, 25 euros segundo os casos) no inicio do ano lectivo, a título de comparticipação nas despesas com material escolar. O Ministério da Educação deve assim cumprir o estatuído na Constituição e na Lei de Bases do sistema educativo quanto à gratuitidade da escolaridade obrigatória.

Mas desenganem-se todos aqueles que pensam estarmos apenas perante um problema de incompetência e incapacidade do governo, na resolução dos reais problemas que afectam o nosso sistema educativo e que colocam o nosso país na cauda dos países europeus, nos níveis de escolarização e de sucesso escolar. O que este conjunto de medidas configura é o ataque à Escola Pública e a real intenção de continuar a aprofundar um processo de alteração qualitativa do conceito de escola, que este Governo, a exemplo dos anteriores, tem vindo a concretizar, procurando com esta alteração que a escola tenha como objectivo central formar indivíduos a pensar unicamente nos interesses do mercado de trabalho, e não que forme os homens e as mulheres de amanhã para a vida activa e também para uma intervenção na vida política, social e cultural.

Para a resolução dos reais problemas da Educação em Portugal é fundamental o desenvolvimento de uma política educativa que assuma a educação como um valor estratégico para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, como prioridade para um efectivo combate ao abandono precoce da escola, ao insucesso escolar e educativo, e à exclusão social e escolar. Objectivo que exige o investimento numa Escola Pública de Qualidade, com gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica.