Sobre a situação no ensino superior
Conferência de Imprensa do PCP
10 de Fevereiro de 2000

 

1.

É propósito do Partido Comunista Português prestar uma acrescida atenção aos problemas do ensino superior.

Esta nossa disposição tem a ver com a consciência da gravidade dos problemas acumulados neste sector e com a avaliação negativa que fazemos da acção do Governo. E encontra motivações imediatas no facto da proposta concreta de Orçamento do Estado para o presente ano voltar a pôr na ordem do dia as questões do financiamento do ensino superior público e no anúncio da apresentação, pelo Ministério da Educação, de uma proposta de lei-quadro para regular todo o sector.

Nas últimas semanas o PCP realizou encontros, a seu pedido, com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, e com os responsáveis por importantes estabelecimentos de ensino superior.

Esse conjunto de contactos permitiu completar o diagnóstico que a Comissão Nacional do Ensino Superior do PCP vem fazendo em relação à situação existente, avaliar em concreto os constrangimentos que a proposta orçamental do Governo, a ser aprovada, provocará, e examinar diversas orientações políticas que urge adoptar no sector.

2.

Quanto à proposta governamental do Orçamento do Estado, o aspecto mais saliente em relação ao ensino superior diz respeito à continuação de uma política de subfinanciamento do sector que compromete gravemente a capacidade das escolas enfrentarem o conjunto dos problemas com que estão confrontadas e apostarem decididamente em medidas que promovam a qualidade do ensino e o sucesso escolar e educativos dos seus alunos.

São três os aspectos que se identificam de uma forma mais crítica na proposta de Orçamento do Estado para o ensino superior:

- O incumprimento da fórmula de financiamento legalmente existente, a partir da qual está estabelecido que seja feito o cálculo das verbas e atribuir ao funcionamento das diversas universidades.

Em termos concretos, e para o conjunto das universidades financiadas através desta fórmula, o Governo devia assegurar uma transferência de 146 milhões de contos (orçamento padrão), mas na realidade só tem inscrito na proposta do Orçamento um montante de 124 milhões de contos. O que representa um corte de 22 milhões de contos (desvio de 15% para menos).

Acresce ainda e no caso da Universidade de Lisboa, o incumprimento do contrato-programa celebrado pelo Governo com esta escola.

- A subtracção do valor das propinas pagas pelos alunos (9,5 milhões de contos) à transferência que o Estado devia fazer para as diversas universidades e politécnicos.

Com este procedimento o Governo desrespeita a própria legislação por si publicada que estabelece que as verbas das propinas devem ser aplicadas pelas escolas na elevação da qualidade do ensino. E confirma os receios repetidamente manifestados pelo PCP de que o aumento das propinas iria apenas servir para substituir o financiamento público do ensino superior.

- Os significativos cortes feitos no orçamento de investimento (PIDDAC) de muitas escolas, o que terá como consequência a paragem de obras iniciadas ou o não lançamento de novas obras, bem como a não resolução de graves problemas existentes ao nível do equipamento.

3.

Sem prejuízo de uma ulterior e mais detalhada apreciação do anteprojecto da proposta do Governo de lei-quadro para o sector do ensino superior há alguns aspectos críticos que importa desde já sublinhar.

Trata-se de uma proposta decepcionante e tecnicamente inconsistente, quando considerada à luz do conjunto dos problemas do ensino superior e da sua organização e ordenamento, que era suposto uma lei-quadro para o sector dever abranger.

Mas trata-se, igualmente, de uma proposta que suscita à partida um importante conjunto de reservas políticas.

Nomeadamente:

- quando afirma uma distinção entre o ensino universitário e o ensino politécnico em termos claramente insatisfatórios e redutores;

- quando formula um conceito de "rede" que, em vez de designar as modalidades de articulação e de cooperação de base territorial entre os estabelecimentos públicos de ensino superior e que sejam respeitadoras da sua autonomia, na realidade se traduz na criação de uma entidade de comando burocrático e centralista do conjunto do sistema e na ilegítima interferência governamental nas áreas de competência e de decisão própria das escolas;

- quando prevê a possibilidade de financiamento público do ensino privado, no quadro de uma lógica de clara natureza substitutiva do ensino público.

Acresce, no anteprojecto da proposta do Governo, além de um nebuloso conjunto de disposições (como é o caso do "sistema de regulação independente"), as numerosas remissões para legislação a publicar ulteriormente, o que de todo inviabiliza uma avaliação objectiva do conjunto das alterações políticas que o Governo pretende de facto introduzir no sector.

O PCP considera que é da maior importância sujeitar a proposta do Governo a um amplo e participado debate em todas as escolas do ensino superior e ao nível da opinião pública em geral, de forma a poderem ser clarificados os seus verdadeiros objectivos políticos e a manifestarem-se as críticas que ela, sem dúvida, justifica.

O PCP tem em preparação um projecto de lei-quadro sobre o ensino superior que será oportunamente apresentado na Assembleia da República para ser debatido em simultâneo com a iniciativa do Governo.

Com vista à elaboração desse projecto de lei do PCP e com o propósito de conhecer as opiniões dos principais responsáveis académicos e de organizações representativas de docentes, estudantes e funcionários não docentes, o PCP vai prosseguir a realização de um largo conjunto de contactos.