Medidas de enquadramento das praxes académicas
Intervenção do Deputado Bruno Dias
28 de Março de 2003

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Antes de mais, assinalando a passagem do Dia Nacional da Juventude, o Grupo Parlamentar do PCP gostaria de saudar todos os jovens portugueses. E, já agora, registar como positiva esta significativa novidade de o CDS-PP reconhecer o dia 28 de Março como Dia da Juventude, já que esta data ficou para a História como o dia em que a repressão salazarista se abateu implacavelmente sobre uma iniciativa de convívio e protesto do MUD-Juvenil, na oposição à ditadura. Por isso, é importante que o CDS proporcione ao Parlamento a oportunidade de recordar esta importante data da nossa História, e esta importante causa da vida do nosso País.

Senhores Deputados,

As situações de violência, os abusos, as humilhações e ataques à dignidade humana são circunstâncias merecedoras do mais vivo repúdio e dever ser condenadas de forma clara.

Os casos que, nos últimos tempos, têm vindo a ser noticiados na comunicação social, a propósito das praxes no ensino superior, levantam perturbadoras interrogações que exigem o rápido esclarecimento do que efectivamente tem estado a acontecer.

A confirmar-se o conjunto de notícias que se tem referido a estas situações, e mesmo perante o rol de testemunhos que do passado recente ilustram o triste panorama que em diversos casos se nos depara, é necessário discutir e agir de modo responsável e sério. Sem aproveitamentos políticos, sem segundas intenções, sem tacticismos indignos.

Por isso se torna necessário partir para este debate com uma questões prévia: os chocantes casos que têm vindo a público, pela sua gravidade até, não podem ser trampolim para oportunismos de nenhuma ordem.

E entretanto cá estamos para debater as questões concretas, e as propostas que este projecto de resolução coloca.

Desde já, é preciso afirmar que não é aceitável que um “Regime Disciplinar” seja instaurado como suposta panaceia, à medida exacta de situações cuja mediatização e gravidade têm assumido crescentes proporções. Muito menos se uma tal medida é afirmada com o propósito de “restaurar” e recuperar determinados fenómenos de um modo geral e abstracto.

Não se trata aqui de fazer juízos de valor generalizados, nem sequer uma espécie de “manual do utilizador” que seja aparentemente (e sublinhe-se, aparentemente) destinado a preservar as praxes académicas na sua “pureza original” – seja lá o que isso for.

Nem nos parece que a Assembleia da República deva instituir uma apreciação como aquela que os considerandos do diploma do CDS-PP preconizam, relativamente às praxes. Caso contrário, estaremos a deliberar a consagração de uma doutrina geral cuja fundamentação se arrisca a transmitir a ideia de que os estudantes do ensino superior em Portugal são uma espécie de variações sobre uma personagem de Vasco Santana!

A questão essencial quando discutimos as praxes académicas não é a salvaguarda das praxes como um fim em si mesmo. A questão essencial, comum a todas as discussões sobre casos concretos (e sobre as praxes em geral), é a indispensável salvaguarda da integridade e dignidade humana, face à tentação da prepotência, da humilhação ou da violência física ou psicológica. Essa é que é a questão de fundo. E se não for esta a prioridade para todos, para o PCP é certamente a prioridade.

Somos firme e frontalmente contra a violência e a agressão. Todas as agressões, sob todas as formas. Em Santarém, como em Macedo de Cavaleiros, o que aconteceu, (a confirmarem-se as notícias vindas a público) foram actos de violência e cobardia. E perante isto, é no mínimo irrelevante enquadrar a discussão em qualquer moldura de supostas tradições.

Aliás, perante situações como as que têm sido denunciadas, não podemos ignorar que pode estar em causa a prática de crimes, e inclusivamente nalguns casos, de crimes públicos. Previstos no código penal, e a exigir a correspondente tomada de medidas. E é preciso que fique claro que este tipo de práticas não estão a coberto de nenhuma impunidade – mesmo antes de qualquer levantamento de casos, ou de qualquer regime disciplinar.

E aqui entramos noutro ponto do debate.

É que esta ideia do regime disciplinar para os estudantes do ensino superior, se for entendida como uma necessidade decorrente do fenómeno das praxes, sem que mais nada se diga a este propósito, conduz o debate e a reflexão a uma abordagem claramente limitada e limitativa.

Aliás, qualquer abordagem a matérias de regulamentação disciplinar que tenha como ponto de partida, como motivação, como sustentação, situações concretas de violência, dificilmente fará um bom caminho – pois esse caminho nasce e prossegue sob a égide e o estado espírito da violência.

Se, por outro lado, o resultado concreto desse processo de constituição de um estatuto disciplinar for uma abordagem de larga escala, na aplicação da “doutrina texana” que o governo e a maioria de direita já demonstraram (desde logo com o Estatuto do Aluno do Ensino Superior!), então tudo se torna mais preocupante. Porque nesse caso as praxes académicas são um pretexto.

Em qualquer dos casos, fica sempre a interrogação, face a um estatuto disciplinar cuja discussão nasce desta maneira. E fica a reafirmação de que o PCP não passa cheques em branco para as políticas do governo. Muito menos quando se trata de legislar sobre “disciplina”, e menos ainda quando se conhece as concepções da direita nesta matéria!

Mas ainda a este propósito, e para terminar, uma consideração sobre estas preocupações do CDS-PP. Quando o ensino superior no nosso País está na situação que se sabe; quando a democratização e a garantia do direito à educação é cada vez mais uma miragem; quando é conhecido o ataque aos direitos dos estudantes quanto à participação democrática na gestão das instituições do Ensino Superior; quando Portugal está na cauda da Europa na formação académica da sua população; quando tudo isto acontece, é politicamente significativo que a prioridade da direita neste momento seja o estabelecimento de um estatuto disciplinar. Perante isto, não é preciso dizer muito mais.