Lei-Quadro para a avaliação dos ensinos básico e secundário - Divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12º ano
Intervenção da Deputada Margarida Botelho
26 de Abril de 2001

 

Sr. Presidente,
Sr. Deputado David Justino,

O PCP considera sintomático que para o PSD sejam estes dois projectos de lei as medidas fundamentais na área da educação, como se dizia hoje num órgão de comunicação social.

E a questão que lhe quero colocar é muito simples: como tenciona o PSD evitar que estas medidas tornem as escolas ainda mais elitistas do que já são hoje? Acontece uma coisa muito simples, nomeadamente no Reino Unido, que é um dos exemplos que gosta de citar: é que as piores escolas continuam piores, tal como se prova no ranking do Reino Unido.

Por outro lado, também acontece uma coisa muito curiosa, que, inclusivamente, hoje um jornal citava: nos bairros onde se localizam as escolas supostamente melhores a procura de casas e o seu preço disparam, porque todos os pais querem que os seus filhos frequentem aquelas escolas. Tal gera um fenómeno muito simples: é que a procura para a oferta daquelas escolas é grande demais, e as escolas escolhem os melhores alunos, ao mesmo tempo que os professores também concorrem em maior número, ficando lá colocados os melhores. Ou seja, assim as melhores escolas continuarão a ter os melhores alunos e os melhores professores, numa elitização que, para nós, é inaceitável. Tanto mais que os Srs. Deputados do PSD, no seu projecto de lei, propõem ainda incentivos para as melhores escolas, o que arrasta a institucionalização da discriminação, que, para nós, não é aceitável.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

A Lei de Bases do Sistema Educativo aponta objectivos para todos os níveis de ensino. Tal como em relação a qualquer actividade, é lógico que o Estado, a sociedade em geral e os parceiros educativos em particular avaliem se os objectivos estão ou não a ser cumpridos.

Dos três modelos de avaliação existentes - diagnóstica, formativa e sumativa - só faz para o PCP sentido que existam as duas primeiras no sistema educativo. A avaliação sumativa só existe se desejarmos colocar os avaliados por comparação numa escala. Acontece que as escolas são projectos em curso. Ter num determinado ano lectivo obtido bons resultados em certo aspecto, não significa que a melhoria esteja assegurada. Muitos factores, exteriores à escola, concorrem para estas alterações: o nível de estabilidade e de profissionalização do corpo docente não são suficientes; os meios sociais, económicos e culturais de onde são oriundos os estudantes condicionam - e isto é reconhecido por todos os técnicos e teóricos da educação - as possibilidades de sucesso de cada aluno.

O ranking, se existisse, não daria nenhuma novidade se chegasse à conclusão que as escolas dos grandes centros urbanos teriam potencialmente estudantes com melhores notas do que os das escolas do interior e do meio rural. Todos os estudos, incluindo um da sra. Secretária de Estado e mesmo os resultados das provas aferidas do primeiro ciclo, apontam para que o perfil do estudante que abandona a escola seja do meio rural, tenha fracas posses e baixos estímulos culturais. As origens sociais condicionam brutalmente as possibilidades de sucesso educativo das crianças e dos jovens: queiramos ou não, a linguagem da escola continua a ser demasiado erudita para milhares de estudantes do nosso país, que têm primeiro de ultrapassar a barreira desta linguagem que não é a sua, e só depois a dos conhecimentos curriculares. A nossa escola ainda não é a escola integradora e diversificada de que o país precisa.

Democraticamente é insustentável que duas crianças não tenham as mesmas possibilidades de sucesso. A bitola que o PSD propõe é por isso mesmo profundamente injusta, elitista e conservadora. Nem o facto de o artigo 7º do projecto de lei 421/VIII enunciar timidamente mais parâmetros para além do das notas quantitativas disfarça a ausência da ponderação das condições sociais, económicas e culturais como factores de sucesso educativo.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

Parece óbvio que as primeiras escolas do ranking teriam uma longa lista de candidatos. Quer de professores, quer de alunos. Os profissionais melhor classificados procurariam as supostas melhores escolas. Aos estudantes, sucederia o que já hoje acontece no Reino Unido: os bairros onde se localizam as primeiras escolas do ranking sofrem no ano seguinte uma procura desmesurada de casa para que os jovens a possam frequentar. Naturalmente que as escolas escolheriam de entre os seus candidatos os já de si melhores alunos. Aparentemente, só a direita não compreende que esta é uma espiral de elitização inaceitável. Melhor dizendo: só a direita, compreendendo perfeitamente, deseja esta espiral de elitização.

Na Irlanda já existiu este método e desistiram, por considerarem que tem efeitos perversos na motivação dos professores e na confiança social no sistema escolar básico na sua globalidade.

Ao propor ainda mais provas, o PSD parece querer enterrar a avaliação contínua e centrar definitivamente o sistema educativo nos resultados destas novas provas, dos exames e das globais. Talvez os senhores deputados que propõem estes projectos de lei não saibam que hoje, no nosso país, já existem à venda livros de treino para os alunos do 1º ciclo terem bons resultados nas provas aferidas. Isto é vergonhoso! É uma pressão de que nem a escola, nem os estudantes, nem os pais precisam. Perde-se o quadro de referência do que é necessário aprender para passar a treinar mecanicamente algumas habilidades. O Ministério da Educação tem aliás a responsabilidade de fazer parar este verdadeiro filão de lucro que as livreiras rapidamente descobriram e de impedir que se repita o clima de exame final global que se viveu antes e durante as provas.

A proposta do PSD parece ainda esquecer que hoje já se sabem as médias de todas as provas do secundário e das aferidas do básico, a nível nacional. Cada escola tem acesso à sua própria média e tem os elementos suficientes para saber qual é a sua posição face à média nacional e corrigir as debilidades. As pautas são públicas e também permitem retirar daí conclusões. Os instrumentos existem. O que politicamente não tem sido feito é, pegando nestes instrumentos, transformá-los em medidas activas de promoção de cada escola. E para isso não precisamos de ranking nenhum: precisamos, sim, de vontade e capacidade políticas que não têm existido.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

É óbvio, até pela forma como começámos hoje a nossa intervenção, que para o PCP é fundamental que haja uma avaliação dos objectivos. Identificar quais são as escolas que não os cumpriram, perceber porquê, traçar, em conjunto com o Ministério da Educação, o corpo docente, os pais e os próprios estudantes as medidas necessárias para ajudar as escolas a ultrapassar as suas dificuldades. O ranking seria um factor de distorção grave neste processo.

É necessário combater com clareza - e o PCP não considera que o Governo do PS o venha fazendo - os problemas mais frequentes do sistema de ensino: os orçamentos, que restringem as possibilidades de diversificação das actividades das escolas e a sua real autonomia; a existência e as condições dos espaços físicos adequados às diversas actividades; a estabilidade do corpo docente e não docente.

O ranking institucionaliza e alimenta a ideia do melhor e do pior. Quando isso não pode estar em causa. Todas as escolas têm que ser primeiras nas prioridades. A educação é um serviço público e um direito que tem de ser assegurado com qualidade a todos. Os resultados do processo educativo são sempre de longo prazo. Carimbar escolas, professores e estudantes com o ferrete do bom ou do mau não contribui em nada para a melhoria do sistema educativo.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos Antunes,

Tendo o Sr. Deputado referido a questão fundamental de que nenhuma reforma se pode fazer contra os professores, tenho a dizer-lhe que a FENPROF está inteiramente contra esta proposta, o que me parece bastante elucidativo.

Por outro lado, Sr. Deputado, não chega, de facto, dizer que os estudantes não têm as mesmas oportunidades. Acontece que nós não dizemos que os estudantes têm as mesmas oportunidades, pelo contrário. O que dizemos é que os vossos projectos de lei pioram este problema da igualdade de oportunidades.

É que da mesma forma que, hoje, não existe, de facto, liberdade para escolher entre uma escola pública e uma escola privada se não se tiver dinheiro para ir para a escola privada, a verdade é que, com os vossos projectos de lei, o que sucederia era que não se teria possibilidades de ir para a melhor escola, porque a melhor escola já estaria ocupada com os melhores estudantes das escolas classificadas no vosso ranking.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Ministro da Educação,

Quero fazer-lhe quatro perguntas muito concretas relacionadas com as provas de aferição do 4.º ano do ensino básico, porque o PCP considera que estas provas têm muito interesse e são um instrumento muito útil para a avaliação das escolas mas têm de ser retiradas as consequências dos resultados.

Ora, as questões que queremos colocar prendem-se exactamente com o retirar destas consequências.

Quanto à formação inicial e contínua dos professores, tendo em conta que em Setembro entrará já em vigor a reorganização do ensino básico e tendo em conta, também, os resultados das provas do ano passado, quais são as alterações introduzidas?

Uma outra questão que o Ministério terá de resolver tem a ver com o empolamento e com o clima que se gerou nas escolas, nos pais e nos alunos, de receio destas provas, tanto mais que, quando o Ministério as «empurra» para o final do ano lectivo, faz com que pareçam o exame final da antiga 4.ª classe, o que não corresponde de todo ao objectivo que, para o PCP, nos parece que estas provas deveriam ter.

Gostaria, ainda, de saber qual o motivo que levou a que as escolas privadas não tenham sido obrigadas, como as públicas, a fazer estas provas, sendo apenas voluntário para elas.

Para terminar, que consequências se retiraram do nível do material escolar e dos materiais? Dou o exemplo muito breve das aptidões em relação à geometria, onde se chegou à conclusão que os alunos eram muito fracos. É necessário que as escolas sejam dotadas quer de meios materiais quer de meios humanos para corrigir esta falha.