Declaração Política sobre a luta dos estudantes do ensino básico e secundário
Intervenção da Deputada Margarida Botelho
8 de Fevereiro de 2001

 

Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,

Estão hoje na rua, pelo menos, 65 mil estudantes do ensino básico e secundário, de praticamente todos os distritos, para além de centenas de greves e escolas fechadas. Contestam a reorganização do ensino básico, a revisão curricular do secundário e o numerus clausus; exigem a aplicação efectiva da educação sexual e a responsabilização do Estado nas más condições sociais e humanas das escolas.

Esta não é uma luta nova. Em Abril do ano passado, após as primeiras duas semanas de contestação estudantil, o grupo parlamentar do PCP referia neste Plenário: 'os estudantes do ensino secundário não aceitam o atestado de menoridade que o Ministério lhes quis passar, ao excluí-los e aos seus representantes da discussão de uma proposta que lhes diz mais respeito do que a ninguém. Porque os estudantes rejeitam a intenção atrás desta reforma: a de dar a mínima educação possível ao máximo de alunos; a intenção de criar um ensino de primeira e um ensino de segunda; a intenção de diferenciar ainda mais cedo do que já se faz hoje aqueles que seguirão a via de ensino, dos outros que serão mão-de-obra desqualificada e barata.»

A 11 de Maio de 2000, cerca de 70 mil estudantes, de praticamente todas as regiões, saíram à rua com as mesmas reivindicações de hoje, fazendo o Governo hesitar nas suas declarações.

Poderíamos supor que esta reacção pronta dos estudantes fizesse o Governo reflectir sobre o modo do seu diálogo. Infelizmente, não foi isso que sucedeu. As reuniões que o Governo montou em alguns distritos não foram mais que sessões de esclarecimento sobre um texto fechado, ao qual o Ministro já assumira que não mudaria nem uma vírgula. A reivindicação dos estudantes é justíssima: que se suspenda a revisão, para que esta seja discutida, tranquila e construtivamente, com os agentes educativos e particularmente com as Associações de Estudantes, únicas legítimas representantes destes.

Já durante este ano lectivo, os estudantes do Porto - onde há a lamentar excessos da polícia - em Chaves, em Aveiro, em Coimbra, em Lisboa e no Barreiro saíram à rua com esta reivindicação. Desde 24 de Março de 2000, foram já cerca de 160 mil os estudantes a contestar a revisão.

À publicação destes dois decretos-lei seguiu-se uma reunião nacional de Associações de Estudantes, que juntou cerca de 80 direcções e marcou o dia de hoje como de luta pela suspensão da revisão.

Esta exigência chega também dos professores, e nomeadamente da FENPROF. O Conselho Nacional de Educação foi duríssimo na sua apreciação. Até o Secretário Regional da Educação da Madeira reconheceu há pouco na televisão que concorda no fundamental com as reivindicações dos estudantes. Correspondendo aos anseios de professores, estudantes e técnicos, o PCP entregou na passada semana na mesa da Assembleia da República a apreciação parlamentar dos dois decretos-lei em questão, que será discutida no próximo dia 23 de Fevereiro.

De facto, a revisão curricular é um projecto imposto pelo Ministério da Educação à comunidade educativa, sem que sequer tenha havido uma correcta avaliação das anteriores reformas.

Esta revisão caminha no sentido da desresponsabilização da administração central face ao financiamento, às instalações, ao equipamento e à oferta curricular das escolas, de todos os níveis. Desiste do combate às desigualdades sociais, permite a elitização do sistema, põe em causa a igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativos.

O Governo produziu decretos-lei vagos e ambíguos, que remetem para legislação posterior algumas das questões mais polémicas, como a forma como se fará a permeabilidade entre cursos, ou o acesso ao ensino superior. Ao prever que se façam provas globais apenas nas disciplinas terminais, agrava-se a disparidade entre a avaliação contínua e as provas, ao incluir matérias de dois anos num único momento. Ao propor a existência de 24 cursos diferentes, o Ministério parece esquecer-se das condições reais, materiais e humanas, das nossas escolas.

É portanto absolutamente justificada a indignação dos estudantes. Tanto mais que continua a ser distribuída nas escolas informação contraditória. Há documentos do Ministério da Educação distribuídos que referem os 90 minutos no secundário.

Que reafirmam a existência de um ano pós-12º 'para enriquecimento das formações secundárias' - e de resto o decreto-lei pode abrir para isto, ao referir no seu artigo 16º que 'compete à escola propor a organização de ofertas de enriquecimento da formação obtida pelos diplomados do ensino secundário'.

A promessa da redução da carga horária é outra miragem, na qual os estudantes não embarcaram. Nos cursos gerais, as horas semanais diminuíram entre duas e meia hora, dependendo dos cursos e dos anos. Nos cursos tecnológicos, a carga horária ultrapassa em hora e meia o limite semanal definido pelo próprio Governo, duas horas mais do que aquelas que já existem actualmente.

A confusão do Governo é neste momento tal que, nem duas semanas passadas sobre a publicação dos decretos-lei, a secretária da Estado Ana Benavente declarou à Lusa que é um objectivo do Governo o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Não seria melhor parar para pensar nos objectivos todos e fazer finalmente uma reforma pensada?
- É natural que os estudantes estranhem que num texto onde se refere tanto a educação para a cidadania não exista uma linha sobre a educação sexual. Será que este não é um direito de cidadania?

Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,

O PCP considera que é necessária uma séria e rigorosa intervenção nos ensinos básico e secundário. Mas muito diferente desta: que se baseie na participação aprofundada dos agentes educativos, que tenha como objectivo a construção de uma educação verdadeiramente pública, verdadeiramente gratuita, verdadeiramente de qualidade.

O PCP presta desta Assembleia toda a solidariedade às muitas dezenas de milhares de estudantes que hoje se manifestam por todo o país, dando uma lição de vivência democrática ao Ministério da Educação e ao Governo do PS.

Disse.