Debate de urgência sobre a venda de empresas a entidades estrangeiras
Intervenção de Odete Santos
5 de Maio de 2004

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhores membros do Governo

Não há dúvida que o Capitalismo para gerar a sua riqueza, não conhece outro processo senão o de gerar pobreza. Nomeadamente em épocas de recessão fica bem patente que o Capitalismo aumenta os seus lucros através do aumento dos despedimentos, das falências, da precarização dos vínculos laborais, da redução de direitos dos trabalhadores, da anulação de direitos sociais.

O Capitalismo não entende a linguagem dos que falam da responsabilidade social das empresas.

Porque a única responsabilidade que o move é a de prestar vassalagem no altar do lucro, no altar que vai variar de lugar, deslocalizando-se, segundo as conveniências do mesmo.

Aos que veneram o Deus lucro, importará que os centros de decisão fiquem no País?

A avaliar pelo número de empresas que deslocaram a sua produção para o estrangeiro, a resposta não pode deixar de ser negativa.

E Importa aos interesses capitalistas, o cortejo de desempregados produzido pelas empresas deslocalizadas, encerradas, vendidas?

A avaliar pela ligeireza com que se tomam as decisões de encerramento de empresas, a resposta não pode deixar de ser negativa.

O Capitalismo não pode sobreviver sem pobreza. O desempregado, a família vítima do desemprego e sobrevivendo da caridadezinha, são fenómenos considerados naturais para os senhores do mundo.

O que é preciso( reclamam) é manter a chama bruxuleante do lucro. A todo o custo.

É neste contexto que assistimos no nosso País ao desmantelamento do tecido produtivo. Vejam-se, nomeadamente, os índices negativos da produção industrial, publicados pelo INE

Emblemática é a destruição do sector da indústria siderúrgica, da indústria química, do sector da metalomecânica pesada.

A Bombardier deslocaliza progressivamente a produção para Espanha, Suécia e Alemanha.

No sector têxtil assistimos a encerramentos devidos a deslocalizações em fábricas como a Melka, a Vesticom, a Finex, a Brax.

Entre os Distritos duramente fustigados contam-se os distritos de Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Lisboa, Porto, Setúbal.

Resultando, desta situação um contínuo aumento do número de desempregados, nomeadamente entre as camadas jovens. Segundo o Eurostat a taxa de desemprego entre os jovens com menos de 25 anos, foi de cerca de 16% em Março do corrente ano, quando em Março de 2003 a taxa fora de 13,8%.

E tudo isto foi rodeado de uma ofensiva ideológica sem precedentes, destinada a convencer que a culpa dos encerramentos e das deslocalizações devia ser atribuída á legislação laboral, aos trabalhadores, aos Sindicatos, à Constituição de Abril.

A verdade é que o Capitalismo tem pecado por um defeito que caracteriza a sua própria personalidade: a via preferencial para o aumento da competitividade e da produtividade é a da redução de custos.A redução á custa do trabalhador. À custa do seu salário, da sua jornada de trabalho, da sua estabilidade no emprego. À custa dos seus direitos.

Daí que, acompanhando a triste evolução dos tempos com os quais se encontra aggiornato, o Governo muniu-se de um Código do Trabalho que melhor permitisse, a precarização das relações laborais, a degradação do salário, o aumento dos ritmos de trabalho, a desorganização do tempo de trabalho.

Fê-lo para facilitar ao Capitalismo a gestação de maior número de pobres, dando a tal fenómeno a aparência de um fenómeno natural. Para que se não veja claramente que o aumento dos lucros se faz à custa do empobrecimento de muitos.

Fê-lo para tornar mais fácil o encerramento de empresas, os despedimentos, o desemprego.

Fez o Código do Trabalho contra os trabalhadores portugueses, mão de obra que o Governo quer ainda tornar mais barata, à custa de direitos económicos e sociais. À custa da falta de formação profissional dos trabalhadores.

O Governo fez o Código do Trabalho contra os interesses nacionais. O que não admira.

Não admira, por parte de quem defende o primado da Constituição Europeia sobre a Constituição da República.

Mas este caminho não é inevitável. É tão só a opção do Governo. É possível um outro modelo de sociedade em que a inovação e o desenvolvimento se façam no pleno respeito pelos direitos sociais e laborais; em que a riqueza produzida por quem trabalha seja distribuída de uma forma mais justa; em que não passe impune a ganância do lucro fácil e parasita à custa do emprego e da dignidade dos trabalhadores.

Esta não é a opção do Governo. Mas será um dia a escolha dos trabalhadores.