Regras de controlo jurisdicional das decisões a adoptar no domínio da defesa da concorrência
Intervenção do Deputado Honório Novo
2 de Outubro de 2002

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços,

Salvo melhor opinião, o que se pretende criar é resultante de uma fusão, deixe-me chamar-lhe assim, do chamado Conselho da Concorrência com competências saídas da Direcção Geral do Comércio e Concorrência. Enfim, esta é uma opção como qualquer outra mas, no fundamental e liminarmente, é isto o que está sobre a mesa.

O Presidente do Conselho da Concorrência em funções, recentemente, não se queixou da estrutura. De facto, queixou-se da eficiência, mas de um ponto de vista que nada tinha que ver com a estrutura, tinha que ver com a ausência de meios capazes de produzir efeitos. Na verdade, na estrutura de proposta de lei não me parece que pela criação da autoridade da concorrência estes meios, de facto, mudem assim tanto.

Entretanto, Sr.ª Secretária de Estado, há aqui um argumento recorrentemente utilizado, que é o argumento da desgovernamentalização da estrutura (isto é, cria-se a autoridade da concorrência, desgovernamentaliza-se) a propósito de um sector concreto que é a opinião sobre a concentração de empresas. Mas é um termo recorrente, a desgovernamentalização. Só que das intenções aos factos vai uma distância muito grande.

Assim, vamos ver o que é proposto sobre a estrutura e verifica-se que, ao nível da nomeação, todos os membros da nova entidade dependem do Governo; a exoneração também depende do Governo, numa atitude que pode ser, naturalmente, assumida discricionariamente em circunstâncias excepcionais, mas sempre justificáveis pelo próprio Governo.

Mas não é só na nomeação e na exoneração que há uma dependência completa do Governo, é também no funcionamento diário! Isto é, esta autoridade da concorrência depende do Governo desde a aprovação do plano até ao relatório de actividades, e nem sequer se prevê que se remeta este relatório de actividades para este órgão onde nós estamos aqui a discutir coisa verdadeiramente espantosa! A proposta nem isso propõe.

Como é natural, causa-me alguma perplexidade e gostava que a Sr.ª Secretária de Estado comentasse este desfasamento completo entre o que é prometido de desgovernamentalização e o que é proposto de total governamentalização, entre aquilo que se diz que é tornar independente e nem sequer conferir a esta Câmara a possibilidade fiscalizar ao menos o relatório anual.

Deixo ao seu critério a resposta a estas duas perguntas.

(…)

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Com a presente proposta de lei o Governo pretende criar a Autoridade da Concorrência, pretensamente para dar um passo no sentido da “modernização do ordenamento jurídico da concorrência” em Portugal.

Na verdade, e no essencial, não se trata de uma nova entidade. Fundamentalmente pretende-se, sem o assumir explicitamente, fundir num único organismo as competências actuais do Conselho da Concorrência – que por via desse facto é extinto – com as competências sectoriais actualmente atribuídas aos serviços da Direcção Geral do Comércio e Concorrência.

A Autoridade da Concorrência passa, assim, a concentrar os poderes de investigação e de punição de práticas anticoncorrenciais e os de decisão sobre operações de concentração de empresas.

A actual estrutura das autoridades nacionais da concorrência foi instaurada em 1993 e, nessa altura, foi eliminada a possibilidade, que até então existia com vantagens reconhecidas, de fazer intervir nos processos decisórios – ainda que ao nível da consulta – elementos representativos dos sectores económicos e representantes dos consumidores.

De facto a Comissão Consultiva do Conselho da Concorrência, que tinha sido criada em 1983, desapareceu com as alterações legislativas ocorridas no início da década de 90. Os consumidores, mas também os representantes da indústria, do comércio e da agricultura deixaram de ter qualquer voz na formação das decisões das autoridades nacionais da concorrência.

Esperava-se que essa lacuna fosse agora superada na nova estrutura da Autoridade da Concorrência. Infelizmente, assim não acontece.

E, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a verdade é que o modelo que se propõe também não garante que sejam alcançados alguns dos objectivos que se enunciam. Designadamente quanto à independência e à desgovernamentalização da nova Autoridade da Concorrência.

Na verdade, todos os membros dos órgãos da Autoridade da Concorrência – sem qualquer excepção – são nomeados pelo Governo. O Conselho da Autoridade – o seu órgão máximo, e que integra e assume o pleno das competências, composto por um presidente e por até quatro vogais -, é nomeado na íntegra pelo Conselho de Ministros e é dissolvido, parcial ou globalmente, por decisão da mesma instância governamental ainda que, teoricamente, os respectivos mandatos possam ter a duração de até cinco anos, renováveis por iguais períodos.

Mas não é, apenas, no acto de nomeação e de exoneração que a governamentalização do órgão transparece.

Outro tanto sucede no seu funcionamento quotidiano já que carecem de aprovação prévia do ministro da tutela todos os instrumentos de gestão, desde o plano de actividades ao seu relatório anual, para já não referir outros actos de incidência financeira ou orçamental.

Noutro plano, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, não aparece explícita na estrutura da Proposta de Lei para a criação da Autoridade da Concorrência a vontade de a dotar de meios capazes de a fazerem desempenhar com eficiência os objectivos de fiscalização e de punição de actos anticoncorrenciais.

Neste campo não há alterações em relação às capacidades actualmente existentes e que, aliás, levaram o actual Presidente do Conselho de Concorrência a dizer recentemente que “qualquer política de concorrência deveria ter em conta a necessidade de reforçar os meios afectos à entidade com competência para investigar as infracções da Lei da Concorrência”.

Sobre esta necessidade, a proposta do Governo nada diz, não surpreendendo, portanto, que no contexto do quadro legal introduzido desde 1993, tenham sido dirimidos 13 processos nesse ano, 3 processos em 95, 2 processos em 1999 e um processo em 2001!

É demasiado pouco, são números clara e notoriamente insuficientes para situações – tantas vezes públicas e evidentes – de práticas de concorrência pouco claras, designadamente com origem em algumas empresas de dimensão significativa.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

Curiosa é também a regressão introduzida na proposta de lei do Governo no que respeita às intervenções extraordinárias em matéria de regulação das chamadas operações de concentração de empresas sujeitas a fiscalização prévia.

Na verdade, enquanto na legislação em vigor o Ministro da Tutela, face à decisão do Conselho da Concorrência, podia aceitar ou proibir – justificando – uma dada operação de concentração, agora, a sua intervenção apenas poderá intervir, extraordinariamente, para autorizar concentrações empresariais proibidas pela Autoridade da Concorrência. Isto é: se esta entidade governamental autorizar a operação de concentração, o Ministro aceita, se a Autoridade da Concorrência proíbe a operação de concentração, aí o Ministro pode vir a autorizar.

Para quem defende a fusão e concentração de empresas, a perspectiva neste plano criada na proposta de lei do Governo para a criação da Autoridade da Concorrência é “ouro sobre azul”.

Para quem defende e apoia, com actos concretos, a viabilização e a sustentação de uma rede crescente de empresas de média dimensão com capacidades significativas de intervenção no mercado, as perspectivas criadas por tal proposta não são francamente muito animadoras.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

O período de impedimento que no Artigo 14º é proposto para o estabelecimento de qualquer vínculo ou ligação entre os membros do Conselho da Autoridade e empresas tuteladas pela Autoridade da Concorrência parece ao PCP insuficiente, tanto mais que é o próprio Conselho Económico e Social a aconselhar impedimento por um “largo período de tempo após a conclusão do mandato”.

Da mesma forma, e por fim, o PCP deplora que na proposta de lei do Governo nem sequer se tenha considerado a hipótese da autoridade de concorrência poder passar a responder também, perante a Assembleia da República, designadamente através do envio obrigatório do seu relatório anual de actividades ao órgão legislativo.

Disse.