Lei de Bases do Desporto
Intervenção de Bruno Dias
17 de Outubro de 2003

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

De há uns anos a esta parte, de cada vez que se discute o sistema desportivo nacional, gera-se um habitual (aparente) consenso em torno da constatação do atraso estrutural do desporto português.

Os diagnósticos já existem e vão-se acumulando: a maior taxa de sedentarismo da União Europeia, a maior percentagem de casos de obesidade infantil, os piores indicadores da prática desportiva na população.

O Governo foi ainda mais longe, tendo chegado ao ponto de, assim que entrou em funções, logo pronunciar a inapelável sentença de que o sistema desportivo do nosso país “se encontra há muito esgotado”.

Só não sabemos se nessa afirmação, e nas constantes repetições que dela se têm feito, o PSD deste governo teve em conta que foi o mesmíssimo PSD que no passado tutelou esta área durante mais de 15 anos seguidos, com claras responsabilidades neste atraso.

Há exactamente um ano, em Outubro de 2002, a tutela montou uma operação mediática para apresentar o que chamou de “Reforma do sistema legislativo desportivo”. Estava traçado o caminho do Governo: a alteração ao quadro legal do sector, com o inevitável destaque para a Lei de Bases do Sistema Desportivo.

E aqui se colocam desde já duas questões.

A primeira, para afirmar claramente que, para o PCP, é de facto necessário proceder à actualização, ao acerto, de determinados aspectos da Lei. E foi de resto nesse campo do debate que se posicionaram, na sua esmagadora maioria, as entidades e agentes desportivos do nosso país – motivados aliás pelo apelo que lhes dirigiu o Senhor Ministro.

Perspectiva que era profundamente diferente do que veio a revelar-se ser a abordagem do Governo, com a redacção de uma nova lei de bases, deitando para o cesto dos papéis todo o ponto de partida inicialmente estabelecido.

Em segundo lugar, é uma evidência que ao longo da última década se foi produzindo abundante legislação sobre matéria desportiva, sem que daí tenha resultado qualquer avanço estrutural nesta área.

O que verificamos, pelo contrário, é essa verdadeira obsessão de sucessivos governos (e este não foge à regra) em marcar presença e território, como se de uma espécie de “pegada legislativa” se tratasse. Só que o percurso tem sido feito aos círculos – e o desporto português não avança.

Donde se conclui que, mais ainda do que intervenções no sistema legislativo, faltam sobretudo políticas coerentes, medidas concretas e meios que lhes correspondam. Sem essa alteração de fundo, não há reforma legislativa que possa melhorar o panorama actual.

Muito menos tratando-se de iniciativas como esta, passando completamente ao lado do movimento desportivo português. As estruturas representativas do sector não foram consultadas pelo Governo neste processo. O debate deste diploma até agora não foi bom nem mau – não existiu! O interlocutor do Senhor Ministro foi a caixa de correio.

E tudo isto depois do Governo se ter comprometido a, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, «conferir a esta actuação legislativa um amplo espaço de participação, trazendo para o domínio de intervenção normativa o pluralismo que deve caracterizar a acção política e pública e que é apanágio da prática desportiva».

Foi o que se viu.

Com esta atitude, o Governo perdeu claramente a oportunidade de apresentar ao Parlamento um diploma que dispensasse esta confrangedora operação de cosmética legislativa.

É apregoada uma suposta inovação… que não se concretiza. O diploma enuncia tópicos genéricos de inovação – mas sem os determinar. É caso para dizer, como se ouve ultimamente, Senhor Ministro, «não fale: inove».

É que a proposta do Governo, abrindo caminho a novos problemas, não vem resolver os problemas de fundo que existem. Porque há uma diferença substancial entre uma lei e uma declaração de intenções. E é nesta categoria que se integram as referências pias ao desporto escolar, ao desporto para a saúde, às instalações e equipamentos desportivos.

Fica tudo em aberto – é um verdadeiro cheque em branco à ordem do Governo, para mais tarde regulamentar.

Pelo meio, vai ficando o cenário bucólico do desporto no meio rural, do desporto e turismo, do desporto e ambiente.

Mas vão também ficando as malfeitorias e os retrocessos, como a desvalorização real do movimento associativo, ou o abandono do poder local à sua sorte, aliás na linha de toda a política do Governo.

Ou veja-se a ideia peregrina de remeter a fiscalização e a arbitragem desportiva para um organismo público claramente consultivo como é o Conselho Superior de Desporto.

Veja-se a concepção errada do desporto de alta competição, em que na prática se fica à espera que por um feliz acaso surjam os atletas mais dotados.

Veja-se a formulação abertamente discriminatória quanto à concepção de “prática desportiva feminina”, demonstrando a visão redutora e retrógrada do que é e pode ser a intervenção da mulher no desporto nacional.

Veja-se a norma absolutamente criminosa e aberrante que acaba por permitir a propriedade, por um indivíduo ou grupo económico, de quantas sociedades anónimas desportivas ele puder e quiser comprar –com a extraordinária novidade das SAD terem agora a porta aberta também no desporto amador.

É a prática desportiva popular de uma vez por todas transformada em negócio lucrativo e entregue ao capital financeiro!

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Esta proposta de lei do Governo constitui, ela própria, a imagem do que tem sido este ano e meio de governação PSD/CDS-PP em matéria de política desportiva.

Uma desoladora imagem de promessas não cumpridas, de precipitação e irresponsabilidade política, de falta de rigor e objectividade, e da clamorosa ausência de uma cultura de participação democrática.

E o problema torna-se ainda mais grave quando se verifica que tal não se pode reduzir a uma questão de incompetência (o que já seria grave). A questão é de opção política!

Não é que o Governo não soubesse fazer melhor – decidiu foi não fazer de outra maneira. Estamos perante uma actuação pensada, deliberada, decidida politicamente. E que justamente por isso é ainda mais grave e mais esclarecedora quanto ao pensamento e à prática deste Governo.

No entanto, e perante este quadro, o PCP evidentemente não deixará de participar, de pleno direito, com responsabilidade e com determinação, no processo legislativo deste diploma.

Estamos esclarecidos quanto às intenções do governo e da maioria que o suporta relativamente a um debate aberto e participado. Mas podem contar com a intervenção e o combate político do PCP.

Disse.