Senhor Presidente,
  Senhores Deputados:
  
  A passagem de um modelo de Forças Armadas baseado no Serviço Militar Obrigatório 
  para umas Forças Armadas de profissionais e contratados representa uma profunda 
  alteração qualitativa numa área particularmente sensível e de uma enorme importância 
  para a credibilidade externa do Estado. Um salto como esse exige, absolutamente, 
  ponderação, previsão completa dos efeitos do novo sistema, e clara definição 
  da resposta a dar aos problemas emergentes. Não se pode dar um salto como este 
  para depois verificar que afinal o sistema não funciona, que não há gente suficiente 
  para as necessidades, que se provocou uma crise grave nas Forças Armadas designadamente 
  quanto à sua aceitação pelo país, que se retirou toda a eficácia a quaisquer 
  mecanismos que assentem na obrigatoriedade do serviço militar, deixando a componente 
  militar de defesa poder degradar-se e perder os padrões mínimos que o país lhe 
  exige.
  
  Discutimos hoje esse novo modelo de Serviço Militar nas piores circunstâncias 
  imagináveis: quando o trabalho da Comissão e as audições feitas já demonstraram 
  que não há resposta na proposta do Governo para os problemas emergentes do novo 
  modelo, e que portanto o salto que se pretende dar é um salto no escuro, totalmente 
  inadmissível quando se está a tratar de defesa nacional e da sua componente 
  militar.
  
  Aqui estamos então sob o signo da superficialidade e do eleitoralismo. Superficialidade, 
  que se torna irresponsabilidade quando se vê o Governo a apresentar uma proposta 
  desta importância sem a preparar devidamente e sem medir as suas consequências. 
  Eleitoralismo, porque é agora, a seis meses das eleições, que chega a febre 
  de aprovar à pressa uma reforma com este alcance, mesma que esteja demonstrado 
  que a proposta tal como está feita é aventureira, imponderosa e contraditória.
  
  A superficialidade e o eleitoralismo começaram no Governo, mas depressa se estenderam 
  ao PSD, que resolveu, como o cuco, fazer a postura em ninho alheio. De facto, 
  o PSD entrou na corrida eleitoralista com um projecto apresentado há dias, em 
  boa parte decalcado de observações e críticas que toda a Comissão ouviu nas 
  audições, mas de que o PSD se resolveu apropriar. Aquilo que o PSD talvez achasse 
  que era um brilharete (copiar observações feitas e pespegá-las num papel a que 
  chama projecto), não passa de um pífio oportunismo, por que o PSD apresenta 
  um projecto sem ter o mínimo controlo sobre a informação de suporte. A proposta 
  do Governo é um tiro no escuro, a do PSD é um tiro para o ar. Aliás, os objectivos 
  do PSD ficam claros quando se registam três factos: primeiro, que o líder do 
  PSD veio à Assembleia discutir esta matéria com os Deputados da JSD, e não com 
  os Deputados da Comissão de Defesa. Quer lá o Professor saber de defesa nacional, 
  o Professor quer é votos! Segundo facto: a proposta de redução do período de 
  transição dos 4 anos propostos pelo Governo para um período de 2 anos, ainda 
  por cima com redução do período de SEN durante esses dois anos. Isto é, propaganda 
  irresponsável e oportunista, quando está provado que mesmo o período de 4 anos 
  é questionável por escasso! Terceiro facto: o ridículo de criticar o Governo 
  por continuar a propor o SMO como recurso para a falta de contratados e afinal 
  no artigo 37º propor o mesmo, com uns toques de disfarce, mas, na realidade, 
  exactamente o mesmo. O ridículo mata, Senhores Deputados do PSD!
  
  Esta irresponsabilidade e eleitoralismo do PSD e do PS não é de agora. Vem de 
  1991, quando foi aprovado o Serviço Efectivo Normal de 4 meses, com o qual o 
  PS competiu com uma proposta que previa a hipótese de um SMO de 3 meses. Hoje 
  não há ninguém que não diga que um SEN de 4 meses era a morte anunciada da obrigatoriedade 
  do serviço militar. O PSD vem agora com todo o despudor gabar-se disso. Na altura, 
  só PCP denunciar a farsa. O PS embarcou. Durante anos, os dirigentes do PS e 
  do PSD deixaram crescer, quando não alimentaram, uma campanha de descrédito 
  das Forças Armadas e do SMO. Não mexeram uma palha para dignificar a prestação 
  do Serviço Militar. Deixaram apodrecer a situação. Para quê? Para agora mostrarem 
  que não têm soluções sérias para os problemas que a reforma militar vem criar. 
  Não querem pagar o preço que, em termos orçamentais, ela representa para ser 
  eficaz. Apresentam propostas que são um logro, já que se baseiam na previsão 
  do recurso ao mesmo SMO com que dizem querer acabar. E um logro perigoso para 
  as Forças Armadas, por que nada pode garantir a exequilibilidade social de uma 
  obrigatoriedade quando a propaganda anuncia o fim da obrigatoriedade!
  
  A proposta do Governo sobre o serviço militar, repito-o, é uma proposta de enorme 
  fragilidade, imponderada, mal preparada, cheia de erros técnicos. Contam-se 
  por dezenas e dezenas as propostas de alteração na especialidade que foram apresentadas 
  à Comissão por especialistas e entidades diversas. A insatisfação é geral. Raramente 
  uma proposta consegue um tão longo largo de críticas e oposições.
  
  No espaço desta intervenção não é possível analisar todas as questões, mas apenas 
  as essenciais.
  
  Os desafios fundamentais para o modelo de Forças Armadas de profissionais e 
  contratados são essencialmente quatro: primeiro, o sistema tem de garantir que 
  consegue produzir o número de aderentes (profissionais e contratados) considerados 
  necessários para as missões e sistema de forças em tempo de paz; segundo, o 
  sistema deve conter os mecanismos necessários para o crescimento necessário 
  das Forças Armadas para as situações de excepção, incluindo a guerra; terceiro, 
  deve ficar garantida uma correcta compreensão por parte da população sobre os 
  deveres gerais militares que sob ela impendem, no quadro do dever de defesa 
  da Pátria; quarto, deve estar garantido que não se cria um fosso entre as Forças 
  Armadas e o país.
  
  A proposta é absolutamente um desastre, vista de qualquer destas quatro exigências.
  
  A questão insolúvel da proposta é que ela não faz o que anuncia, isto é, não 
  acaba com o SMO. Para acabar com o SMO teria de abrir os cordões à bolsa, propondo 
  remunerações atractivas, incentivos concretos e não balelas como doutoramentos 
  e mestrados, e muita flexibilidade na gestão destes incentivos ano a ano. A 
  questão teria de se pôr aqui como com uma qualquer outra actividade. A partir 
  do momento em que as Forças Armadas têm de concorrer no mercado para arranjarem 
  soldados, têm que ter meios para vencer a competição. Basta ler as críticas 
  da Associação Nacional dos Contratados do Exército para compreender que o Governo 
  está muito longe de ter percebido o problema.
  
  Como não quer abrir os cordões à bolsa, o que o Governo faz é pura e simplesmente 
  prever o que chama "recrutamento excepcional", e que não passa da manutenção 
  do SMO, ainda por cima na desgraçada versão do SEN de quatro meses! Só que, 
  entretanto, ao anunciar que esse SEN desaparecia mas afinal mantê-lo, cria todas 
  as condições para um conflito com os jovens, cujo despacho nada garante à partida 
  que seja favorável à componente militar de defesa nacional.
  
  Basta analisar a proposta para perceber o descalabro a que ela conduz.
  
  Desde logo, a proposta acaba com o recenseamento militar universal e subsequentes 
  operações de classificação e selecção, distribuição e alistamento. É uma opção 
  irresponsável, por quatro razões: primeiro, porque desta forma se dá cabo de 
  um conjunto de operações necessárias para conhecer a realidade da juventude 
  do ponto de vista das necessidades militares do País; segundo, porque esse conhecimento 
  é essencial para as operações de mobilização em situações de excepção; terceiro, 
  porque, propondo o Governo a continuação do SEN, tem que fazer o recenseamento 
  geral e definir a partir daí os critérios objectivos de recrutamento obrigatório. 
  Ou seja, é a própria lógica da proposta do Governo que obriga a fazer o que 
  o Governo dispensa, o recenseamento geral. A quarta razão pela qual esta opção 
  é uma opção errada tem a ver com uma outra questão central, onde o Governo falha 
  completamente e que é a ligação dos portugueses às questões e à realidade da 
  defesa nacional na sua componente militar. Este conjunto de operações representam 
  e consubstanciam uma expressão dos deveres militares que impendem sobre todos 
  os portugueses e a sua concretização é uma oportunidade para realizar um contacto 
  com as Forças Armadas. O Senhor Ministro vem com a escola e o seu papel formativo. 
  Muito bem, embora muitos de nós tenhamos tido a triste experiência da cadeira 
  de Organização Corporativa que o regime fascista impunha. Às vezes, isso tem 
  um efeito perverso...
  
  Mas, nada substitui o contacto directo, o conhecimento do que são as Forças 
  Armadas e as suas missões, conhecimento que estas operações permitem e que pode 
  e deverá ser potenciado.
  
  Ao mesmo tempo que acaba com o recenseamento geral, a proposta deixa sem resolução 
  os mecanismos para o crescimento das Forças Armadas em tempo de crise.
  
  Não há soluções ao nível do processo de mobilização, e a convocação dos contratados 
  aparece como uma espécie de recurso de via única, que funcionará inevitavelmente 
  como um desincentivo ao contrato! Aliás, esta convocação dos disponíveis após 
  contrato permite que seja feita nos seis anos seguintes mesmo que para além 
  de 35 anos, criando uma situação de desigualdade insustentável.
  
  A irreflexão da proposta vai ao ponto de ter ignorado sérios avisos que altos 
  responsáveis das Forças Armadas fizeram acerca do recrutamento de voluntários. 
  Os dados disponíveis mostram que o Exército precisará de subir das actuais praças 
  em regime de contrato em número de 8.600 para cerca de 16 mil. Ora, os números 
  mostram que das 8.600 praças contratadas a esmagadora maioria vem do SEN. O 
  que mostra que o SEN é o maior recrutador. Se o SEN acabasse, as consequências 
  sobre o recrutamento de contratados seriam desastrosas (agravadas por um índice 
  preocupante, que foi uma regressão no número de contratados entre 1997 e 1998 
  - menos cerca de 1000 militares). Depois de isto tudo, prever 4 anos para acabar 
  com o SEN é pura demagogia. Se fosse mesmo para acabar por imposição administrativa, 
  seria uma irresponsabilidade criminosa. Assim, é eleitoralismo barato e inconsequente.
  
  Por falta de tempo, não poderei fazer uma análise de especialidade detalhada 
  a outras questões que a proposta levanta. Falarei só de algumas, de passagem.
  
  O ficheiro de dados pessoais referido no artigo 48º (o "recenseamento de características 
  pessoais") corresponde a uma espécie de ficha do cidadão, com cruzamento de 
  informações. Era só o que faltava que a Lei do Serviço Militar servisse ao Ministro 
  Veiga Simão e ao Governo PS para criar um "Big Brother"!
  
  A dispensa de deveres militares para os jovens do ensino superior é um escândalo. 
  Mostra que o Governo quer uma espécie de exército da ralé, de que estão dispensados 
  os doutores e os engenheiros. Esta visão socialista do princípio da igualdade 
  é de um despudor sem limites!
  
  O princípio da igualdade é também violado no artigo 31º. Os deveres das mulheres 
  têm que ser iguais, para serem iguais também em direitos.
  
  Chamarei a atenção da Comissão para o artigo 38º, que modifica o regime actual 
  de garantias dos militares. Até hoje, ninguém podia ser prejudicado no seu emprego 
  por razão do cumprimento dos deveres militares. Nesta versão, só os que têm 
  emprego permanente é que são protegidos. Se se combinar isto com o incentivo 
  do pacote laboral do PS ao emprego não permanente, isto significa esvaziar enormemente 
  a norma.
  
  Finalmente, as penas aplicáveis às infracções passam a ser coimas. Quem tiver 
  "massa" paga! Não há política criminal que resista a esta negação de valores, 
  contida nesta alteração!
  
  Outros dois aspectos têm a ver com a questão de idade de recrutamento e com 
  o tempo de contrato. Não parece curial prever novamente o recrutamento aos 17 
  anos quando há um movimento internacional centrado na ONU, para passar a idade 
  mínima de serviço militar para os 18 anos.
  
  Por outro lado, os nove anos de contrato parecem excessivos. E muito mais excessivos, 
  absurdos mesmo, os contratos de 20 anos para certas situações. Vinte anos de 
  trabalho, se não é trabalho permanente, então o que é trabalho permanente?
  
  Não queria deixar de dizer umas breves palavras sobre a outra proposta do Governo 
  que também está em debate, de alteração da Lei de Defesa Nacional. A proposta 
  limita-se na maior parte a reproduzir as alterações à Constituição posteriores 
  à aprovação da Lei nº 11/82. Às vezes de forma inconsequente, dizendo como diz 
  a Constituição, que "a lei regulará" isto ou aquilo. Para dizer isso, não vale 
  a pena escrevê-lo... na lei. Por outro lado, partilhamos da crítica de que a 
  missão principal das Forças Armadas, a defesa militar da República, acaba diluída.
  
  Por outro lado ainda, é um bocado exagerado(!) dizer que a organização das Forças 
  Armadas se baseia em tempo de paz no serviço militar voluntário, quando o que 
  se constata na proposta respectiva, é que se mantém o SEN!
  
  O que interessa, entretanto, são as alterações ao artigo 31º. Não vou referir 
  as falsas alterações de redacção (basta ver o nº 4), ou até equívocas (ver o 
  nº 9, que permite a recusa de passagem à reserva). Vou referir a alteração ao 
  nº 6, que se refere ao direito de associação.
  
  A proposta é uma pura mistificação, por manter a obrigação das associações profissionais 
  terem de ter "carácter técnico ou deontológico". Esta norma pode mesmo dizer-se 
  que até já caiu em desuso, basta ouvir as audiências que a Comissão de Defesa 
  tem dado às associações sócio-profissionais sobre problemas sócio-profissionais 
  e até sobre questões com a relevância política e institucional que tem a presente 
  proposta de Lei de Serviço Militar.
  
  A apresentação desta proposta de nº 6 do artigo 31º viola compromissos públicos 
  que têm sido assumidos em nome do PS, corresponde a uma concepção retrógrada 
  do papel dessas associações e do que é o militar-cidadão, e representa, repito-o, 
  um recuo em relação à prática existente.
  
  Estamos claramente contra esta proposta, que justamente foi objecto de severas 
  críticas das associações e, implicitamente, dos muitos militares que defendem 
  abertamente o reconhecimento do associativismo socio-profissional (sem natureza 
  sindical). Essa posição é aliás hoje assumido por vários ex-chefes militares, 
  generais e almirantes, que subscreveram declarações nesse sentido.
  
  Terminamos com um desafio e com uma saudação. Está demonstrado que a proposta 
  de Lei do Serviço Militar não é uma base de discussão aceitável. Nem o clima 
  político pré-eleitoral é o clima de serenidade necessário para ponderar e tomar 
  decisões tão condicionantes para o nosso país e para a estratégia global do 
  Estado.
  
  Por isso, desafiamos os Senhores Deputados e o Governo a tomarem uma decisão 
  talvez eleitoralmente difícil, mas que o sentido de Estado impõe: Propomos aos 
  partidos aqui representados e ao Governo, a suspensão deste processo para 
  ser retomado após às eleições, com toda a serenidade e sentido da responsabilidade, 
  e com tempo suficiente para o seu estudo e decisão acertada.
  
  Enfraquecido por sucessivas crises, desde a crise das chefias militares do ano 
  passado, aos choques com a Comissão de Defesa e agora a crise do SIEDM e os 
  comportamentos impróprios que tem gerado, este Ministério da Defesa Nacional 
  não está à altura nem em condições de conduzir e ser responsabilizado por uma 
  reforma como esta. Para o fazer, teria de ter demonstrado outra sensibilidade 
  para os problemas que ela levante, outro posicionamento como Ministro desta 
  área.
  
  A proposta de suspensão do debate e adiamento para depois do período, corresponde 
  à defesa do interesse nacional na adopção de soluções concretas nesta área. 
  Mas é feita também pensando nas centenas de milhar de portugueses, de compatriotas 
  nossos que agora nos ouvem, e que cumpriram o Serviço Militar.
  
  Estes devem ser hoje aqui saudados, pelo contributo que deram à comunidade, 
  e que a muitos causou sacrifícios, às vezes irreparáveis.
  
  Eles têm o direito de esperar que a Assembleia da República não deite fora irreflectidamente 
  o património que essas gerações de conscriptos criaram, um património de relacionamento, 
  de cumprimento de obrigações, de solidariedade nacional. Eles exigem ponderação, 
  e defesa do interesse nacional.
  
  Disse.