Lei-Quadro dos Museus Portugueses
Intervenção de Luísa Mesquita
6 de Maio de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

A proposta de lei-quadro dos Museus que hoje apreciamos é há muito esperada, até porque vem substituir o Regulamento Geral dos Museus de Arte, História e Arqueologia de 1965.

Decorre também e, nesse sentido peca por tardia, da regulamentação da Lei do Património, publicada em Setembro de 2001, já lá vão quase três anos.

É neste contexto que abordaremos os seus objectivos e as respectivas propostas de operacionalização.

A área da cultura tem sido, ao longo destes dois anos de governação, alvo de esquecimento, particularmente no que diz respeito aos exíguos recursos financeiros que lhe têm sido atribuídos.

E esta política exclusivamente economicista, de sistemática contenção financeira foi lamentavelmente visível na área dos museus.

Todos nos lembramos, quando no decurso do ano de 2003, alguns Museus Nacionais deram notícia das inúmeras dificuldades com que se confrontavam, perante um restritivo orçamento de funcionamento e de investimento, que não respondia às necessidades mínimas da manutenção e conservação destes espaços culturais.

Todos nos lembramos da decisão que responsáveis de alguns museus tomaram ao encerrarem as suas portas por impossibilidade de garantirem mesmo que, de forma minimalista, os recursos humanos indispensáveis à sua abertura ao público.

E é exactamente porque sabemos dos inúmeros problemas que existem, quer no que se refere aos recursos humanos, quer no que se refere aos recursos financeiros que a iniciativa apresentada pelo governo, sendo um texto equilibrado, desejado pelas diferentes instituições no sentido de poder contribuir para promover a qualificação dos museus portugueses, pode ser também mera ficção se não houver o indispensável investimento por parte do Estado.

As migalhas orçamentais com que anualmente contam os museus portugueses, independentemente da tutela em causa, não são compatíveis com o quadro de exigências que é proposto.

Preenchido, de facto, o vazio normativo, inúmeras vezes solicitado pela comunidade museológica, é imprescindível que o diploma final responda às necessidades da nova realidade nacional, construída particularmente nas últimas décadas e não possa transformar-se por falta de meios em mais uma oportunidade perdida.

A proliferação de unidades museológicas exigiam, há muito, mecanismos legais capazes de garantir a sua funcionalidade, contrariar desequilíbrios qualitativos e geográficos, num cenário mais amplo de uma política nacional para esta área.

Segundo o relatório de 1998 do Observatório das Actividades Culturais, só cerca de 9% dos museus existentes cumpriam os requisitos básicos previstos na Lei, enquanto 29% estariam no limiar das condições mínimas de funcionamento.

Também por isso a urgência desta proposta de lei, da sua posterior regulamentação e aplicação.

O diagnóstico é conhecido, as debilidades também, urge agora que o governo cumpra as suas responsabilidades e não seleccione os bens culturais como vítimas primeiras do déficite.

Considerando agora o articulado proposto há alguns aspectos que gostaríamos de salientar.

Enuncia-se na exposição de motivos que o desenho legal atribui “grande relevância ao conceito da Rede Portuguesa de Museus e da credenciação de Museus” e que “Para garantia da oportunidade do sistema impõe-se, sequentemente, a criação do Conselho de Museus e a redefinição das competências do Instituto Português de Museus, como estrutura de execução da política museológica nacional”.

E de facto a proposta sustenta-se nesta arquitectura, daí a sua importância.

A rede nacional constitui um sistema baseado na adesão voluntária, de forma progressiva, dos museus portugueses, exactamente porque integra museus credenciados, mas a criação do Conselho de Museus anuncia-se como um instrumento de concretização desta política de rede.

E pouco se sabe dele, dado que é remetido para legislação posterior que, segundo consta, terá diploma também quase concluído.

É necessário que este órgão garanta uma representação diversificada, autónoma e qualificada como interlocutor privilegiado, junto da tutela.

E hoje era curial que o Sr. Ministro explicitasse, no mínimo, a sua composição e funções.

Seria desejável, na nossa opinião, que a Lei-Quadro acolhesse, pela relevância que terá, a criação deste Conselho, a sua missão primordial, que, nomeadamente, não poderá deixar de ser a emissão de parecer relativamente à política museológica nacional.

Um segundo aspecto é-nos suscitado pelo disposto nos artigos relativos aos recursos humanos e financeiros.

Esta oportunidade legislativa deveria consagrar o reforço da autonomia destes espaços culturais, quer no âmbito técnico, quer administrativo quer financeiro.

Ora em nenhum momento da proposta se prevê a existência de quadros de pessoal próprios e orçamentos privativos.

Assim o artigo 45º enuncia que “o museu dispõe, sempre que possível, de pessoal com habilitações reconhecidas em museologia” e num artigo posterior, a propósito dos recursos financeiros afirma-se que “As receitas do museu são parcialmente consignadas às respectivas despesas”.

É para nós incompreensível quer uma, quer outra proposta, porque ambas minimizam o objectivo fundamental da proposta que é a qualificação dos museus portugueses, reforçando os meios humanos e financeiros e simultaneamente garantido autonomia de funcionamento.

Ainda no âmbito dos recursos humanos, não deixa de ser contraditório com os objectivos anunciados e com a situação vivida nestes espaços de cultura, o conteúdo do artigo 47º ao prever a admissão de pessoal com carácter precário, numa área em que necessariamente tem que prevalecer o trabalho em equipa e em que a formação e qualificação ocorrem de forma progressiva e sobretudo do exercício da actividade.

Um terceiro aspecto remete-nos para o conceito de museu e colecção visitável.

Parece-nos importante a existência claramente diferenciada destes dois conceitos que permitirão a coexistência de diferentes realidades.

No entanto, o cenário museológico português é muito mais complexo e está bem caracterizado no parecer da Associação Nacional dos Municípios Portugueses que afirma o seguinte:

“A criação de museus é vista pelas pessoas com a única forma possível e seguramente correcta, de preservação de objectos e memórias associados a que essa é talvez a forma mais eficaz de valorização do património pressupondo também a participação da comunidade. Quantos dos museus não recebem mensalmente bens, das mãos de pessoas anónimas, que vêm como a única forma de preservação dos bens a incorporação num museu?”

É de facto assim, particularmente por alheamento dos governos que olham a salvaguarda e a divulgação do património cultural português, como uma despesa e não como um investimento, como um parente pobre não predestinado ao voto.

Por tudo isto é preciso aperfeiçoar, em sede de especialidade, este texto, ouvir os diferentes parceiros e aprovar não só medidas transitórias de carácter temporal para que os museus se adaptem ao cumprimento da lei mas também garantir apoios técnicos qualificados e financeiros motivadores da procura da credenciação, ou seja do reconhecimento da sua qualidade técnica e da sua importância patrimonial.

Nós estamos disponíveis para contribuir para a concretização desse pacto entre o Estado e todas as entidades que detêm bens culturais nesta área.

Disse.