Sobre a situação das crianças e jovens em risco
Declaração de Jerónimo de Sousa Secretário-geral do PCP
Lisboa, 3 de Maio de 2005

Pobreza – as crianças e jovens o elo mais fraco...

Aumentou nos últimos cinco anos, em Portugal, o número de crianças e jovens em risco. Cresceu, por esse facto, também o número de crianças e jovens que todos os dias chegam às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Uma realidade que é reflexo da progressiva degradação da situação social e laboral no nosso país e que transforma as crianças e os jovens no elo mais fraco e mais vulnerável de uma realidade social marcada também pelo agravamento dos factores de exclusão social e da pobreza.

De acordo com o recentemente relatório da UNICEF (2005) Portugal apresenta, na faixa etária das crianças e jovens com menos de 18 anos uma taxa de pobreza superior à média dos 25 países da OCDE. Com efeito, encontram-se nestas condições cerca de 320 mil crianças e jovens, o correspondente a 15,6%, enquanto na Dinamarca e Finlândia essas percentagens não excedem, respectivamente, 2,4% e 3,4%.

As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens são hoje confrontadas com um inaudito volume de processos que praticamente triplicou nestes últimos três anos. O aumento do número de processos de 15 970 em 2002 para cerca de 45 000 em 2004, revela uma dramática realidade sobre a qual urge intervir. Sabendo-se que às Comissões de Protecção chegam, em geral, apenas as situações extremas de risco detectadas e em resultado de uma iniciativa de apoio é de prever que o universo das crianças e jovens privados do direito à satisfação das suas necessidades e dos seus direitos seja imensamente maior.

Embora as situações de risco tenham causas sociais diversas, uma parte significativa deste agravamento da situação das crianças e jovens é o resultado do aumento do desemprego, dos baixos salários e do ciclo de pobreza e de exclusão social que atingem milhares de famílias – na sua maioria agregados familiares nucleares, em idade activa e com profissões pouco qualificadas, incluindo as famílias monoparentais, que as impedem de puderem assumir as suas responsabilidades na protecção das suas crianças e jovens e de promoverem a sua segurança, educação, saúde e desenvolvimento integral.

Esta preocupante realidade e dimensão dos problemas exigem o urgente reforço da intervenção por parte do Estado que não pode continuar a demitir-se das suas responsabilidades na promoção dos direitos das crianças e dos jovens.

Dos contactos havidos com diversas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em risco é evidente que, não obstante o empenho dos seus membros, estas se encontram com carências e dificuldades de vária ordem para responder aos mais prementes problemas. No que diz respeito ao funcionamento e à intervenção das Comissões de Protecção, em muitos casos deparam-se com falta de técnicos a tempo inteiro, designadamente destacados pelos Ministérios da Segurança Social, da Educação e também dos Serviços Públicos de Saúde que permitam dar cabal resposta ao crescente número de processos e situações, mas também a inexistência de meios financeiros suficientes e insuficientes estruturas de apoio social às crianças e às famílias.

É necessário que o Governo tome medidas que visem a consolidação da acção das Comissões de Protecção, nomeadamente assumindo inteiramente as suas acrescidas responsabilidades, através dos organismos desconcentrados do Estado, no êxito deste trabalho de parceria com as diversas entidades locais e ao mesmo tempo a sua responsabilidade na promoção de respostas públicas integradas que actuem de forma preventiva na eliminação de novos factores de risco e que permitam garantir os direitos das crianças e jovens.

Não basta, porém, a intervenção das Comissões de Protecção às crianças e jovem em risco, não basta, por isso, apelar à solidariedade da sociedade, dos cidadãos, das organizações sociais e das entidades de solidariedade social. É indispensável que o poder político e a Administração Central assumam particulares e especiais responsabilidades neste processo.

A eliminação de uma parte significativa destas situações de risco passam por uma profunda alteração nas políticas económicas e sociais que possibilitem a criação das adequadas condições de vida e de trabalho aos pais que lhes permitam assumir as suas responsabilidades para com os seus filhos. Agir sobre as causas da pobreza e na promoção de melhores condições de vida e de trabalho das famílias só é possível com uma nova política. Não há soluções que resolvam a contradição das actuais políticas neoliberais de desvalorização do trabalho e dos salários, do aumento do desemprego e da precariedade que produzem sempre mais pobres que aqueles que as instituições podem recuperar com a sua acção e intervenção.

E se é necessário garantir mais apoios e lançar novos programas e planos de apoio de combate à pobreza e de apoio às crianças e jovens que ajudem a inverter a actual tendência, não há êxito duradouro nesse combate à diminuição dos factores de risco nas crianças e jovens sem uma política que promova o emprego, a formação profissional, uma mais justa repartição do rendimento nacional, o direito à habitação e o fortalecimento dos sistemas de segurança social, saúde e ensino.

Não há solução na inversão da grave situação que se apresenta sem um forte investimento social de forma a criar estruturas que permitam respostas integradas às crianças e famílias. É necessária uma forte aposta numa Rede Pública de apoio à primeira infância e à infância com equipamentos de qualidade e a preços acessíveis para as famílias das camadas trabalhadoras e que seja planeada de acordo com as necessidades de cada região do País. É necessário garantir a generalização da Rede Pública pré-escolar que incluam a ocupação dos tempos livres, a par do desenvolvimento de uma efectiva acção social escolar capaz de garantir às crianças do ensino obrigatório, designadamente de um suplemento alimentar completo, transportes escolares e quando necessário assistência médica escolar. São necessárias mais iniciativas de combate ao abandono e insucesso escolar e o alargamento do modelo de recrutamento e selecção de jovens para o Ensino Profissional para evitar situações de exclusão social dos jovens.

A transmissão intergeracional da pobreza que é um fenómeno persistente na sociedade portuguesa torna particularmente vulneráveis os jovens menores de 16 anos. Portugal continua com baixíssimas percentagens de apoios sociais comparativamente à média europeia direccionadas no combate a esta dramática realidade, nomeadamente nas áreas da “protecção social” e na “ educação” transformando a tão apregoada política de igualdade de oportunidades numa completa falácia.

Importa, ainda sublinhar a existência de situações de risco traduzidas por abandono, negligência, maus-tratos físicos e psicológicos que resultam do aumento de problemas de saúde mental, de alcoolismo e toxicodependência de familiares, problemáticas que obrigam à retirada provisória destas crianças do meio familiar.

Nestas situações importa adopção de medidas da responsabilidade da Administração Central que assegurem designadamente o acompanhamento das famílias, por parte dos serviços públicos de saúde e da segurança social e tendo como objectivo a criação de condições que permitam o regresso destas crianças para o meio familiar. Neste quadro é necessário criar condições para se implementar uma Rede Pública de acolhimento temporário destas crianças, garantindo a proximidade geográfica entre a criança e a família.

São inadiáveis o reforço da intervenção no apoio às crianças e jovens em risco, um verdadeiro combate à pobreza infantil e à promoção dos direitos das crianças e jovens e a prevenção ou o fim das situações que afectam a sua segurança, saúde, formação e desenvolvimento integral impõe a realização de novas políticas que visem o promover os direitos das crianças e que assegurem a todas, independentemente da sua condição social ou étnica a defesa e promoção dos seus direitos – à alimentação, habitação, saúde e ensino – que lhes permita um crescimento harmonioso e um desenvolvimento integral que se repercuta positivamente ao longo da sua vida.