Sobre a reunião do Comité Central
Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
30 de Junho de 2005

 

O Comité Central do PCP procedeu à análise das medidas do Governo e fez uma avaliação das consequências negativas em que estas medidas se traduzem para as condições de vida e para o próprio desenvolvimento económico do País.

O Comité Central do PCP avaliou também o significado do resultado dos referendos de França e Holanda sobre o Tratado Europeu e a nova situação criada com o fracasso da reunião do Conselho Europeu.

Foram ainda debatidas e definidas as principais orientações e tarefas em curso, designadamente a preparação das eleições autárquicas e a questão das eleições presidenciais.

No que se refere à situação económica e social do País, o Comité Central reafirma a posição estratégica de que o principal problema que os portugueses enfrentam não é o do défice das contas públicas, mas sim, como todos os dias os dados e os factos da economia nacional evidenciam, a fragilidade e vulnerabilidade do tecido produtivo nacional, a sua incapacidade para responder à procura do mercado interno e a sua impotência para competir nos mercados externos.

São estas as questões nucleares que pesam na conjuntura económica do País e são a fonte do défice das finanças públicas e a origem do seu agravamento que destroem os alicerces de um Portugal com futuro.

Este é o resultado das erradas políticas neoliberais, das privatizações e da liberalização total dos mercados, em nome da bondade da gestão privada e de uma impossível e falsa livre concorrência, da opção pelo monetarismo e pela moeda única, o euro e o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O Comité Central sublinha a responsabilidade das políticas de direita de sucessivos governos, conduzidas segundo os interesses do grande capital nacional e na subserviência ao capital estrangeiro, que teve como consequências uma balança comercial com um défice (face ao PIB) dos maiores da UE, uma brutal restrição do investimento público e níveis de desemprego inquietantes, uma massa de trabalhadores onde predominam os baixos salários e o endividamento familiar.

O Comité Central do PCP destaca, na actual situação, os graves problemas do sector têxtil e do vestuário, da metalurgia, da cristalaria e da cerâmica, da cablagem e outros subsectores eléctricos e da electrónica, e da construção civil. Problemas na indústria transformadora que se somam às crises profundas da agricultura e das pescas, e do comércio tradicional.

O Comité Central do PCP reafirma que as respostas do Governo do PS/Sócrates são uma e a mesma solução ensaiada nos últimos anos por sucessivos governos e cujos eixos centrais são: o acento tónico e estratégico das políticas económicas colocado no combate ao défice orçamental e subordinação ao Pacto de Estabilidade, com a resposta no corte da despesa pública; a concretização de opções e políticas inteiramente determinadas pelas orientações comunitárias, de destruição do tecido produtivo nacional; a continuação das privatizações; o agravamento da injustiça fiscal, fazendo crescer o peso dos impostos indirectos, em particular do IVA, nas receitas fiscais e o descabelado ataque e afronta aos trabalhadores da Função Pública, em nome de pretensos privilégios, com o nivelamento dos seus estatutos profissionais por baixo, pelo sector privado.

A «novidade» das respostas do Governo PS/Sócrates reside na demagogia e as tentativas para dividir os portugueses, procurando atirar os trabalhadores do sector privado contra os trabalhadores da Administração Pública, fazendo destes trabalhadores os bodes expiatórios do mau desempenho do aparelho de Estado, passando ao mesmo tempo uma esponja às responsabilidades da política de direita, inclusive a concretizada por governos do PS.

O Comité Central do PCP denuncia a repetição das fórmulas mistificatórias dos sacrifícios para todos – que o volume e taxas de crescimento dos lucros dos principais grupos económicos e financeiros, com a correspondente distribuição de vultuosos dividendos desmascara completamente – e dos sacrifícios hoje, o desafogo amanhã, usada até à exaustão nos últimos 30 anos por sucessivos primeiros-ministros.

O Comité Central do PCP sublinha a pesada responsabilidade política do PS ao defraudar o sentido de voto dos portugueses a 20 de Fevereiro, pela mudança de políticas e renegando, mais uma vez, promessas eleitorais.

O CC insiste na necessidade de romper definitivamente com os pressupostos em que assentam as políticas de direita e as suas opções estratégicas e reafirma que, na actual situação, a questão crucial para responder às dificuldades e à crise tem que resultar de medidas capazes de impulsionar a produção nacional, a ampliação e defesa do mercado interno, a melhoria da competitividade das nossas exportações, rompendo com o esgotado modelo de mão-de-obra barata e num perfil produtivo desvalorizado.

O grande desafio com que o País está confrontado é o do crescimento económico e o do combate decidido aos défices estruturais da economia portuguesa: na produção de bens materiais transaccionáveis, e em particular agro-alimentares, energéticos, tecnológicos e na estrutura de transportes e logística.

Um défice combatido, no essencial, pelo ângulo da despesa e pelo corte no consumo, como é feito, é meio caminho andado para afundar a economia em nova depressão e prolongá-la por muito tempo e cujo resultado final, como a história recente dos défices demonstra, serão um novo défice e nova dívida pública mais agravados.

Por outro lado, para o CC do PCP o combate ao desequilíbrio das contas públicas exige uma intervenção privilegiada e decidida do lado das receitas, o que não significa abandonar uma intervenção persistente do lado das despesas, particularmente pondo fim ao laxismo de despesas não essenciais, desnecessárias e injustificáveis. Crescimento das receitas pelo crescimento económico, pelo alargamento da base tributária e o combate à fraude e à evasão fiscais.

No que se refere à proposta de orçamento rectificativo apresentada pelo governo, esta confirma a aplicação de uma política de continuidade, nas opções fundamentais em relação ao governo anterior. Uma proposta que vai no sentido do aumento do desemprego e da secundarização do crescimento económico, de aumento da receita fiscal à custa dos impostos indirectos, penalizando os rendimentos mais baixos. Uma proposta que segue a política de privatizações, sem que o governo diga quais as empresas que tenciona privatizar, e introduz um regime de lavagem de dinheiros fugidos ao fisco e de perdão dos crimes que lhe estão associados. Uma proposta que mantém o subfinanciamento dos sectores sociais, designadamente da saúde e da segurança social, mantendo-se o incumprimento da respectiva lei de bases.

O Comité Central do PCP realça a dimensão da resistência e da luta dos trabalhadores e dos diversos sectores sociais, na exigência da resolução de problemas e satisfação de aspirações há muito sentidas, na concretização das expectativas de mudança alimentadas por muitos portugueses com as eleições de 20 de Fevereiro, no combate à arrogância e à lógica de exploração dos grupos económicos e financeiros, na luta contra as medidas injustas e desastrosas do Governo PS.

O Comité Central saúda em particular a luta dos trabalhadores não docentes das escolas, a grandiosa manifestação dos trabalhadores da Administração Pública de 17 de Junho, a poderosa jornada de luta dos profissionais das forças de segurança de 22 de Junho, a luta dos professores (que o Governo PS tentou maldosamente identificar como um boicote aos exames, procurando confrontar os professores com os alunos e ameaçando com medidas repressivas sem paralelo no regime democrático), as lutas dos pescadores de Sesimbra, dos trabalhadores dos STCP, da Carris, da EMEF, da Refer, da Transtejo, de empresas rodoviárias de passageiros, a greve nacional dos enfermeiros, a importante jornada nacional de luta descentralizada promovida pela CGTP-IN em 28 de Junho.

O Comité Central do PCP considera que a continuação e intensificação da luta dos trabalhadores e do povo português são o elemento decisivo para obrigar o Governo a recuar nas medidas injustas e desastrosas que anunciou e desencadeou, e constituem um sério aviso para que não prossiga o caminho de aprofundamento da política de direita, que sacrifica os interesses do povo e do País. A resistência e a luta são uma forma de protesto, um acto de mudança e constituem um elemento essencial de construção do futuro.

O Comité Central do PCP fez uma primeira apreciação às questões das eleições presidenciais e decidiu chamar à atenção para a continuada campanha que desde há meses vem sendo lançada, de promoção da candidatura de Cavaco Silva às eleições presidenciais.

Campanha habilmente gerida para progressivamente se impor, pela ausência de outras, como uma candidatura ganhadora, esta campanha tem por objectivo proceder a uma lavagem do seu passado recente enquanto primeiro-ministro e das suas responsabilidades por uma política reaccionária que, até desertar dessas funções, tantas amarguras e retrocessos impôs aos trabalhadores e ao povo português.

O Comité Central do PCP regista com preocupação a aparente subestimação, ou inexplicável resignação, que o PS, e outros, evidenciam perante a afirmação progressiva da candidatura de Cavaco Silva, bem como as consequências negativas que as opções políticas de direita assumidas pelo Governo do PS podem trazer à construção de uma base de apoio democrática indispensável para bater Cavaco Silva, ou outro candidato da direita.

O Comité Central reafirma a sua plena determinação para, como o XVII Congresso aprovou e a sua actuação passada testemunha, intervir nesta batalha «com o objectivo de impedir que a direita se aposse deste órgão de soberania e consequentemente, sem perder o seu grau de decisão soberana e autónoma e afirmação da sua opinião própria, contribuir para um resultado capaz de assegurar a defesa da Constituição e o prosseguimento do regime democrático que ela comporta e projecta.».

Neste quadro, o Comité Central decide que o PCP intervirá nesta importante batalha democrática e eleitoral com um candidato próprio que, no desenvolvimento da sua intervenção: afirme os valores que devem estar presentes no exercício da magistratura presidencial; dê voz às inquietações, problemas e aspirações que os trabalhadores e a generalidade dos portugueses enfrentam; coloque as grandes questões com que Portugal está confrontado e que ameaçam o seu futuro, em consequência da política de direita e de abdicação nacional; assegure o indispensável esclarecimento sobre a natureza da candidatura de Cavaco Silva e os perigos que decorreriam da sua vitória; e garanta a mobilização dos eleitores de esquerda indispensáveis à derrota do candidato e dos projectos da direita.

O Comité Central do PCP destaca o significado do falhanço do Conselho Europeu de Bruxelas, de 16 e 17 de Junho, como consequência directa da vitória do «Não» na França e na Holanda, consubstanciando uma significativa derrota do projecto de uma «Constituição» ou «Tratado Constitucional». Derrota que constitui um forte revés para as actuais orientações federalistas, neoliberais e militaristas da presente integração europeia.

Constitui uma séria derrota das forças sociais e políticas do grande capital europeu, dos partidos conservadores e da direita, mas também dos estados-maiores dos partidos socialistas e sociais-democratas e um sério revés e aviso para todas as forças e partidos que tem conduzido a integração europeia ao serviço do grande capital e grandes potências, com o objectivo de fazer da União Europeia um super Estado, um bloco económico-político-militar para a guerra económica e a competição imperialista com os EUA e o Japão.

Igualmente, a não conclusão pelo Conselho Europeu das chamadas Perspectivas Financeiras (balizas dos orçamentos comunitários para o período de 2007/2013), reveste-se de grande importância para Portugal.

Ao contrário do que afirma o Governo português, o que estava em cima da mesa não era uma boa solução para o País, já que nem sequer garantia, num quadro de previsível aumento das nossas dificuldades face ao alargamento, uma participação igual à do actual Quadro Comunitário de Apoio.

O Comité Central do PCP realça a importância da derrota das propostas e teses do PS, PSD e CDS, que insistiram, já depois da vitória do «Não» em França e na Holanda, na realização de um referendo ao dito Tratado, e na sua coincidência com as eleições autárquicas, o que constituiria uma farsa política e uma fraude antidemocrática.

A vitória do «Não» em França e na Holanda feriu de morte o projecto do Tratado, tornando-o nulo, e obrigando inapelavelmente à reabertura e profunda reconsideração do processo, sendo a inutilidade do referendo flagrante, pelo que só tentativas manipulatórias da opinião pública, quer face ao Tratado, quer face às eleições autárquicas, o podiam defender.

O Comité Central do PCP, reafirmando a sua frontal oposição a uma qualquer «Constituição europeia», que significará sempre uma violação da soberania dos países e dos povos, e, portanto, a qualquer ideia de adiamento do projecto de Tratado reprovado pelos povos francês e holandês, apela aos trabalhadores e ao povo português, para continuarem a luta por um Portugal soberano e de progresso numa Europa de paz e cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos.

O Comité Central do PCP regista positivamente o avanço desenvolvido em todo o País pelas organizações do Partido e as estruturas locais da CDU, nas tarefas de preparação das eleições autárquicas. Sublinhando o significativo acolhimento e apoio que a generalidade das candidaturas até agora apresentadas tem recolhido, o Comité Central chama a atenção para a importância de ser dada continuidade ao trabalho de formação das listas, às acções de divulgação e valorização do trabalho realizado e à elaboração dos programas eleitorais, numa base de alargada participação.

O Comité Central do PCP sublinha a importância de – num quadro em que milhares de eleitores se encontram legitimamente decepcionados pelas promessas não cumpridas pelo PS na últimas eleições legislativas – fazer convergir para o apoio à CDU todos aqueles que identificam nesta força um espaço de participação democrática, de respeito com os compromissos assumidos e de empenhada intervenção na resolução dos problemas locais e de todos quantos, também aspiram a uma política diferente e de esquerda, capaz de imprimir um novo rumo à vida política nacional.

O Comité Central salienta, entre outras, como áreas de intervenção e iniciativa do PCP no futuro próximo: o estímulo ao desenvolvimento da luta de massas, em defesa de direitos e de melhores salários, contra as medidas negativas do Governo PS; o prosseguimento da apresentação das propostas e da política alternativa capazes de responder aos problemas do País; a preparação das eleições autárquicas, em particular o esforço concentrado na elaboração e apresentação das listas; e a intensificação do trabalho para garantir o êxito da Festa do Avante! que se realizará a 2, 3 e 4 de Setembro.

O Comité Central sublinha o grande significado político que constituiu a homenagem prestada pelos comunistas, pelos trabalhadores e pelo povo a Álvaro Cunhal.

As centenas de milhar de pessoas que marcaram presença nas ruas de Lisboa no passado dia 15 são o melhor testemunho do reconhecimento dos valores de coragem, coerência e dignidade que marcaram a vida de Álvaro Cunhal, são expressão de um Partido profundamente enraizado nas massas, e constituem a maior prova da determinação deste grande colectivo partidário, de prosseguir a luta com uma inabalável confiança no futuro e nos ideais do socialismo e do comunismo. A imensa multidão que marcou presença no «Até Sempre» ao Camarada Álvaro Cunhal, testemunha a actualidade do ideal e do projecto comunistas, mostra quão vivo e actual é o património de causas e valores que unem os militantes comunistas, numa entrega consciente e assumida à luta por uma vida melhor para Portugal e para os portugueses.