Intervenção do deputado
Octávio Teixeira

Sessão Solene de Abertura da VIII Legislatura

19 de Novembro de 1999


Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhores Membros do Governo
Senhoras e senhores Convidados
Senhoras e senhores Deputados

Nesta (julgo que inédita) sessão de abertura da nova legislatura quero, em nome do Grupo do Parlamentar do PCP, fazer duas breves declarações e uma sucinta reflexão.

A primeira declaração tem a ver com a acrescida responsabilidade do Governo face aos resultados eleitorais do passado dia 10 de Outubro.
No espaço de uma semana, decorrido entre a contagem dos milhões de votos dos cidadãos eleitores residentes no país e a contagem relativa às escassas dezenas de milhar de votos dos portugueses residentes no estrangeiro, as perspectivas dos resultados eleitorais definitivos alterou-se significativamente: de uma minoria relativa tida como certa por todos, e em particular pelo PS, passámos à realidade de uma igualdade entre deputados que apoiam o Governo e deputados que representam partidos políticos que se opõem ao partido no Governo.
Do ponto de vista político, isto significa substantivamente que o Governo e o Grupo Parlamentar que formalmente o apoia, não dispondo embora de uma maioria absoluta nesta Assembleia, têm a possibilidade de rejeitar, liminar e cegamente todas as propostas provindas das oposições. Esta situação de facto cria, desde logo, uma primeira e acrescida responsabilidade política e democrática ao Governo e ao PS: a de não se deixarem cair nessa tentação.
Mas este resultado eleitoral expresso na representação parlamentar, suscita uma segunda, e não menor, responsabilidade política para o Governo. Se com uma maioria relativa de deputados, o Governo poderia encontrar pretexto para continuar com a “navegação à vista”, com a gestão do dia a dia e o adiamento permanente das medidas e reformas políticas de maior fôlego que o país e a sociedade portuguesa exigem, com a “paridade” parlamentar obtida o Governo deixou perdeu esse pretexto. O Governo deixou de ter qualquer álibi para prolongar a ausência de vontade política, manifestada na anterior legislatura, para afrontar interesses e regalias ilegítimos implantados na sociedade portuguesa.

A segunda declaração que pretendo fazer, reporta-se ao posicionamento que o PCP e o seu Grupo Parlamentar assumem neste quadro político.
Somos, declarada e francamente, oposição de esquerda ao Governo. Seremos oposição tão frontal quanto responsável. Mas, e sobre isso não restem dúvidas, os nossos compromissos primeiros e essenciais são aqueles que assumimos com os eleitores, nos nossos programa e campanha eleitorais.
De forma séria e transparente, tudo faremos para honrar esses compromissos como, aliás, sempre o temos feito.
Apresentando e defendendo empenhadamente as nossas propostas e projectos de lei, visando mais democracia e maior afirmação dos direitos e liberdades, mais progresso económico, mais justiça social, mais respeito pelos que trabalham e pelos seus direitos, mais solidariedade para com os que mais dela necessitam, mais independência do poder do poder político face ao poder económico.
Opondo-nos e combatendo, sem tibiezas e sem receios de qualquer natureza, todas as medidas e políticas que sejam contrárias a estes princípios e a estas orientações. Venham elas de onde vierem.
Repito, os nossos compromissos são com os portugueses, com os trabalhadores e com os nossos eleitores. Não com qualquer dita estabilidade governativa alicerçada na confusão e na falta da verdade e da transparência políticas.

A reflexão, sucinta embora, que me proponho fazer, tem como ponto de partida a regular tendência de crescimento da abstenção que se vem registando nos sucessivos actos eleitorais. Estando longe de ser o único, este é para nós um dos preocupantes factores no funcionamento do sistema político que se vêm registando no nosso País.
Factores que, apontando para a necessidade de mudanças, têm servido de pretexto a muitos para discorrerem sobre a “reforma do sistema político”, mas visando na verdade objectivos políticos menos edificantes. Há, por exemplo, os que sob este “chapéu de chuva” querem alterar as regras da proporcionalidade (já agora distorcida) para conseguir mais peso político na Assembleia da República, com os mesmos (ou até com menos) votos. Tal como há quem queira justificar, com as “culpas” do sistema político, as promessas aos eleitores que não sabem ou não querem cumprir.

Como o PCP repetidamente o tem dito e escrito, é de facto imprescindível melhorar a identificação dos cidadãos com o sistema político, melhorar a vida democrática, a qualidade e as possibilidades efectivas da participação dos cidadãos.
Mas isso não justifica operações de engenharia eleitoral, distorcendo a conversão democrática dos votos em mandatos ou susceptíveis de adulterar os comportamentos eleitorais.
Diversamente, o que básica e essencialmente se exige é uma alteração profunda das atitudes dos que exercem a função e os cargos políticos, acompanhada da permanente vigilância e intervenção pedagógica da mais alta figura do Estado travando os ímpetos de governamentalização de todos os orgãos de poder e impedindo a utilização abusiva do aparelho do Estado ao serviço de interesses eleitoralistas e partidários.
Os níveis elevados de abstenção, ou o descrédito crescente dos cidadãos nos órgãos do poder, na Assembleia da República com no Governo, tem fundamentalmente a ver com o facto dos cidadãos não verem os seus problemas resolvidos, com o facto de verificarem que as promessas em que acreditaram mais não foram que formas ilegítimas de arregimentação de votos.
O que afasta os cidadãos da política, é a permanente verificação de profundas divergências entre inflamadas declarações de princípios de políticos e de partidos políticos e a sua prática.
É por exemplo, assistir a uma forte campanha na tentativa de imposição por via legal das celebradas “quotas” para mulheres nos órgãos do poder, e verificar que quem nessa campanha mais empenhado se mostrou, logo de seguida esqueceu esse princípio na formação das suas listas eleitorais e na formação do Governo. Ou é, ainda, constatar que quem mais se bate pela criação de círculos eleitorais uninominais, com o pretexto de aproximar os eleitos dos eleitores, ser quem mais deputados virtuais elege, porque logo deixam de o ser no dia da tomada de posse da Assembleia da República.
O que leva os cidadãos a manifestarem um muito preocupante descrédito pela Assembleia da República, são as tendências de governamentalização da vida política e o exagero com que muitos cultivam no discurso parlamentar a mera retórica de palavras ocas, em vez de darem voz aos problemas que diariamente afligem e interessam os seus eleitores.
É verificarem que em vez do reforço dos poderes de fiscalização da Assembleia sobre o Governo, o que de há muito se vem assistindo é à sua redução.
É constatarem a baixa eficácia dos trabalhos parlamentares, por exemplo na resposta às petições dos cidadãos e, de uma forma mais geral e mais uma vez, na resposta concreta e eficaz aos problemas e aos interesses dos cidadãos.
É serem confrontados com o facto de durante praticamente toda uma legislatura os serviços de informações terem estado sem fiscalização, por responsabilidade dos dois maiores grupos parlamentares, ou com a convocação de um referendo menos de 24 horas depois de a Assembleia ter aprovado uma lei sobre a questão.

O PCP, senhor Presidente e senhores Deputados, entende que são vantajosos e necessários aperfeiçoamentos do nosso sistema político. Nisso estamos empenhados, para isso não regatearemos esforços.
Se os objectivos efectivamente pretendidos forem, por exemplo: o reforço da proporcionalidade do sistema eleitoral e da intervenção dos cidadãos no exercício do poder; uma maior responsabilização dos políticos; a criação de condições para maior rapidez na investigação e julgamento de processos que envolvam grupos económicos ou políticos; a criação de registos de interesses para todos os cargos políticos; o alargamento do período e conteúdo de impedimento do exercício de certas funções privadas após exercício de certas funções políticas e públicas; a proibição do financiamento de partidos políticos por empresas; a efectiva redução substancial das despesas eleitorais; ou o levar a democracia a todo o país, particularmente ao interior das empresas e a instituições em que direitos elementares continuam a ser recusados aos que as integram; ou, ainda, o combater de forma eficaz a lentidão e o elevado custo da Justiça.
Em suma, para aperfeiçoar o sistema político em todas as suas dimensões podem contar com o PCP e com o seu Grupo Parlamentar.
Para o aperfeiçoar, mas não para o degradar!