Voto de pesar pelo falecimento do Deputado Lino de Carvalho (*)
Intervenção de Bernardino Soares
16 de Junho de 2004



Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

 

Quero em primeiro lugar agradecer a todas as bancadas, a todos os Deputados bem como a todas as pessoas e instituições que nos últimos dias manifestaram o seu pesar pela morte de Lino de Carvalho e que nos dirigiram a sua solidariedade.

Penso que todos imaginarão como é difícil para esta bancada intervir neste voto de pesar.

A consternação geral que se verificou com a morte de Lino de Carvalho é bem o testemunho do valor e da dimensão do homem que perdemos na semana passada.

Não serão pois necessárias muitas palavras para deixar clara a gravidade da perda que constitui o desaparecimento do Lino de Carvalho. Mas as palavras não são suficientes para expressar de forma completa o valor que teve o Lino de Carvalho como comunista, como Deputado, como cidadão e como camarada e amigo.

Pode dizer-se que Lino de Carvalho foi um homem com uma vida de plena dedicação às suas causas: ao seu Partido, à democracia, à liberdade, ao progresso social. Corajosamente lutou contra o fascismo antes do 25 de Abril, com os seus camaradas comunistas e com muitos outros democratas. Empenhou-se com entusiasmo na conquista de mais e melhores condições de vida para o povo, de mais desenvolvimento para o país. Deu ao PCP, ao longo de 35 anos, o melhor das suas capacidades e do seu trabalho.

Foi um parlamentar brilhante que muito contribuiu para a intervenção do Grupo Parlamentar do PCP mas que também muito prestigiou a Assembleia da República.

A sua frontalidade, a firmeza das suas convicções, a qualidade que emprestava aos debates, mas ao mesmo tempo aquela simpatia e afectividade com que se relacionava com todos, a jovialidade e humor saudavelmente provocante com que tantas vezes nos desarmava, fez com que tantos nesta casa, e até especialmente aqueles que com ele travavam duras batalhas políticas, se considerassem seus amigos.

Por isso não estranhámos que na última despedida, estando representadas muitas instituições e presente muito povo anónimo que lhe quis prestar a sua homenagem, a maior parte estava ali por razões de amizade. Foi fundamentalmente uma despedida de amigos.

Para nós, seus camaradas será muito difícil conviver com a sua ausência e aceitar o desaparecimento prematuro de quem tinha ainda muito para dar ao Partido, ao Parlamento e ao País.

Com o desaparecimento do Lino de Carvalho o Parlamento perde um magnífico Deputado e Vice-Presidente.

O PCP perde um valioso militante e dirigente.

E nós perdemos um amigo e um camarada inesquecível.

Ao Lino de Carvalho construtor da liberdade, construtor da democracia, lutador contra as injustiças e as opressões devemos todos um profundo reconhecimento. E nós, seus camaradas e amigos, teremos de, neste momento difícil, ser capazes de levar adiante o contributo da sua intervenção e luta e continuar a lutar por um país e um mundo melhores.

Termino reafirmando a nossa solidariedade a toda a família e em especial à Ana, sua companheira e aos seus filhos Vasco e Carlos. A eles, e a todos nós, o Lino fará muita falta.

Disse.

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(*) Voto de Pesar

  Faleceu na passada quinta-feira, aos 57 anos, Lino de Carvalho, Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República.

 Lino de Carvalho lutou desde sempre pelos ideais da liberdade, da democracia e do progresso social. Profundamente empenhado na luta anti-fascista, participou em diversas frentes de combate à ditadura e de luta pela democracia.

 Lino de Carvalho foi um destacado militante do PCP onde ingressou em 1969, integrando o seu Comité Central desde 1988.

 Foi activista estudantil, participando designadamente no movimento associativo de estudantes no antigo ISCEF.

 Foi activista do movimento cine clubista e do movimento das cooperativas culturais.

 Integrou a oposição democrática envolvendo-se desde o início no movimento das Comissões Democráticas Eleitorais (CDE’s), primeiro como representante da Comissão de Estudantes Democratas de Lisboa, depois como dirigente na Comissão Coordenadora Nacional da CDE, intervindo activamente na experiência das candidaturas da oposição democrática em 1969, sobre a qual aliás publicou um livro em 2000.

 A sua participação na oposição democrática e na luta antifascista levou a que sofresse perseguições e represálias da ditadura. Foi expulso do Serviço Militar Obrigatório em 1969 e preso duas vezes pela PIDE/DGS, em Janeiro de 1971 e em Abril de 1974, encontrando-se na prisão quando eclodiu a Revolução dos Cravos.

 Depois de 25 de Abril de 1974 foi ainda membro da Comissão Executiva e da Comissão Nacional do Movimento Democrático Popular e candidato à Assembleia Constituinte.

 Lino de Carvalho manteve após o 25 de Abril uma intensa actividade e intervenção cívica, social e política lutando por novas e importantes conquistas para o povo português.

 Assume especial importância a sua participação na Reforma Agrária nos campos do Sul do País, processo em que interveio ao mais alto nível, sendo fundador das suas estruturas dirigentes, designadamente os Secretaria dos das UCP/Cooperativas Agrícolas e a Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção, de que foi vice-presidente, e fazendo parte de todas as Comissões Organizadoras das 12 Conferências da Reforma Agrária. A sua luta por uma nova organização fundiária dos campos do Sul continuou para além do processo da Reforma Agrária estando permanente presente na sua intervenção política. Há poucos meses tinha publicado um livro sobre o processo da Reforma Agrária em que, a par da análise dos acontecimentos passados, abria perspectivas de futuro de plena actualidade para o problema da agricultura no Alentejo.

 Foi membro da Assembleia Municipal de Évora.

 Foi eleito Deputado pelo círculo de Évora desde 1987, na V, VI VII, VIII e IX Legislaturas, sendo nesta última eleito Vice-Presidente da Assembleia da República. Foi durante várias legislaturas Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PCP.

 Na Assembleia da República destacou-se pela convicção e brilhantismo das suas intervenções, pelo profundo conhecimento das matérias, pela cuidada fundamentação das propostas, pela constante ligação à vida e aos problemas das populações e do país, mas também pela capacidade de diálogo e pela extrema afabilidade com que se relacionava com os outros e que lhe granjeou simpatias em todos os quadrantes políticos.

 Integrou diversas comissões parlamentares, com destaque para as de Agricultura e Economia. Destacou-se também como membro da delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, tendo sido membro da direcção do Grupo Unitário de Esquerda.

 Lino de Carvalho deixará na memória de todos a lembrança de um comunista, um cidadão e um democrata com enormes qualidades. E deixará na Assembleia da República a memória de um Deputado no mais nobre sentido da função, que cumpriu de forma exemplar até ao limite das suas forças e que muito prestigiou.

 A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pela morte do Deputado e Vice-Presidente Lino de Carvalho e endereça à sua família as mais sentidas condolências.