Intervenção do Deputado
António Filipe

Reforma do Parlamento

27 de Junho de 2000

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

As propostas do PCP que hoje estão em debate orientam-se em duas direcções fundamentais: Valorizar os trabalhos da Assembleia da República e melhorar as condições para a participação dos cidadãos na vida política.

Os trabalhos da Assembleia da República dignificam-se com a valorização do debate político e com o reforço da capacidade de fiscalização parlamentar da actividade governativa, com a substituição de monólogos previsíveis e ritualizados, por debates onde seja possível, efectivamente, confrontar ideias e soluções.

Importa, por outro lado, criar mecanismos de participação dos cidadãos na vida política que tenham efectividade prática, criando novos direitos de participação como o direito de iniciativa legislativa popular e conferindo ao exercício do direito de petição uma dignidade que até à data lhe tem sido negada.

As propostas de alteração ao Regimento e de reformulação da lei sobre direito de petição que o PCP propõe foram aprovadas nas Jornadas Parlamentares que o Grupo Parlamentar do PCP realizou em Guimarães em 25 e 26 de Janeiro, das quais saíu igualmente o Projecto de Lei sobre Iniciativa Legislativa Popular que aguarda discussão na especialidade.

As preocupações com a dignificação do Parlamento e com o reforço dos direitos de participação dos cidadãos têm ocupado um lugar permanente nas propostas e na prática do PCP na Assembleia da República. As nossas propostas são conhecidas há muito tempo. Não fomos acometidos, em final de sessão legislativa, por qualquer febre súbita por reformas a toque de caixa.

Em matéria de alterações ao Regimento da Assembleia da República, o PCP propõe,

Em primeiro lugar, a criação regimental das sessões de perguntas ao primeiro-ministro, substituindo a actual declaração do primeiro-ministro sujeita a perguntas posteriores, por uma sessão mensal em que seja o primeiro-ministro a responder às perguntas que lhe sejam dirigidas pelos Deputados.

Em segundo lugar, o PCP propõe a reformulação da sessões de perguntas ao Governo, pondo fim a uma das figuras regimentais mais justamente desacreditadas. Esta situação, em que o Governo se permite escolher as perguntas a que responde de entre uma lista apresentada com uma semana de antecedência, remete o Parlamento para uma posição caricata e desvaloriza quase até ao ridículo um meio de fiscalização da actividade governativa que deveria e poderia ter particular relevância e dignidade.

A solução que o PCP propõe é que cada sessão de perguntas seja dirigida a uma equipa ministerial determinada e que esta esteja em condições de responder a todas as questões que os Deputados coloquem sobre matérias que estejam da sua área de responsabilidade.

Um outro problema diz respeito às sessões das sextas-feiras. Nós não nos incluímos entre os que pensam que a única forma de dignificar as sessões de sexta-feira é acabar com elas. Não há nenhuma praga que tenha caído sobre a sexta-feira que impeça os Deputados de comparecer às sessões. O que é preciso é que as sessões de sexta-feira não sejam desvalorizadas na fixação da ordem do dia. Na próxima sexta-feira teremos o debate do Estado da Nação. Será que o Plenário apresentará o aspecto desolador normalmente associados às sextas-feiras? Seguramente que não.

A solução para a sessão de sexta-feira não é exterminá-la. É valorizá-la. Por exemplo, fazendo como se fez para a próxima sexta, na qual constará da Ordem do Dia o debate com o primeiro-ministro.

Ainda em matéria regimental, o PCP avança outras propostas sobre a obrigatoriedade de fundamentação das Propostas de Autorização Legislativa, sobre o envio à Assembleia da República de informação relevante sobre as Propostas de aprovação de Tratados Internacionais, sobre o direito de iniciativa da Assembleia para a realização de debates sobre assuntos de relevante interesse nacional e sobre a audição de altos responsáveis da Administração Pública em Comissões Parlamentares, tendo única e exclusivamente em vista a dignificação do parlamento e a criação de melhores condições para o exercício pleno das suas competências constitucionais.

Uma outra questão que tem para o PCP a maior importância diz respeito à participação dos cidadãos na vida política, e a esse respeito, a alteração do regime de apreciação de Petições pela Assembleia da República tem uma urgência absoluta. Situações em que as Petições apresentadas pelos cidadãos hibernam nas gavetas das Comissões Parlamentares e só passados vários anos após a sua apresentação são debatidas ou arquivadas sem qualquer efeito útil ou sem que tenham sido dado quaisquer explicações aos peticionantes, têm de acabar de uma vez por todas.

Daí as propostas do PCP de que seja fixado um prazo máximo de 60 dias para a elaboração de relatórios por parte das comissões competentes e que após a aprovação desses relatórios seja fixado um prazo máximo de 30 dias para agendamento em plenário. E para além disso, que a apreciação em plenário possa ser mais do que uma soma de discursos piedosos sem consequências. Assim, se algum Deputado ou Grupo Parlamentar apresentar alguma iniciativa relacionada com o objecto de uma petição em debate, esta será apreciada e votada na mesma sessão.

Entendemos que a dignificação do Parlamento aos olhos dos cidadãos não se consegue apenas por via dos belos discursos ou das maravilhas da electrónica. Consegue-se acima de tudo com atitudes concretas de respeito para com os cidadãos e de resposta às suas aspirações. A tão falada aproximação entre os eleitos e os eleitores não se consegue através de manipulações dos círculos eleitorais ou do número de Deputados, que servem objectivos bem menos meritórios. A aproximação entre os eleitos e os eleitores depende acima de tudo de uma prática dos eleitos com que os eleitores se identifiquem, de um exercício de funções que honre compromissos assumidos e que enobreça o desempenho de funções políticas em representação dos cidadãos.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Os dias que antecederam este debate foram marcados por um enorme espavento mediático lançado pelo Partido Socialista, com o objectivo de se apresentar como o campeão da "reforma do Parlamento" e procurando dar a entender que, à sua iniciativa, se deve a realização do presente debate.

Ora, para que não subsistam confusões a este respeito, é preciso dizer que, pelo PCP, este debate poderia ter sido realizado já há muito tempo e só não o foi, porque até há poucos dias, mais nenhum partido havia apresentado propostas sobre as matérias hoje em debate.

É preciso dizer que a aparatosa iniciativa mediática e editorial do PS em torno do Parlamento 2000 se sucedeu a vários meses de funcionamento de um grupo de trabalho sobre a reforma do parlamento constituído por iniciativa do senhor presidente da Assembleia da República e presidido pelo senhor Vice-Presidente Mota Amaral que o Partido Socialista pura e simplesmente boicotou.

E é preciso dizer ainda que, em matéria da alterações ao Regimento, o volumoso Parlamento 2000 não contém absolutamente nada, e que só há poucos dias é que o PS apresentou propostas de alteração ao Regimento apropriando-se, por cópia, de soluções sugeridas pelo Senhor Presidente da Assembleia da República num documento de trabalho elaborado na passada Legislatura, e acrescentando de novo algumas propostas no sentido de governamentalizar ainda mais a actividade da Assembleia da República.

É assim que, quem consultar o projecto de alteração ao Regimento apresentado pelo PS, confronta-se com um projecto que tem uma dupla originalidade: É um projecto cujos artigos são acompanhados de comentários, sendo que alguns deles se limitam aos comentários, não tendo o PS nada a propor quanto aos artigos.

Estamos perante um projecto de alterações ao Regimento que não passa afinal de uma burla. O PS copia um documento de trabalho do Senhor Presidente da Assembleia da República, apropria-se de uma reflexão que envolveu Deputados de todos os Partidos, e alinhava uns comentários acerca de propostas feitas por outros partidos num passado mais ou menos remoto. É assim que o projecto do PS se refere a propostas do CDS/PP quando o CDS/PP não apresentou proposta nenhuma ou a propostas do PCP ou do PSD feitas noutro contexto e que não estão hoje sequer em discussão.

Mas, em substância, o que propõe afinal o PS que seja verdadeiramente da sua lavra e que valorize de facto a posição da Assembleia da República na vida política nacional? Na verdade, quase nada. O PS acha, pelos vistos, que as sessões de Perguntas ao Governo ou os debates com o primeiro-ministro, como estão, estão muito bem, e o que vem propor é que a Assembleia da República organize "livros verdes" ou "relatórios de investigação" em colaboração com o Governo, ou que sejam organizados debates sobre orientações de políticas estruturais sob a batuta do Governo.

Quanto a uma reforma do Parlamento que o dignifique perante os cidadãos e que reforce o seu papel na vida política, o PS propõe muita parra, mas pouca uva. Muitos meios electrónicos, muitos grupos de trabalho, muitos slogans, muita pompa e circunstância, demagogia quanto baste, mas quanto à substância, muito pouco.

As propostas do PS têm como objectivo central lançar areia para os olhos dos cidadãos e da comunicação social, simulando o objectivo de promover uma ampla reforma do Parlamento, quando o seu real propósito é mudar algumas coisas pela rama, para que, no essencial, tudo fique mais ou menos como está, ou pior.

Pela nossa parte, PCP, estamos como sempre empenhados em trabalhar com seriedade para encontrar soluções que dignifiquem o trabalho parlamentar e estamos dispostos a convergir com todos os que estejam realmente interessados em prosseguir este objectivo.

Disse.