Intervenção da
deputado Pimenta Dias

Convenção sobre a Cooperação para
a Protecção e Aproveitamento Sustentável das Águas
das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas

25 de Junho de 1999


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:

Como país situado a jusante dos cursos dos principais rios da Península Ibérica; quando a parte portuguesa representa cerca de um quarto da área total ocupada pelas bacias hidrográficas partilhadas com Espanha; quando cerca de metade dos recursos hídricos nacionais são gerados na parte espanhola dessas bacias; interessa a Portugal a celebração de um tratado com o país vizinho, que estabeleça as bases de cooperação para a protecção, o aproveitamento sustentável e a partilha das águas das bacias hidrográficas luso-espanholas.

É sabido que os convénios sobre a partilha dos rios internacionais, assinados com a vizinha Espanha desde meados do século passado, tiveram como preocupação quase exclusiva a partilha do aproveitamento do seu potencial hidroeléctrico, assim como é reconhecido que Espanha soube, atempadamente, acautelar os seus interesses, promovendo um conjunto de estudos e concretizando diversos aproveitamentos hídricos, para usos urbanos, industriais e agrícolas.

E os governos portugueses o que é que fizeram - o do Partido Socialista, mas também os do PSD - para acautelar os interesses portugueses?

Como é que Portugal se preparou para a negociação com Espanha da Convenção cujo texto estamos hoje a discutir?

A Espanha tem um Plano Hidrológico. Tem elaborados os planos de bacia. Tem uma política de gestão da água perfeitamente definida. Em suma: dispõe de instrumentos de planeamento e uso dos seus recursos hídricos.

E Portugal, terá? Tratamos, ao menos, de saber qual o impacte no nosso país dos empreendimentos hidráulicos que os governos espanhóis, paulatinamente, foram realizando ao longo da última década?

Claramente, a resposta é não e não!

Cabe a propósito lembrar que o programa do governo actual no que respeita à política da água refere o seguinte: "Desenvolvimento do trabalho iniciado no sector da água, reforçando o papel do Conselho Nacional da Água, criando condições de estudo e gestão do recurso a nível descentralizado, nomeadamente à escala de bacia hidrográfica, e garantindo condições de fiscalização".

O que perguntamos ao Governo é: A Senhora Ministra do Ambiente dirá: estão a ser feitos estudos! Alguma coisa foi feita!

Nós dizemos: Certo. Alguma coisa foi feita. Mal seria que o Ministério do Ambiente nada tivesse feito. Mas estamos praticamente no fim da legislatura e a resolução dos problemas fundamentais neste domínio contínua apenas no plano das intenções do governo, o que é manifestamente pouco para quatro anos de mandato.

A grande maioria dos nossos rios e ribeiras continuam poluídos. Continuam a ser o meio receptor das águas residuais domésticos das nossas vilas e cidades e dos efluentes da grande maioria das nossas unidades industriais.

Os nossos recursos hídricos continuam a ser desaproveitados por falta de planificação do seus usos para fins agrícolas, industriais ou outros.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:

A ausência de uma política nacional para os recursos hídricos; a falta de uma visão de longo prazo, global e integrada; evidenciam a fragilidade da posição portuguesa nas negociações com Espanha.

Os resultados estão à vista nas reacções e preocupações que a assinatura da Convenção suscitou em sectores significativos da nossa comunidade científica.

Desde logo a definição do regime de caudais para os rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana. Prevendo o protocolo adicional caudais anuais, que garantias tem o nosso país de que serão transferidas quantidades suficientes para acautelar os caudais ecológicos e a qualidade da água em períodos de seca? Não seria mais razoável; não seriam melhores garantidos os interesses nacionais; se fosse definida a distribuição temporal do regime de caudais? Será que os caudais fixados para o rio Guadiana garantem a viabilidade do empreendimento do Alqueva ou, pelo contrário, podem originar o adiamento da sua entrada em funcionamento? Qual o interesse de Espanha na fixação de um regime de caudais mínimo para a secção da Barragem de Crestuma situada, praticamente, na foz do rio Douro?

Como vai Portugal fazer valer os seus direitos e pontos de vista nas situações causadoras de impactes transfronteiriços, quando os procedimentos previstos para a resolução de conflitos são demasiado demorados? Será que, apesar do apelo ao aproveitamento sustentado, as necessidades ambientais foram suficientemente acauteladas?

Estará o nosso país preparado para rapidamente implementar uma rede de estações de medição de caudais e monitorização da qualidade ambiental que permita o cumprimento integral do articulado desta Convenção?

Será que a estrutura orgânica do Ministério do Ambiente está dotada dos meios técnicos e humanos para corresponder às exigências que esta Convenção coloca a Portugal?

O governo tinha a obrigação de promover o debate destas preocupações, clarificando o conteúdo e objectivos fundamentais do acordo assinado com o país vizinho. Lamentavelmente não o fez, preferindo resguardar-se na suposta qualidade formal do texto da Convenção, como se a qualidade técnica de um acordo internacional fosse suficiente para garantir a sua adequada aplicação.

Por outro lado, o articulado da Convenção comete a uma Comissão constituída por delegações de ambos os países a prossecução dos objectivos acordados. Comissão cujos amplos poderes lhe permitem alterar as disposições do acordo assinado, designadamente, na fixação do regime de caudais, conforme está previsto no Protocolo Adicional, que é parte integrante do mesmo.

Ora esta é uma questão que nos suscita as maiores dúvidas e reparos, pois é certo que após a sua ratificação, as alterações que venham a ser operadas na Convenção escapam ao controlo democrático desta Câmara e, mais do que isso, a alteração eventual da decisão que a Assembleia da República vai hoje tomar. Que garantias dá o Governo que isso não vai suceder?

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:

Não obstante as críticas que fazemos; sendo pertinentes as dúvidas e preocupações suscitadas; sendo nossa convicção que era possível um acordo com Espanha que melhor defendesse os interesses portugueses, sustentado numa outra política de gestão dos recursos hídricos, consideramos que esta Assembleia não deve rejeitar a ratificação da Convenção sobre a Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas.

Conscientes de que a rejeição desta Convenção fragilizaria ainda mais a posição portuguesa relativamente à vizinha Espanha, o Grupo Parlamentar do PCP contribuirá para a sua viabilização.

Mas não pense o Governo e o partido que o sustenta que a ratificação da Convenção nestas circunstâncias reforça a sua posição. Pelo contrário, só vem demonstrar que o Governo não convenceu os portugueses da bondade do acordo assinado com o país vizinho.

Disse.