Audição/Debate “O papel e significado da agricultura na sociedade portuguesa hoje”
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
13 de Maio de 2006

A Audição/Debate que aqui decorre sobre “O papel e significado da agricultura na sociedade portuguesa hoje” insere-se na central preocupação do nosso Partido de dar resposta e visibilidade aos preocupantes problemas que enfrentam os sectores produtivos nacionais.

Os problemas da desertificação económica e humana e de imensos espaços do território nacional e o que é hoje a agricultura para a sociedade portuguesa.
Problemáticas que o XVII Congresso do PCP definiu como temas a aprofundar pelo colectivo partidário.

Antes de mais, gostaria de agradecer em nome do PCP a contribuição que solicitámos ao variado leque de especialistas e ao conjunto de outras personalidades com grande experiência e conhecimento concreto da nossa realidade agrícola, mas também a todos aqueles que com a sua presença nos quiseram honrar e que aqui connosco debatem os problemas de um sector fundamental para garantir uma estratégia de desenvolvimento do país.

Permitam-me que particularmente saúde e agradeça a participação e as comunicações dos Professores Hermínio Botelho e Oliveira Baptista. Não quisemos fazer aqui um ritual mas um debate sério, focalizando ângulos, visões, soluções, busca de caminhos a pensar no futuro, no País, no progresso e no desenvolvimento.

Esta audição é apenas o início de um debate que queremos mais amplo e que certamente em breve haveremos de concretizar com uma nova iniciativa envolvendo não apenas especialistas e representantes das organizações associativas e económicas da agricultura, mas um elevado número de agricultores portugueses, porque não temos certezas certas, porque não temos as soluções todas.

Do conjunto dos contributos que aqui vieram se confirma que se continuam a agudizar os problemas da agricultura portuguesa, os problemas de regiões e concelhos que tinham na actividade agro-florestal a base do emprego e da sua vida económica e social. Com eles também o aprofundamento da grave crise que o país enfrenta.

Crise que não é apenas conjuntural, mas estrutural e que está a pôr em causa o desenvolvimento económico sustentado do país.
Crise que resulta das políticas de direita levadas a cabo por sucessivos governos nos últimos anos e que têm consequências dramáticas, particularmente nos sectores produtivos nacionais.

Crise que revela a incapacidade do actual modelo das políticas económicas e agrícolas europeias e nacionais para promoverem o desenvolvimento da economia nacional e assegurar o bem-estar dos portugueses.
Políticas que estão a amarrar o país a uma situação de estagnação e que podem condenar o país ao marasmo por muitos anos.
A agricultura sofreu, como muitas intervenções aqui o tornaram evidente, significativas alterações nas últimas décadas.

Desapareceram centenas de milhar de explorações; acentuou-se o envelhecimento dos agricultores; diminuiu significativamente a população activa agrícola; cresceu a desertificação em amplas regiões do País e milhares de hectares são anualmente devastados pelos fogos; diminuiu a área semeada.
Cresceu a produtividade e a produção, embora em níveis muito distantes da maioria das agriculturas europeias. Num trabalho recente constata-se que, no triénio de 98-99-00, o rendimento médio das explorações era da ordem dos 32% face à média da UE/15 e a competitividade média era de cerca de 35%.

Entretanto, a agricultura perdeu peso na economia e no emprego. Mais, perdeu também peso no espaço rural.
No Centro e Norte do País, em que, na economia familiar dos agricultores têm significativo peso a pluriactividade e o plurirendimento, em que a actividade agrícola se articula (articulava) numa teia de relações económicas e sociais que assegurava alguma estabilidade, esta articulação corre hoje o risco de se romper face ao crescimento incontrolado do desemprego.

A função de suporte social que a exploração agrícola sempre exerceu em períodos de crise social, está hoje mais fragilizada.
No Sul, onde predomina de novo o latifúndio, em que até se proclamou a inadaptação das UCP/Cooperativas à economia de mercado e à PAC como argumento para a liquidação da Reforma Agrária, assiste-se hoje à insaciável reclamação de subsídios.
No que respeita ao chamado mundo rural, a situação é diversificada, local e regionalmente, mas o pano de fundo é o seu declínio.
Verificam-se actualmente iniciativas diversas de revitalização das economias locais, surgem micro e pequenas empresas do sector agro-alimentar e outras, assim como de oferta de bens e serviços, de artesanato e de turismo, de lazer e de conservação do ambiente.
Muitas destas iniciativas têm tido significativo êxito local.

São iniciativas que devem merecer o melhor acolhimento e apoio. Porém, o seu impacto e alcance económico e social serão sempre condicionados no quadro da inexistência de políticas públicas de desenvolvimento local e regional, que permitam articular políticas sectoriais.
Estas são, em traço grosso, algumas das preocupações do PCP relativamente à evolução da agricultura, e que justificaram a realização desta audição e debate com agricultores e especialistas, tendo em vista aprofundar mais o conhecimento da realidade e melhorar a sua intervenção política.
São passados 20 anos após a adesão à então Comunidade Económica Europeia.
No que respeita à agricultura não foi necessário tanto tempo para que, brevemente, se desfizesse a feira de ilusões montada pelo PS, PSD E CDS/PP, para justificar a adesão, cujo objectivo político, como os próprios reconhecem, foi apenas o da salvaguarda do capitalismo. Ou melhor, garantirem através de um quadro externo, as condições políticas e económicas que favorecessem a política de recuperação capitalista e latifundista, invertendo o curso aberto pela Revolução de Abril.

Na situação actual convergem causas externas e internas, bem como o quadro tendencial da evolução da agricultura face à economia e ao emprego, e também da sua relação e posicionamento face à sociedade.

Diga-se, no entanto, que a situação actual da agricultura portuguesa não resulta apenas da PAC, do peso predominante dos sectores produtivos do Centro e Norte da Europa face às agriculturas mediterrânicas, do desenvolvimento desigual das agriculturas dos Estados membros e da história diversificada das suas agriculturas, nem apenas da globalização capitalista e do seu instrumento que é a Organização Mundial do Comércio.

Certamente que estes factores pesaram e condicionaram e condicionam o presente, e irão pesar e condicionar o futuro. Não sacralizamos a atitude e o posicionamento dos agricultores como donos da razão absoluta.
Porém, na presente situação tiveram um peso essencial as políticas agrícolas nacionais dos diversos governos que, para lá da sua participação activa e colaborante na definição e concretização das políticas comunitárias, há cerca de 30 anos, têm sido responsáveis pelos destinos do país e das suas opções de política macro-económica.

Estes últimos 20 anos, caracterizados por duas reformas e orientações contraditórias da PAC, foram perpassados por uma política agrícola nacional pautada, fundamentalmente, por três vectores essenciais:

• A submissão em geral às orientações da PAC, chegando, em diversas situações, a assumir posições de abdicação de instrumentos de salvaguarda da agricultura do País;

• A não definição de uma estratégia de desenvolvimento da agricultura que permitisse adequar o perfil produtivo às condições naturais e às exigências competitivas de um mercado aberto e dos equilíbrios agro-ambientais;

• Uma afectação de recursos financeiros marcadamente de classe, socialmente distorcida, centrada nos sectores produtivos predominantes na região do latifúndio, rejeitando mesmo quaisquer medidas de modulação (previstas na PAC), designadamente em matéria de ajudas directas, as quais, sobretudo no Sul, constituíram um incentivo ao imobilismo produtivo.

Certamente que terão havido aspectos positivos, mas o balanço deste período, em que a agricultura portuguesa dispôs, certamente, do maior volume de meios financeiros da sua história, está longe de corresponder às necessidades do seu desenvolvimento e dos interesses dos agricultores do país.

Mas se são evidentes as responsabilidades no aprofundar da crise na agricultura e do mundo rural das políticas agrícolas realizadas, não se pode subestimar o contributo negativo do conjunto das políticas económicas e sociais na evolução dos sectores produtivos e especificamente da agricultura. Uma observação: não sacralizamos a nem consideramos intocáveis as posições dos agricultores, mas o seu a seu dono!

Políticas assentes no Pacto de Estabilidade e nos seus critérios restritivos, que condicionaram fortemente quer a mobilização do investimento público de apoio directo ao desenvolvimento da agricultura, quer o desenvolvimento das infraestruturas físicas, em capital humano (educação e formação profissional), quer ainda na mobilização de medidas e acções visando a revitalização do mundo rural.

É cada vez mais evidente que o dogma de que só haverá crescimento sustentado depois de resolvido o défice das contas públicas está a conduzir ainda mais o país para o fundo da escala em termos de desenvolvimento relativamente aos nossos parceiros europeus.
Na verdade, as políticas restritivas e monetaristas centradas no combate ao défice, a que se juntam as políticas de privatização, liberalização e crescente desregulamentação dos mercados, não resolvem o problema do défice, nem dinamizam a economia, nem tão pouco a modernização dos sectores produtivos nacionais.

Mais de um ano passado do actual governo do PS é um facto inquestionável que as políticas seguidas, as mesmas no fundamental que tinham vindo a ser realizadas pelos partidos da direita PSD e CDS-PP, não estão em condições de romper com o ciclo vicioso depressivo que se instalou no país e promover o crescimento acelerado e a ritmos relativamente elevados que o país urgentemente precisa.
Pelo contrário a perspectiva que se apresenta para o futuro e até 2010 é uma evolução em crescente divergência com os nossos parceiros europeus. Os portugueses não podem estar condenados a aceitar resignadamente esta perspectiva.

Sabemos que sem crescimento, sem desenvolvimento económico, sem valorização do aparelho produtivo e da produção nacional, sem aumento de produtividade não é possível romper com este ciclo vicioso.
É por isso que o país não pode continuar a assistir à crescente substituição da produção nacional pela estrangeira, em prejuízo também da produção agrícola nacional, que em 2005, viu diminuir a sua produção em 7,4% e a ver sistematicamente agravadas as suas contas externas, nomeadamente a balança comercial que neste mês de Fevereiro conheceu um novo agravamento.
Portugal tem que produzir mais e importar menos e a agricultura portuguesa se apoiada poderia dar um grande contributo para desagravar o défice das nossas contas externas e garantir a segurança alimentar do país.

O país não pode continuar a assistir ano após ano à quebra do investimento público e privado na dinamização e modernização dos sectores produtivos nacionais, tal como a solução dos problemas do país e dos portugueses não se resolve com o recorrente recurso a medidas de contenção e diminuição dos seus rendimentos, como acontece no sector agricultura e nem no crescente corte e diminuição dos seus direitos das populações nos domínios da saúde, educação ou segurança social.

Estas são políticas que apenas têm servido para promover a reconstituição das grandes fortunas e dos grandes grupo económicos com a entrega do melhor património público e que têm levado a uma indecorosa acumulação de capitais e de concentração de riqueza nas mãos de uma pequena minoria que têm hoje o domínio dos instrumentos essenciais de exploração dos diversos sectores da economia nacional.
Na realidade são anos a fio de dificuldades para a pequena e média produção e para o povo, anos de fabulosos e de crescentes lucros para os grandes grupos económicos. Ainda agora tomámos conhecimento dos resultados das 20 empresas cotadas no índice PSI20, cujos lucros, em 2005, somaram mais de 4,7 mil milhões de euros. Lucros que continuam, em 2006, como se vê nos resultados dos três maiores bancos privados com o seu crescimento em mais 31, 6%.
Lucros que são o resultado do estrangulamento financeiro de milhares de micro, pequenas e médias empresas e explorações agrícolas e dos portugueses submetidos às severas comissões bancárias, a altas taxas de juro efectivas, mas também dos elevados preços dos serviços, muitos deles factores de produção na actividade agrícola e que são o resultado do processo de privatização de empresas que prestam serviços públicos.

Há quem nos diga, de boa fé, que o mundo é o que é! Nós continuamos a pensar que, apesar de tudo, o mundo move-se. Pensamos que Portugal não está condenado a ver reduzida a sua agricultura a uma situação quase residual, sem prejuízo, naturalmente, do seu reposicionamento face à sociedade e à profunda evolução do mundo rural no contexto económico e social, nacional e internacional, hoje dominante. Tão pouco a assistir ao constante crescimento de manchas do território nacional desertificadas.

É necessária uma nova política agrícola, inserida em políticas públicas de desenvolvimento local e regional, que articulem diversas políticas sectoriais, lhes dêem coesão e coerência.

Nova política que promova uma estratégica agro-produtiva que tenha em conta as vantagens naturais comparativas e a necessidade de crescimento dos níveis de produtividade e produção e a inserção dos sistemas produtivos no quadro das características idafo-climáticas de cada região. Estratégia assente no fomento tecnológico e na investigação agrária tendo como referências a qualidade alimentar, a expansão da área regada e o efectivo fomento da produção e tecnologias agro-ambientais.

Nova política que promova as necessárias e diversificadas reestruturações fundiárias que facilitem como objectivos centrais o acesso à terra aos jovens agricultores e aos pequenos agricultores nas zonas de latifúndio no Sul do país e o desenvolvimento e sustentabilidade da actividade agrícola nas zonas minifúndio do Centro e do Norte.

Nova política que assegure o controlo de qualidade das importações de produtos agrícolas.

Nova política que promova a efectiva melhoria dos rendimentos e das condições de vida e de trabalho dos agricultores com o desenvolvimento integrado das diversas dimensões da actividade agrícola e a promoção da multifuncionalidade dos agricultores.

Nova política que assegure o rejuvenescimento do tecido produtivo e um reforçado dinamismo na instalação de jovens agricultores, com particular atenção à sobrevivência e consolidação dos projectos.

Uma outra política que reconheça e assegure a especificidade da situação agrícola do país face à Política Agrícola Comum e à Organização Mundial do Comércio.

Mas é também no quadro da imperiosa necessidade de combate aos processos de desertificação e declínio do mundo rural e do aprofundamento das assimetrias regionais que se impõe acelerar os processos de regionalização e de descentralização, dotando as diversas regiões do país dos instrumentos de planeamento para o desenvolvimento e ordenamento do território que permitam tirar todo o partido dos recursos regionais e envolver os diversos agentes nas políticas e processos de desenvolvimento local e regional.

Acelerar o processo implica não adiar por mais tempo o início do processo de consulta sobre a regionalização, nos termos em que já o propusemos, envolvendo desde já o poder local nos processos de discussão e consulta.

Exigência que faz agora ainda mais sentido com a apresentação do PRACE, essa proposta do governo do PS que a concretizar-se significará mais um passo na concentração e centralização dos serviços desconcentrados da administração do Estado em prejuízo quer da agricultura, quer do mundo rural.

Mais um passo no processo de esvaziamento e de crescente distanciamento dos serviços públicos das populações.

Processo que conheceu nos últimos anos uma preocupante evolução com o encerramento sistemático de postos locais, com a privatização das empresas de rede vocacionadas para prestação de serviços públicos, como os CTT ou EDP, mas também de diversos serviços públicos do Estado, particularmente nas áreas da saúde e educação e que com o governo do PS se aprofunda com o encerramento de centenas de escolas e diversas maternidades e Serviços de Atendimento Permanente, mas também com a concentração dos serviços regionais da agricultura.

É inaceitável a decisão de reduzir, por simples razões de redução da despesa pública, o número de direcções regionais da agricultura e de zonas agrárias, no âmbito do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, sem qualquer debate, sem a participação das populações, dos agricultores, técnicos e trabalhadores destas estruturas regionais.

Reestruturação que se realiza em nome de uma pretensa preparação para a criação das Regiões Administrativas, sempre adiadas e a aguardar consensos alargados, ao contrário das medidas que agora se apontam e que no imediato e na prática visam consolidar as soluções centralistas e de comando governamentalizado das políticas regionais.

Decisões que deveriam resultar das prévias opções que se fizessem em sede de regionalização e não da imposição de factos consumados.

O mesmo se passa com mais um quadro comunitário de apoio, quer no âmbito do agora chamado de Quadro de Referência Estratégia Nacional para 2007/13, quer na componente do Desenvolvimento Rural e que se preparam para se concretizar à margem das autarquias e das associações económicas e sociais, nomeadamente as do sector agrícola.

Mais um quadro de aplicação de fundos comunitários, cujos objectivos e grandes orientações ficarão exclusivamente dependentes da vontade de uma gestão altamente centralizada e governamentalizada e que se traduzirá, tal como nos Quadros Comunitários de Apoio anteriores, numa nova e acrescida transferência de fundos a favor do grande capital, no agravamento das injustiças sociais e assimetrias regionais.

Em particular na consideração dos fundos agrícolas para o período de 2007/2013, são preocupações do PCP que o objectivo estratégico “aumento da competitividade dos sectores agrícola e florestal” do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural, em elaboração, assuma um peso determinante na repartição dos fundos e definição da política de aplicação, subvertendo os restantes objectivos, mantendo a injustiça e as orientações erradas da actual distribuição das Ajudas à agricultura.

É igualmente obrigatório na opinião do PCP a consideração de regras de regionalização, modulação e plafonamento das ajudas.

A elaboração de tais instrumentos, a sua gestão participada e uma repartição adequada do bolo global dos fundos comunitários são outra razão para a urgente concretização do processo de regionalização e de descentralização.
Entretanto, há um conjunto de problemas que exigem também uma imediata e adequada resposta.

Desde logo e como aqui se tornou evidente, os problemas ligados à defesa e desenvolvimento da floresta, particularmente no que se refere à imediata intervenção para conter em limites razoáveis esse drama dos fogos florestais que tem atingido violentamente a floresta portuguesa.

Intervenção que implica também começar a agir sobre as causas que estão na origem da sua extensão e violência, muitas das quais radicam nos processos que atrás se descreveram e que são a consequência directa da aplicação da Política Agrícola Comum e das políticas agro-florestais nacionais.

Processos que conduziram ao desaparecimento da actividade agrícola e que levaram ao êxodo das populações das zonas rurais, mas também da crónica falta de investimento público dirigido à promoção de políticas e instrumentos visando um correcto ordenamento florestal. Causas às quais se acrescenta uma florestação industrial indiscriminada com a massificação da uma monocultura florestal e uma negligente política de prevenção de incêndios.

Não é fácil, nem possível alterar ou atenuar substancialmente de um momento para outro esta realidade, mas é nossa convicção que é possível, com mais meios e menos propaganda circunscrever a amplitude deste flagelo que nestes anos tem assolado o país.

Propaganda e não é pouca, logo no formato das sessões que vêm substituir a tradicional “sessão solene” dos últimos anos de abertura da época de incêndios florestais. O governo do PS decidiu, desta vez, promover 18 sessões, uma por distrito. São sessões a mais para anunciar um parco e limitado objectivo: continuar a deixar arder em média 100 mil hectares/ano de floresta até 2012. Objectivo que se pode coadunar com as medidas que o governo tomou, as clássicas receitas de alteração da legislação, as habituais mudanças na orgânica pública dos sistemas de vigilância e as crónicas mudanças de responsáveis incómodos, mas que manifestamente não correspondem às reais possibilidades de redução da área anual de floresta ardida.

Com outras medidas, com mais investimento e melhor planeamento é possível restringir substancialmente a área florestal ardida, diminuindo o número de fogos e sua extensão, salvaguardando o nosso importante património florestal e os interesses dos produtores.
Para isso é necessário, a nosso ver, um outro empenhamento na tomada de medidas de prevenção e na criação dos instrumentos para uma intervenção permanente na floresta, o que mais uma vez, tal como no passado se inviabilizou e adiou. Novamente se perderam os meses de Outono e Inverno para tomar medidas concretas de limpeza e prevenção.

Mais de um ano passou de governo do PS e continuam por concluir os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), tal como continuam por concretizar os inúmeros projectos de limpeza e rearborização ao abrigo de programas com o apoio do Estado (AGRO, AGRIS e FFP).

Em vez de se dinamizarem as Equipas de Sapadores Florestais, bloqueou-se o seu desenvolvimento. As equipas que existem, muito distantes das necessidades, são também postas em risco, pela insuficiência das medidas de apoio. Uma distancia que vai das cerca de 180 equipas actuais para as 500 que seriam necessárias.

Passou-se a promover a chamada “gestão activa” da floresta como a solução “milagrosa” para por fim ao drama dos incêndios, mas nada se faz para garantir a rentabilidade económica das explorações florestais, a braços com a acção concertada das empresas de celulose e outros agentes da fileira que lhes impõem baixos preços à madeira, os quais se mantêm estagnados há mais de dez anos.

Entretanto, empolam-se propagandisticamente as medidas tomadas na vertente do combate ao fogo, aliás, tímidas e controversas e que se poderão até ver reduzida a sua eficácia face à escassez das medidas tomadas a montante e à insuficiência do investimento público na defesa e desenvolvimento da floresta.

Mas a outros problemas se impõe no imediato dar resposta, como é o caso do pagamento das agro-ambientais. É inaceitável o que se está a passar com o não pagamento das medidas relativas aos anos de 2005 e 2006. Não são admissíveis, nem razoáveis as justificações para a fuga ao pagamento por parte do governo e são falsos o conjunto dos argumentos utilizados.

Seja o da súbita vontade de, finalmente, corrigir injustiças na distribuição das ajudas, seja o argumento das disponibilidades orçamentais ou o do condicionamento das verbas do próximo Quadro Comunitário de Apoio. Aliás, foram sugeridas alterações das regras das actuais medidas agro-ambientais que permitiriam manter o apoio aos 20 /25 mil pequenos agricultores, reduzindo-as substancial apenas para cerca de mil grandes beneficiários.

O verdadeiro motivo, a verdadeira razão do não pagamento e que o governo esconde é o do querer cumprir os objectivos do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) à custa também dos agricultores portugueses.
Esta razão que se omite é também inaceitável num Estado de direito. Os contratos entre a Administração e os agricultores têm, necessariamente, que ser honrados.

Nesta matéria só há uma saída para uma Administração que tem o dever de salvaguardar a boa fé contratual do Estado, é promover, em sede de Orçamento Rectificativo, os meios necessários ao cumprimento das obrigações assumidas para com os mais de 20 mil agricultores envolvidos nos programas.

E se há uma real vontade de corrigir as injustiças na distribuição dos apoios a favor dos pequenos e médios agricultores, marginalizados no seu acesso nestes últimos anos em benefício dos grandes agrários do Alentejo e Ribatejo, venham ao encontro da nossa propostas de exigência de alteração dos critérios na distribuição das diversas ajudas comunitárias e nacionais à agricultura, que o governo deveria logo no inicio do seu mandato ter concretizado.

Muitos outros problemas estão a exigir uma outra resposta por parte do governo.

São os problemas da segurança social dos pequenos agricultores dando resposta à sua crescente dificuldade em se manterem, por incapacidade financeira no sistema público de segurança social. Mas também o problema da suspensão da electricidade verde o agravamento dos preços dos combustíveis com a não correcção do preço do petróleo agrícola. A redução dos preços à produção, nomeadamente do leite e a ultrapassagem das quotas leiteiras são outros dos problemas que urge também responder, bem como aos elevados custos da solução dos problemas ambientais dos efluentes das vacarias e suiniculturas.

É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível e necessário realizar outra política, invertendo o caminho que tem sido seguido. Da nossa parte temos propostas e muitas outras aqui hoje foram apresentadas que evidenciam a existência de uma política alternativa às políticas de direita. Propostas estas que teremos em conta, tal como todos os contributos dos convidados presentes, aos quais mais uma vez renovo os nossos agradecimentos.

Tal como Portugal, a agricultura é possível.