Debate sobre a situação na agricultura
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
10 de Setembro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Os agricultores portugueses vivem uma das piores crises dos últimos anos.

Dois anos seguidos de graves e anormais condições climatéricas associadas às condições cada vez mais desiguais em que têm de competir no quadro da profundamente injusta e desfavorável Política Agrícola Comum estão, de novo, a lançar a agricultura portuguesa numa situação insustentável.

Os números oficiais atestam-no, sem lugar para dúvidas: o valor da produção final total da agricultura portuguesa baixou (a preços constantes) 3,3% entre 1992 e 1997. Em 1997 o VAB agrícola apresenta uma quebra de 4,3%, sendo o único sector da actividade produtiva que apresenta uma descida do produto. Neste mesmo ano a quebra de rendimento dos agricultores portugueses situou-se nos 13,3%, a segunda maior da União Europeia.

1998 irá, infelizmente, ser bem pior. As quebras de produção e rendimento são bastante mais elevadas atingindo quase todas as regiões agrárias e a generalidade das produções e culturas: excessos de precipitação durante as sementeiras que impediram o cultivo dos cereais, granizo e chuvas que provocaram a perda da azeitona; chuvas prolongadas, geadas tardias, oscilações bruscas de temperatura na vinha; granizo e excesso de humidade que afectaram a fruta, designadamente a cereja e a pêra-rocha. Estes são só alguns exemplos.

Todos reconhecem a gravidade deste ano agrícola. Todos, não! Surpreendentemente o Ministro Gomes da Silva e o Governo têm, irresponsavelmente, minimizado e desvalorizado a dimensão dos prejuízos, em contradição, aliás com os dados divulgados pelas próprias estatísticas oficiais e serviços do Ministério da Agricultura.

No final de Julho o Ministro Gomes da Silva surpreendeu o País ao anunciar na Comissão de Agricultura desta Assembleia que as quebras da produção se limitavam a 10% de perda de valor bruto da produção normal na fruta; a 15% nos cereais; a 10% no vinho, quando, cerca de uma semana antes tinha anunciado, quando do lançamento de uma linha de crédito (que pouco resolve aliás e de que só beneficiam o sector industrial agro-alimentar e os grandes produtores) quebras de produção que oscilavam entre uma média de 36% na vinha até mais de 60% nos cereais passando por 80% na pêra ou 73% na cereja. Entretanto, dois dias depois, em 31 de Julho, a Comissão Consultiva do SIPAC, reunida sob a presidência do próprio Ministro, decidiu propor a declaração de calamidade para o sector baseada em valores idênticos aos que o PCP já tinha divulgado depois de uma visita que os seus Deputados realizaram a várias regiões agrárias, isto é, cerca de 53% no vinho em relação à produção média dos últimos três anos (previsão de 31 de Agosto do IVV), havendo regiões como a Bairrada, a zona dos vinhos verdes, Trás-os-Montes, o Dão ou a Estremadura onde as perdas oscilam entre os 67% e 91%; a quase totalidade da cereja e 90% na pêra-rocha (em relação à última campanha); mais de 70% nos cereais sendo que maçã, pêssego, kiwi, entre outras, estão também seriamente afectadas.

Porquê esta aparente desorientação e a nuvem de fumo que o Governo quis lançar escondendo a gravidade da situação e debilitando gravemente, nesta matéria a própria capacidade negocial junto da União Europeia?

1º - Porque, apesar da crise se arrastar já há bastante tempo, o Ministério da Agricultura não ter ido para o terreno para, junto dos agricultores, fazer um levantamento real da produção;

2º - Porque, condicionado como está a objectivos que nada têm ver com os interesses da agricultura portuguesa como são os que decorrem dos constrangimentos impostos no âmbito de Maastricht, o Governo se recusar a reforçar as ridículas dotações que estão inscritas no orçamento do SIPAC e do Fundo de Calamidades para 1998.

3º - Porque o Ministro da Agricultura quer fazer crer que, afinal, a agricultura vai no melhor dos mundos com a política do Governo PS o que é obviamente falso.

Não foi, afinal, o Secretário de Estado Capoulas Santos que afirmou que o programa do PS estava praticamente cumprido na agricultura?

Se está então é caso para dizer, como dissemos, desde o início, que nas matérias estruturantes o Programa do PS não se diferenciava no essencial do PSD e não iria relançar, modernizar e dinamizar a agricultura portuguesa. A vida aí está a demonstrá-lo.

Não tendo sido tomadas medidas de fundo para reorientar os sistemas produtivos em função das nossas condições edafo-climáticas, nem medidas no campo da concentração da oferta, da comercialização e da rede de frio, nem adaptadas às condições de inserção internacional da agricultura portuguesa o País continua sujeito às decisões casuísticas, campanha após campanha e demasiado dependente das oscilações climatéricas.

Não tendo sido criado um sistema de cobertura de riscos que dê resposta às características mediterrânicas do nosso clima os agricultores portugueses vêem-se na contingência ou de se endividarem cada vez mais, ou de abandonarem a agricultura ou de periodicamente requererem contra a sua própria vontade, subsídios e apoios extraordinários.

A verdade é que o Seguro Agrícola, apesar de nalguns aspectos ter melhorado em relação ao passado, continua construído, no essencial, de modo a defender as Companhias de Seguros e não a defender os agricultores.

Querem exemplos, Senhores Deputados?

Eis alguns: o Sistema de Seguro (SIPAC) não cobre riscos habituais na agricultura, como o das chuvas prolongadas, secas fora de tempo, oscilações bruscas de temperatura ou geadas tardias; no olival, por exemplo, o agricultor - mesmo que tenha feito o seguro e pago o prémio - só tem direito a uma qualquer indemnização no caso do risco ocorrer com o fruto formado. Como este ano, por exemplo, o granizo caiu ainda na fase da flor fazendo perder a produção o agricultor, embora tendo pago o seguro, nada recebe. Na vinha o seguro não cobre o chamado "desavinho". Nos cereais como a quebra de produção decorre de não se terem podido fazer as sementeiras, isto deu lugar a que o seguro não tenha sido feito.

E a verdade, ainda, é que mesmo quando o agricultor consegue ter direito a alguma indemnização 20% fica logo nas seguradoras a título de franquia.

Acresce ainda que o Fundo de Calamidade - que só abrange a parte dos prejuízos não cobertos pelas seguradoras - só é aplicável a quem tenha feito Seguro Agrícola e pago uma taxa especial para aquele Fundo.

E mesmo, neste caso, até ao ridículo montante global de 500 mil contos que é o que está orçamentado sendo que, deste valor, 10% reverte à cabeça para as Companhias de Seguros. É, por isso, que declarar a situação de calamidade sem reforçar substancialmente as respectivas dotações de pouco serve. Mas, mesmo assim, proposta a sua declaração em 31 de Julho, até hoje, 10 de Setembro ainda não tinha sido publicada a respectiva portaria.

E a propósito: desafiamos o Governo a confirmar se tem havido ou não fraudes nos seguros agrícolas, como noticiava o DN envolvendo as próprias seguradoras. O Governo já promoveu alguma inspecção nesta matéria? Se sim que resultados obteve? Senão, porque não o fez? Aguardamos as respostas.

Senhores Deputados,

Não temos tempo para desenvolver mais esta matéria.

Mas, o que fica dito justifica plenamente o nosso projecto de resolução onde propomos que a Assembleia da República
- Manifeste solidariedade com os agricultores portugueses;
- Defenda um levantamento urgente dos prejuízos verificados, em articulação com as estruturas representativas da lavoura;
- Pronuncie-se a favor do accionamento do Fundo de Calamidades e do reforço das suas dotações;
- Defenda a necessidade de uma intervenção excepcional do Estado com a consequente disponibilização dos meios financeiros, para além do Fundo de Calamidades;
- Exorte o Governo a solicitar o apoio extraordinário da União Europeia, reorientando as verbas de apoio destinadas a Portugal e que não vão ser utilizadas devido, exactamente, à quebra da produção;
- Defenda a adopção de medidas de apoio dirigidas aos trabalhadores agrícolas cuja situação laboral esteja afectada pelos acidentes climatéricos.

Queremos ainda, nesta oportunidade, reafirmar ser intenção do PCP apresentar brevemente um Projecto de Lei de revisão do Sistema de Seguro Agrícola se entretanto o Governo continuar a não querer afrontar os interesses e os lucros das seguradoras.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Esperamos a aprovação deste Projecto de Resolução.

Mas mais do que isso. Esperamos, nesse caso, que o Governo e, em particular, o Ministro da Agricultura, aceitem a vontade e cumpram a recomendação desta Assembleia em defesa da agricultura e dos agricultores portugueses.

Disse.