Proposta de Lei nº 125/VII,
que criminaliza os mais graves atentados dolosos contra a liberdade de circulação de transporte rodoviário, ou por ar, água ou caminhos de ferro que não cheguem a criar perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado
Projecto de Lei nº 385/VII,
do PSD, que introduz alterações na legislação penal, em particular no respeitante aos crimes sexuais contra menores e aos crimes contra a liberdade de circulação.

Intervenção da deputada Odete Santos
22 de Outubro de 1997

 

Senhor Presidente,
Senhor Ministro da Justiça,
Senhores Deputados,

Governo erigiu como prioridade da sua política criminal:

A apresentação desta Proposta de lei Penal extravagante, desinserida do Código Penal, prova à evidência que o Governo quer erigir a lei criminal em arma de combate contra os problemas sociais.

Arrefecido o fogacho de adolescente que fazia bramar o Partido Socialista na oposição contra os desígnios do núcleo duro do P.S.D. de criar um Código Penal da Ponte, tiradas as boinas e todos os sinais meramente exteriores de contestação à política de direita, o Partido Socialista adopta um discurso jurídico-penal que criticou no passado, visando encobrir através da intimidação, através de uma prevenção geral pura, a indignação das populações relativamente a graves problemas sociais.

E se isto é grave, mais grave é que os objectivos se escondam sob ternos balidos de cordeiro, mais convincentes se a pele de que se reveste se apresentar como autenticamente genuína.

É isso que o Governo e o Partido Socialista fazem pretendendo extrair da Constituição a justificação da neocriminalização de condutas que o P.S.D. só agora tem coragem de apoiar cedendo, tardiamente para o ex-ministro Dias Loureiro, a exigências de repressão que formaram tendência no seu anterior Governo.

O P.S. ( quem diria! ) e o P.S.D. sofrem da síndroma da Ponte e provam-no com as iniciativas legislativas que hoje discutimos.

Por mais que se esforcem por demonstrar que pretendem garantir o direito à liberdade de circulação, o Governo e Partido Socialista falham porque está bem claro que o Governo transforma a lei penal num exercício do Poder contra grupos determinados, contra pessoas que não são criminosas, contra pessoas angustiadas, desesperadas e indignadas.

A neocriminalização de condutas só pode encontrar justificação quando desencadeiem consequências comunitariamente inaceitáveis. O que não é o caso.

Porque todos compreenderam a revolta e a angústia dos trabalhadores da Marinha Grande perante os salários em atraso e o encerramento de empresas. A revolta dos trabalhadores da Grundig. Foi generalizado o buzinão da Ponte, o repúdio da violenta carga policial.

E perante a benção do Partido Socialista ao bloqueio da Ponte 25 de Abril, todos entendem que debaixo da hoje tão abusada palavra liberdade se esconde a funcionalização da Lei penal aos objectivos do Partido Socialista e não da comunidade, o uso da Lei penal como instrumento político de direcção social, como promotora da segurança interna que erige cidadãos que reclamam como inimigos públicos. Todos compreendem que a lei penal não é aqui reduto de protecção, em última instância, dos valores fundamentais da comunidade. Funcionando não como garante do direito à liberdade, mas como rolha no engarrafamento de direitos por efectivar.

Estamos perante uma proposta que configura um novo crime de perigo mas de perigo presumido, não de um perigo abstracto, e muito menos de um perigo abstracto - concreto, como acontece com os artigos do Código Penal relativos a atentados contra a liberdade de circulação. Que hoje já são punidos, desde que se prove que dos mesmos resultou perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado, de pessoas concretamente determinadas.

Para cometer o crime previsto na proposta de lei, não é preciso provar que determinada, ou determinadas pessoas viram cerceado o seu direito à liberdade de circulação.

Assim, o arguido seria condenado com base em meras presunções de perigo. Ora, nos crimes de perigo presumido, como são os configurados na Proposta de Lei, a distância entre a conduta e uma eventual lesão de bens jurídicos tutelados é de tal forma grande, que fica provado que a tutela penal visa, não a salvaguarda de um perigo, mas a imposição de condutas que interessam ao Governo.

Debalde o P.S. e o P.S.D. confluem na criação de um novo crime de perigo presumido. Sendo que este último Partido o adoptou entre outras propostas relativas, nomeadamente a crimes contra as pessoas, que o Ministério da Justiça preteriu em favor de propostas do Ministério da Adminsitração Interna. Tudo isto é em vão. Porque, nascendo deslegitimada a proposta, transforma-se em proposta simbólica.

E, como disse um ilustre penalista estrangeiro (W. Hassemer ) o Direito Penal simbólico a curto prazo mitiga, a longo prazo destrói.

Disse.