Relatório da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais
Intervenção de Rodeia Machado
2 de Abril de 2004

 

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

O debate que hoje aqui fazemos sobre o relatório da Comissão Eventual dos Fogos Florestais, criada por proposta do Grupo Parlamentar do PCP, e aprovada por unanimidade da Assembleia da República, na sequência dos dramáticos incêndios do Verão de 2003, não reflecte muitos dos depoimentos que foram produzidos, em sede de comissão, por várias entidades e individualidades que quiseram prestar ali o seu contributo através de uma análise detalhada dos acontecimentos sobre as causas e consequências, mas também sobre propostas concretas quanto ao futuro.

Como sempre temos dito, quer na Comissão Eventual, quer em várias intervenções neste plenário, consideramos que houve mais que um tipo de causas que levaram à eclosão e dimensão dos fogos florestais que assolaram o país, no Verão de 2003.

Elas não só derivam de factores conjunturais, mas também de factores estruturais.

A falta de ordenamento da floresta, como por todos é conhecida a falta de compartimentação dessa mesma floresta, com espécies mais resistentes à progressão dos fogos, a insuficiência de caminhos e aceiros, a localização de pontos de água de fácil acesso, o abandono da floresta fruto das políticas agrícolas que têm sido seguidas, foram e são factores de risco para o aparecimento dos fogos.

Mas também os factores climatéricos do Verão passado foram importantes para a deflagração dos incêndios e para as dimensões que chegaram a atingir.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Mas todos sabemos que é diferente combater um fogo nascente, do que um incêndio quando toma determinadas dimensões.

A falta de vigias florestais para detectar o fogo nascente, a falta de equipas de sapadores florestais para primeira intervenção, a descoordenação nas estruturas de nível nacional, distrital e local, a par de uma intervenção tardia do Governo, foram factores condicionantes das acções de combate aos fogos.

Tudo isto ouvimos ao longo das várias reuniões da Comissão Eventual provenientes das entidades e individualidades que ali recebemos. Só o PSD e o CDS/PP parece não terem ouvido.

De facto, a maioria parlamentar do PSD e CDS/PP construíram um relatório, no que às conclusões diz respeito, cuja preocupação principal foi sobretudo o de branquear o processo da fusão do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço Nacional de Protecção Civil no Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, feito em cima da hora, fora de tempo e do modo como foi feito.

A lei orgânica da fusão não teve em conta os dois serviços de origem, e foi uma amálgama de conteúdos, feito quase em cima de maior incidência dos riscos de incêndios florestais (Abril de 2003), que deu origem a uma descoordenação a nível nacional, distrital e local.

Pode-se dizer que esta situação condicionou na prática a criação do Centro Nacional de Operações de Socorro que, face ao pouco tempo disponível para a sua implementação, não foi capaz de organizar uma estrutura de coordenação que efectivamente desse apoio, dirigisse e coordenasse as acções de combate aos fogos florestais.

Por outro lado, o desaparecimento da Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais, extinta conjuntamente com os outros dois serviços, não foi substituída por uma estrutura de coordenação de nível nacional e eficaz, o que levou na prática à desorientação das Comissões Especializadas de Fogos Florestais Municipais, a quem competia, no terreno, as acções de coordenação concelhia.

Criou-se um vazio no plano de coordenação das estruturas que operavam no terreno.

Tudo isto foi confirmado, em Comissão, por várias entidades, ou seja, a maioria das pessoas ouvidas, mas só os Deputados do PSD e do CDS/PP não ouviram, ou antes, não quiseram ouvir o que nas actas ficou registado.

Com efeito, as conclusões extraídas neste relatório não correspondem, em nosso entender, às expectativas que foram criadas com a formação desta Comissão, e por isso apresentámos propostas que, pese embora algumas tenham sido aceites pela maioria do PSD e CDS/PP, foram no entanto insuficientes e por isso votámos contra este mesmo relatório. A questão central é mesmo a descoordenação e a acção tardia do Governo face a esta situação.

• Algumas das propostas que não foram aceites visavam o fomento e a promoção do associativismo florestal, de modo a avançar-se rapidamente para a tão necessária reestruturação fundiária e das explorações, promovendo-se o envolvimento dos produtores florestais, nomeadamente os pequenos produtores, com a participação das suas associações e das comunidades dos baldios.

• A necessidade do Fundo de Fomento Florestal dar particular atenção aos produtores florestais, com vista a viabilizar os processos de reorganização da sua estrutura florestal, nomeadamente nas áreas de maior risco, onde se torna necessário abrir caminhos e aceiros, ou ainda onde seja necessário substituir espécies florestais por outras mais resistentes ao avanço dos fogos.

• A necessidade de nas áreas ardidas ter em atenção não só o ordenamento, mas também a diversificação e compartimentação da floresta.

• Quanto à criação dos Parques de Recepção de material lenhoso ardido, e com base na experiência do ano de 2003, eles deveriam, no futuro, ser dotados de meios de corte e transporte e pagamentos adequados e atempados no sentido de apoiarem em tempo útil os produtores florestais afectados pelos incêndios que percorram a sua exploração.

• Quanto à reforma institucional fizemos um conjunto de propostas que, em nosso entender, vão de encontro às necessidades das estruturas que combatem os fogos, em Portugal, bem como da necessidade da sua implementação o mais rapidamente possível, visando a preparação para o próximo Verão para que não aconteça o mesmo que em 2003.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

Queremos deixar aqui expressa a preocupação do Partido Comunista Português, quanto ao facto das medidas anunciadas pelo governo, ou outras que se revelem necessárias, na prevenção e combate aos incêndios florestais, poderem não estar operacionais para o Verão de 2004, designadamente na criação efectiva das Comissões Municipais da Defesa da Floresta (por falta de financiamento) e por as mesmas terem tido a participação directa das Autarquias Locais.

São igualmente preocupantes, a falta de constituição atempada das brigadas de primeira intervenção e da sua instalação descentralizada, em zonas de risco, bem como a da dotação dos Corpos de meios adequados ao combate aos fogos, assim como o esforço dos guardas florestais e vigias, no sentido do reforço de meios de vigilância e combate ao fogo nascente.

Queria, para finalizar, aqui deixar expresso, que estas preocupações são partilhadas por muitas das entidades e das individualidades que aqui estiveram na Comissão e que cabe ao governo do PDS e CDS/PP a responsabilidade directa no assumir da preparação para o combate aos fogos.

Sabemos que não podemos evitar os incêndios, mas podemos, pode o governo criar as condições para amenizar tal situação.

A floresta portuguesa, como riqueza e fonte de vida, e os portugueses não perdoarão ao governo, se mais uma vez falhar na sua protecção por falta de medidas e tomadas atempadamente.