Intervenção de

Votação Final Global do Orçamento de Estado para 1998 - Intervenção de João Amaral

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados:

Dentro de momentos, com as votações finais do Plano e do Orçamento de Estado para 1998, cai finalmente o pano sobre esta espécie de farsa política que aqui se vem realizando desde há um mês. O Plano e Orçamento de Estado apresentados pelo Governo minoritário do PS e aqui debatidos ao longo destes dias tinham na realidade o seu apoio de viabilização já negociado e garantido. O jogo estava viciado pelo entendimento estrutural entre PS e PSD. O Orçamento do bloco central pró-Maastricht e pró-Moeda Única, tinha passagem garantida, na generalidade, na especialidade e na votação final global.

Olhando agora retrospectivamente os jogos de Verão, com que o PS e PSD entretiveram o País, as ameaças, os tabus, as chantagens e todos o tipo de fitas, pergunta-se aos actores, aos fiteiros, dessas farsas, que esperam, face a este resultado, que o País pense da política tal como a vêm fazendo. O que os portugueses pedem são respostas para preocupações profundas que têm, face à evolução da situação económica e social. A questão do desemprego, e particularmente o desemprego de longa duração torna-se na imagem das pessoas, uma questão cada vez mais dramática. Os cidadãos não se conformam com a permanente degradação da qualidade da relação de emprego que afecta cada vez mais portugueses, em particular jovens, condenados ao biscate, ao recibo verde, ao trabalho quase clandestino. Os cidadãos reclamam ganhas efectivos da sua qualidade de vida e do seu poder de compra. Significativas camadas da população portuguesa, mais carenciada, como os reformados e os pensionistas, têm direito a manifestar a sua revolta pelo facto de apesar, dos muitos números de sucesso,continuarem a viver no limiar da pobreza, de forma inaceitável no Portugal que hoje somos.

A tudo isto, o PS respondeu negativamente neste Orçamento de Estado. É importante aqui esclarecer a responsabilidade política. Este Orçamento pode ser - é - o Orçamento que o PSD viabiliza. Mas não é o PSD que está no Governo (pelo menos formalmente, já que na política executada pelo PS, o PSD está sempre a reconhecer-se). Quem está no Governo é o PS. Este é o Orçamento que o PS quis, que o PS propôs e que o PS aprovou. O Orçamento faz reviver o bloco central, mas a responsabilidade é do PS.

O PS e o Senhor Primeiro Ministro não gostam que se lhes diga isto. Não gosta que se pontem os erros estratégicos que comete, não gosta que se recordem aqui as promessas eleitorais que fez e não cumpriu. Fica crispado como um ouriço quando aqui o PCP levanta a voz em defesa do mundo do trabalho, em defesa do emprego, e da melhoria das condições de vida, contra a delapidação do património público (de todos nós), nesse regabofe para os grupos económicos que têm sido as privatizações. Ou quando o PCP apresenta propostas para a melhoria das reformas e pensões, ou para o desagravamento fiscal em IRS dos escalões menos elevados da tabela respectiva para beneficiar os trabalhadores de menores rendimentos, ou para reduzir drasticamente os múltiplos benefícios fiscais de que gozam as grandes empresas, ou para acabar com escandalosas situações de fuga ao imposto. O PS não gosta, e o Senhor Primeiro Ministro chegou a falar em granizo. Podia-lhe ter saído pior pela boca fora, mas já que gosta de metáforas meteorológicas, tenho de dizer-lhe que cada vez parece mais que falar-lhe, a si e ao Governo, em coisas como promessas eleitorais, política de esquerda e interesses do povo e dos trabalhadores é como chover no molhado: não adianta nada. O Orçamento do Governo é um mau orçamento, espartilhado pelos critérios de Maastricht, que deixa sem resposta as necessidades do País, que mantém, e aqui e ali até agrava, a injustiça fiscal, que continua a política de favores ao capital, que - espantemo-nos - ainda por cima piora a parte do trabalho na distribuição do rendimento nacional, em favor dos lucros, e que bloqueia a resposta às justíssimas reclamações de camadas desfavorecidas como os reformados e pensionistas.

Não espanta assim, que este Orçamento vá ficar conhecido pelo orçamento da ostra. Aquele Orçamento onde o PS fechou a porta a um real impulso à economia, a um aumento mínimo de 3.000$00 para os reformados, à correcção da insuportável situação dos professores reformados antes de 1989 e que só uma insensibilidade tecnocrática e despida de vivência humana pode aqui friamente defender que continue. Mas, assim como fechavam estas portas, punham todo o empenho no desagravamento fiscal das ostras e da comidinha dos "Bobis" e "Tarecos" do pessoal da alta.

É a insensibilidade social revelada com este caso da ostra vai que vai ficar a marcar e a qualificar este debate orçamental.

O PS tem assim o Orçamento para 1998 obediente a Maastricht e às suas imposições para a oeda única. Como já foi também para isso sob o signo de Maastricht, que fez aqui aprovar os Orçamentos para 1996, com o PP a servir de muleta à moeda única, e o Orçamento para 1997, desta vez com o PSD e o PP. O PP protesta inocência, mas, se há alguma coisa que toda a gente sabe, é que foram as exigências de Maastricht e da moeda única que conformaram todas as opções do orçamento de 96 e 97 que aqui aprovou. Peço desculpa ao Sr Dr. Monteiro, mas é assim mesmo. Dizem que o ciúme cega, e talvez isso explique a perturbação.

Mas, isso é a pequena política, e a questão, que aqui fica mais uma vez, é a questão desta opção estratégica pela moeda única. O Governo PS, na continuidade do Governo PSD, tomou esta opção como uma espécie de inevitabilidade de sucesso antecipadamente garantido. Ninguém explicou onde está a inevitabilidade, quem dá a garantia do sucesso e onde estão as vantagens. As desvantagens estão à vista, nas políticas económicas e orçamentais restritivas que estão a ser seguidas. Está à vista do claro domínio que as grandes potências vão ter no controlo da política monetária.

Está à vista na perda de importantes instrumentos nacionais de política. Como vantagens, o Governo fala da inflação. Mas, a descida da inflação não é uma vantagem da moeda única, é um raciocínio absolutamente torcido atribuir a uma realidade futura o que não passa de uma pura opção, à qual se fez subordinar um conjunto de factores económicos. Se a inflação baixou não foi por haver moeda única, foi porque se esfriou o consumo. A inflação não é um bem em si. O único valor absoluto relevante é o desenvolvimento sustentado e esse está a ser comprometido.

Entretanto, já se pode adivinhar o discurso de exaltação que o Governo não deixará de fazer para a comunicação social. Sob a capa de uma auto-invocada sapiência cientifica, aparecerá o discurso politiqueiro do costume, o das promessas, o das bem-aventuranças futuras. E o pré-anúncio de que no Orçamento de 1999, o ano eleitoral, haverá tudo: menos impostos, mais subsídios e uma folga nos rendimentos individuais.

Da nossa parte pode o sr. Primeiro Ministro contar que não é com uma frase meteorológica que nos cala. Conte connosco, continuaremos a defender o mundo do trabalho, a combater o alargamento incomensurável do poder dos grupos económicos sobre a nossa economia e mesmo sobre a política, a defender os interesses nacionais, a defender as camadas mais desfavorecidas do nosso povo, a lutar pelos sistemas públicos de prestações sociais na saúde, educação, segurança social e outros.

Imagine o arrojo e despautério, sr. Primeiro Ministro, continuaremos a ser de esquerda, e estar inteiramente dedicados à causa do progresso e da justiça para o nosso povo e para Portugal.

Disse.

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