Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Sessão «O vírus, a exploração e a pobreza»

O vírus, a exploração e a pobreza

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Há muito que enfrentamos e combatemos, em Portugal, o grave flagelo da pobreza e das desigualdades sociais.

Na sua origem está um vírus, mais antigo que o perigoso e mortífero vírus da Covid-19 – o vírus da exploração e das políticas que o alimentam.

É um flagelo que assumiu e assume uma enorme gravidade, quer pela sua dimensão, quer pela sua persistência no nosso País.

É verdade que nos últimos 4, 5 anos pós período do Pacto de Agressão foi possível conter a sua evolução negativa e até invertê-la, em resultado da concretização da política de reposição e conquista de direitos e rendimentos pela qual o PCP se bateu. Uma inversão de escassa dimensão e que agora se agrava novamente no quadro do surto epidémico e das insuficientes políticas sociais executadas para conter as suas negativas consequências.

Lembramos que, em 2018, cerca de 17,2% da população, segundo o INE, estava em risco de pobreza em Portugal. Trata-se de portugueses que sobreviviam com um rendimento inferior a 501 euros por mês. Tal como importa referir que as transferências sociais relacionadas com a doença, o desemprego, entre outras prestações sociais, contribuíram significativamente para a redução do risco de pobreza no nosso País.

Não temos dúvidas que a recuperação de rendimentos e direitos que foi possível alcançar, entre 2016 e Março de 2020, com a contribuição decisiva do PCP e da luta geral dos trabalhadores e do nosso povo, se traduziu numa melhoria das condições de vida e num travão ao aumento da pobreza em Portugal.

A valorização dos salários e do Salário Mínimo Nacional, ainda que insuficiente e longe das propostas do PCP, a criação de emprego, a concretização por quatro anos consecutivos do aumento extraordinário das pensões, a valorização das longas carreiras contributivas, a melhoria da proteção social no desemprego, a valorização do abono de família para crianças e jovens, do abono pré-natal, dos direitos das pessoas com deficiência, entre outros, pesaram positivamente nessa evolução, tal como pesará a proposta do PCP já aprovada de a gratuitidade das creches para as crianças até aos 3 anos para as famílias do primeiro escalão de rendimentos e para o segundo filho do segundo escalão.

Confirmou-se que a valorização dos salários, das reformas e das prestações sociais é um factor decisivo, que não único, para diminuir as desigualdades sociais e combater a pobreza, ainda que estes tenham ficado muito aquém das necessidades e possibilidades por opção própria do Governo PS, que rejeitou um vasto conjunto de propostas do PCP que visavam avanços mais significativos no combate às principais causas da pobreza e das desigualdades.

Causas que são conhecidas e que se encontram em décadas de politica de direita subordinada às orientações da União Europeia assente na exploração laboral, em baixos salários, precariedade laboral, numa injusta distribuição do rendimento entre o capital e o trabalho, a par da permanente transferência de recursos públicos para a esfera do negócio privado em detrimento de uma forte aposta no sistema público de Segurança Social, no Serviço Nacional de Saúde, entre outros serviços públicos.

São elas as responsáveis pela existência de mais de dois milhões de portugueses continuarem sujeitos à privação de direitos fundamentais e privados de viver uma vida com dignidade. São sobretudo trabalhadores que empobrecem trabalhando, desempregados, idosos com baixas reformas, famílias com crianças e famílias monoparentais.

Em abril de 2019, mais de 1 em cada 4 trabalhadores recebia o Salário Mínimo Nacional; um em cada cinco trabalhadores com contratos precários; metade dos desempregados sem proteção social de desemprego, devido sobretudo à precariedade laboral; elevado desemprego de longa duração; 10% de trabalhadores pobres.

A situação que se vive hoje decorrente da epidemia da Covid-19 e do aproveitamento que os grandes interesses fazem dela, revela novos e reais perigos de um profundo agravamento das desigualdades sociais e de pobreza. Perigos reais a que as opções do Governo PS não dão a resposta necessária, ficando aquém do que era necessário fazer para os combater. Ao mesmo tempo que à boleia do surto epidémico emergem os que vêem nele uma oportunidade de justificar o aumento da exploração laboral e dos seus lucros, à custa do agravamento das desigualdades sociais e do empobrecimento de vastas camadas da população: os milhares de trabalhadores que ficaram no desemprego, os cerca de um milhão que tiveram cortes nos salários, os micro e pequenos empresários cuja actividade foi suspensa ou se encontra limitada e que correm o risco de ruína.

São muitos milhares que se juntam aos que não têm qualquer perspectiva de saída para a espiral de pobreza em que se têm mantido.

O Governo continua a ter como opções prevalecentes a transferência de recursos públicos para o grande capital, como se viu com o drenar de verbas ao abrigo do lay-off para os grupos económicos e para as multinacionais, que não se eximem à sua utilização para aquisição de activos ou distribuição de dividendos pelos seus accionistas; a promoção da isenção de pagamento das empresas para a Segurança Social afectando o seu financiamento; a manutenção de prerrogativas para os detentores de PPP e a continuação do regabofe de milhões desviados para o Novo Banco e para o fundo especulativo que o detém.

Os muito falados 15,5 mil milhões de euros que Portugal pode vir a receber do novo fundo de recuperação da União Europeia não só são inferiores aos mais de 25 mil milhões de euros em juros da divida que Portugal no mesmo período de quatro anos vai pagar, como tal fundo se traduzirá, no futuro, em novos encargos nacionais e em novas cedências de soberania como vão anunciando.

À boleia do surto epidémico, o grande capital e as forças políticas e sociais dele emanadas ou que com ele convergem retomam a velha teoria das inevitabilidades e à sombra das necessárias medidas sanitárias fomenta-se o imobilismo e a resignação, com a estigmatização de quem luta em defesa dos seus direitos. Já o dissémos e repetimos, o País está hoje a abraços com a intensificação do vírus da exploração, da desigualdade e da pobreza, contra o qual é preciso agir e lutar!

E se afirmamos a imperiosa necessidade de agir contra esse vírus cada vez mais visível na realidade do País, não se pense que subestimamos o surto epidémico e suas consequências na saúde e vida das populações.

A sua prevenção e combate no plano sanitário e clínico é uma necessidade e confirma o papel insubstituível do Serviço Nacional de Saúde. Este é, em todas as circunstâncias, e também nesta situação excepcional, uma âncora no combate às desigualdades sociais e à pobreza, pela garantia de que ninguém seja excluído do apoio médico, seja no quadro da epidemia, seja no direito ao tratamento e à saúde em geral.

Por isso o PCP tem-se batido com propostas muito concretas visando o seu reforço em que se destaca no momento a necessidade de ser adoptado um Plano de Emergência para o Serviço Nacional de Saúde com a adopção de medidas extraordinárias para a contratação de profissionais de saúde, de reforço da capacidade de resposta aos doentes com a Covid-19 e aos doentes com outras patologias, e simultaneamente assegurar o restabelecimento da prestação de cuidados de saúde que foram suspensos.

Um Plano de Emergência que abrange todas as unidades de saúde que integram o SNS, na prestação de cuidados de saúde primários, de cuidados hospitalares e cuidados continuados.

A prevenção e combate à Covid-19 mostra o valor da luta que tem sido travado ao longo dos anos em Portugal, que tem tido no PCP um aliado fundamental, contra a política de direita que o procura fragilizar transferindo para o negócio privado fatias importantes dos recursos financeiros públicos.

Não é indiferente verificar qual é a natureza das políticas económicas e sociais que são adoptadas na situação excepcional que vivemos. As consequências económicas e sociais do surto epidémico não são neutras. É, por isso, fundamental dar respostas de curto prazo que enfrentem a gravidade da situação.

É isso que temos feito. É isso que vamos continuar a fazer no quadro do debate do Orçamento Suplementar, agora apresentado pelo Governo do PS, visando superar as insuficientes medidas que estão contidas no seu Programa de Estabilidade Económica e Social recentemente aprovado. Programa que ficou muito aquém na resposta a problemas económicos e sociais prementes, nomeadamente em relação à defesa dos salários e do emprego e na resposta aos muitos que ficaram sem qualquer meio de subsistência e que todos os dias aumentam a preocupante bolsa de pobreza existente, aos quais é preciso acudir com urgência com a criação de uma prestação social de apoio extraordinária de 438 euros, como propõe o PCP.

Enfrentar o surto epidémico exige que a Segurança Social pública seja um factor de solidariedade, de justiça social e de estabilidade para todos os portugueses combinada com uma política económica orientada para o crescimento do emprego; para o aumento geral dos salários e do Salário Mínimo Nacional, pelo combate à precariedade laboral.

O quadro excepcional que se vive impõe melhorar a protecção social no desemprego, mas igualmente os direitos básicos aos cidadãos, através da atribuição de prestações não contributivas às pessoas mais vulneráveis ou em carência económica no âmbito do sistema de protecção social e cidadania (regime previdencial).

Ou seja, é preciso enfrentar a pobreza, não apenas com amortecedores sociais, assente no assistencialismo, mas criar as alavancas que permitam aos que se encontram nessa situação libertar-se desse atentado aos seus direitos fundamentais e impedir que mais portugueses sejam atirados para essa situação.

É fundamental assegurar que as receitas contributivas não sejam usadas para fins alheios à Segurança Social terminando com a multiplicidade de reduções e isenções ao pagamento da Taxa Social Única. Entretanto, não é possível, perante a dimensão dos problemas, dar resposta ao desenvolvimento económico e social sem responder às questões de fundo que se colocam, designadamente: os riscos de falências em massa; a redução significativa do poder de compra por parte da população e os seus impactos no plano social e económico; o aumento dos preços de bens de primeira necessidade; os problemas e limitações dos serviços públicos; os processos de ainda maior concentração e centralização do capital, antagónicos aos interesses nacionais.

A principal e mais importante condição de retoma económica é a da defesa do tecido económico, da valorização dos salários, pensões e rendimentos dos trabalhadores e do povo.

O PCP nos últimos três meses tem apresentado um vasto conjunto de propostas que visam garantir o pagamento integral dos salários dos trabalhadores em lay-off, alargamento da gratuitidade das creches e soluções equiparadas, criação de apoio ao rendimento de micro empresários e empresários em nome individual, garantia de protecção social dos trabalhadores de empresas de trabalho temporário, dos trabalhadores do táxi e trabalhadoras do serviço doméstico, alargamento do subsídio social de desemprego, entre muitas outras. A maioria destas propostas foram rejeitadas pelo PS. Mas delas não desistimos conscientes da sua necessidade, possibilidade e justiça.

O combate à exploração, às desigualdades sociais e à pobreza exigem uma nova política – a política patriótica e de esquerda – que o PCP preconiza. É com ela que trilharemos o caminho de erradicação da pobreza, indissociável de uma justa distribuição da riqueza aos trabalhadores e suas famílias, da elevação dos seus salários, do combate ao desemprego e criação de emprego de qualidade, com consolidação do papel dos sistemas públicos de Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública.

Para o PCP a luta pela erradicação da pobreza exige a valorização das pensões, a concretização do direito a uma habitação condigna, com a redução dos seus custos nas despesas das famílias e a abolição das taxas moderadoras na saúde.

Promover as medidas adequadas de proteção às crianças e jovens em risco, aos cidadãos sem abrigo, entre outras situações de risco de pobreza e exclusão social.

Responder às situações de pobreza e exclusão social assente na garantia de direitos básicos e no apoio a projectos de vida, com autonomia económica e social, sem prejuízo das medidas de emergência social para responder às situações mais agudas e imediatas.

Porque a pobreza não é uma fatalidade histórica e social, é indispensável enfrentá-la no presente para a eliminar no futuro.

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