Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Atribuição do nome de Álvaro Cunhal a uma Avenida de Buarcos

A vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que o País lhe tem prestado

A vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que o País lhe tem prestado

Senhor Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz,
Senhores Vereadores e senhores Membros da Assembleia Municipal,
Senhor Presidente da Junta de Freguesia de S. Julião,
Minhas senhoras e meus senhores,
Camaradas aqui presentes

Permitam-me que, em nome do meu Partido, saúde a decisão do Município da Figueira da Foz e o apoio dado pela Junta de Freguesia de S. Julião em distinguir essa grande e multifacetada personalidade do nosso Portugal contemporâneo – político e estadista de dimensão nacional e internacional, intelectual, homem da cultura e das artes - que foi Álvaro Cunhal, dando o seu nome a esta Avenida que agora se inaugura.

Figura fascinante, Álvaro Cunhal foi um combatente pela liberdade, a democracia e uma referência na luta pelos valores da emancipação social e humana no nosso País e no mundo.

Personalidade de invulgar inteligência, homem de firmes convicções, inteireza de carácter; político de acção e autor de uma obra notável, Álvaro Cunhal dedicou toda a sua vida e o melhor do seu saber, como dirigente do PCP, como Deputado, como Ministro da República nos governos provisórios de Abril, como Conselheiro de Estado, à causa dos trabalhadores, do seu povo e do seu País.

Estadista, dirigente político experimentado e prestigiado no plano nacional e internacional, estudioso e conhecedor da realidade portuguesa e das relações internacionais, Álvaro Cunhal combinou sempre uma esforçada intervenção concreta sobre a realidade, com uma profícua produção teórica para responder aos problemas da sociedade portuguesa e do seu desenvolvimento soberano, mas também aos problemas do mundo e da luta dos outros povos.

Álvaro Cunhal conhecia bem esta terra. Por aqui andou e aqui teve uma casa de apoio, e daqui partia para esse longo combate que travou contra a ditadura fascista, como membro do seu Partido de sempre – o PCP – que ajudou a construir de forma marcante a partir dos anos 40 e do qual foi Secretário-Geral.

Foi ainda muito jovem que Álvaro Cunhal começou a tomar partido nos grandes combates do seu tempo, fazendo a opção pelos direitos dos explorados e oprimidos e de se entregar inteiramente à causa emancipadora dos trabalhadores, da liberdade, da democracia, do socialismo.

Um compromisso de uma vida inteira, tomado quando o nosso País enfrentava já a tragédia do fascismo que haveria de oprimir o nosso povo por 48 longos anos e mover-lhe uma perseguição implacável.

Com um percurso de vida e luta de exemplar dignidade, resistindo com uma indomável determinação às mais terríveis e duras provas em dezenas de anos de vida clandestina e prisão nos cárceres fascistas.

Personalidade central da resistência ao fascismo, Álvaro Cunhal, foi um protagonista destacado presente nos mais significativos e importantes acontecimentos da nossa história colectiva do último século e princípios do presente.

Homem de Abril, Álvaro Cunhal, deu um contributo precioso com a sua acção, mas particularmente com essa obra notável que é o “Rumo à Vitória” e que, inquestionavelmente, apontou os caminhos criou condições para a Revolução libertadora de Abril, a sua defesa e consolidação, e para as profundas transformações revolucionárias operadas na sociedade portuguesa.

Obra marcante e que haveria de ter um grande impacto e influência em largos sectores do movimento democrático e na dinâmica e unidade das forças da Oposição ao regime de Salazar e Caetano.

Mas a dimensão política e de estadista não se revela apenas nos períodos da resistência ao fascismo e no período dos grandes avanços revolucionários.

A sua dimensão de político e estadista está patente nos combates em defesa das conquistas e realizações de Abril e dos seus valores, nas batalhas que travou em defesa da Constituição da República e do projecto que transporta.

Dirigente político experimentado, Álvaro Cunhal combinou sempre uma esforçada intervenção concreta sobre a realidade, com uma profícua produção teórica para responder aos problemas da sociedade portuguesa e à concretização de um projecto de desenvolvimento soberano do País.

Possuidor de uma densa cultura e de uma grande dimensão humanista, deixou-nos um valioso legado teórico de estudos e análise política e histórica, mas igualmente uma importante produção artística.

Um abundante e valioso património que reflecte um pensamento de grande riqueza e actualidade que é uma herança de todos os que aspiram construir um mundo melhor e mais justo, mas também mais belo.

No acervo de estudos e ensaio político abarcando uma diversidade de objectos e temas são célebres a tese pioneira sobre “ O Aborto Causas e Soluções” (1940), o seu trabalho de análise sobre a realidade dos campos em a “Contribuição para o Estado da Questão Agrária”, o seu estudo histórico sobre um período tão significativo para a própria independência do País e tão exaltante pelo papel que desempenhado pelo povo na Revolução de 1383/1385 e que trabalhou em “ As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, mas também outros períodos da nossa história mais recente em “A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro”, entre outros.

Uma abundante análise e um olhar permanente sobre os mais variados problemas do País e da vida internacional de eminente pendor político podem ser encontrados nos seus “Discursos Políticos” editados em 23 volumes, nas “Obras Escolhidas” e numa profusão de artigos e brochuras de revistas nacionais e internacionais.

Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção revolucionária no plano político com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida, nomeadamente na actividade de criação artística.

Autor de uma arte comprometida e por onde perpassa o povo que sofre e luta, Álvaro Cunhal, cria uma dezena de obras literárias, de onde emergem, como expoentes maiores, o romance Até Amanhã, Camaradas e a novela Cinco Dias, Cinco Noites, ambos escritos no isolamento total da Penitenciária de Lisboa. É na prisão que leva por diante a notável tradução do Rei Lear, de Shakespeare, desenha e pinta um vasto conjunto de quadros e produz o texto sobre estética Cinco Notas Sobre Forma e Conteúdo – matéria que voltará a abordar, mais tarde, após o 25 de Abril, no importante ensaio A Arte, o Artista e a Sociedade, uma obra onde se revela o valor social da criação artística.

A vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que o País lhe tem prestado.

Uma homenagem que, neste momento de inquietantes fenómenos de regressão social e retrocesso civilizacional, tanto mais se justifica para demonstrar que os políticos não são todos iguais e que actividade política pode e deve ser uma actividade nobre.

Nesta matéria também Álvaro Cunhal nos deixa um imenso legado.

Deixa-nos desde logo esse grande o exemplo da entrega desinteressada ao serviço da causa justa que abraçou.

Uma concepção do exercício da actividade política entendida como realizada para servir o povo e o País e não interesses pessoais ou de grupo.

Uma concepção onde está presente a recusa de vantagens sociais e privilégios pessoais.

Uma concepção do exercício da actividade política conduzida por valores políticos éticos, desde logo o valor do respeito pela verdade.

Uma concepção que rejeita a demagogia, a retórica barata, a política espectáculo e as exibições teatrais ou a política de criação de “factos políticos”. Práticas que conduzem à impunidade, ao abuso do poder, à corrupção.

Dizia Álvaro Cunhal que “política é uma palavra digna. Significa uma orientação, uma proposta e uma intervenção destinada a resolver os problemas que se colocam na vida de qualquer sociedade”.

Álvaro Cunhal foi bem o exemplo do político que dignificou a actividade política, como uma actividade nobre, porque exclusivamente ao serviço da resolução dos problemas do País e do povo.

Num momento em que no País se afirma a necessidade de encontrar os caminhos do progresso e da justiça social, a luta, a obra e o pensamento de Álvaro Cunhal projectam-se como contributos inestimáveis para a conquista de um futuro que tenha como referência os valores de Abril – os valores da liberdade, da emancipação social, do Estado ao serviço do povo e não da exploração, do desenvolvimento visando a melhoria da qualidade do nível de vida dos portugueses, o pleno emprego, uma justa e equilibrada repartição da riqueza nacional, da soberania e independência nacionais.

É para nós inquestionável que são os povos que fazem a história, mas é inquestionável também que ela precisa do concurso dos homens certos e em cada momento, para lhe dar rumo e movimento. De homens como Álvaro Cunhal, que conhecendo a realidade e os desafios do seu tempo, são capazes igualmente de compreender e interpretar as aspirações mais profundas do povo e lhes dar um sentido!

Mais uma vez saudamos a decisão do Município da Figueira da Foz e o apoio da Junta de Freguesia de S. Julião que nos honra e honra a sua memória!

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