Intervenção de Diana Ferreira na Assembleia de República

"Vida autónoma, independente e digna – direito inalienável de todos e de cada um"

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Ao longo dos últimos anos, particularmente nos anos de governação PSD/CDS, que foram anos de aumento do empobrecimento e de agravamento das injustiças e desigualdades sociais, as opções políticas tomadas tiveram consequências na vida concreta e no dia a dia do povo português, numa realidade marcada por situações de vulnerabilidade económica e social, de pobreza e exclusão social, especialmente agravadas pelo desemprego, pela exploração e precariedade, por baixos salários e pela fragilização dos sistemas públicos de saúde, de ensino e de segurança social, que são instrumentos de garantia de direitos fundamentais e de promoção da inclusão social.
Esta é uma realidade sentida de forma mais gravosa pelas pessoas com deficiência e suas famílias. São, na sua esmagadora maioria, cidadãos com graves carências económicas, sujeitos a uma maior degradação das condições de vida, sendo dos que mais sofrem as violentas consequências do desemprego e da precariedade, colocando-os, assim, nos grupos sociais mais atingidos pela pobreza e pela exclusão social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A taxa de desemprego entre as pessoas com deficiência é significativamente maior, duas a três vezes.
A grande maioria das pessoas com deficiência não está empregada e uma parte significativa não está sequer inscrita nos centros de emprego.
São muitos milhares os trabalhadores desempregados com deficiência que estão há anos à espera de integração laboral e são muitos outros milhares que estão em ações de formação e que deixam de contar para as estatísticas, como se a sua situação laboral e social estivesse, assim, resolvida. As dificuldades no acesso ao emprego são profundamente agravadas no caso destas pessoas.
A esta realidade acresce a da dificuldade no acesso à educação e o continuado desinvestimento na escola pública compromete a escola inclusiva e solidária e o direito constitucional das crianças e jovens com deficiência. São milhares as crianças e os jovens sem acompanhamento nas escolas por falta de professores e outros profissionais de educação especial; são inúmeras as crianças e os jovens que, por alterações introduzidas por PSD/CDS nos critérios de atribuição do subsídio de educação especial, viram este apoio cortado, além de atrasos no seu pagamento, o que, em muitos casos, originou a interrupção das terapias e conduziu a retrocessos clínicos graves.
A educação inclusiva significa que todas as crianças e jovens, independentemente das suas características, origens e condições, podem aprender juntos na escola pública das suas comunidades.
Acrescem, ainda, as profundas limitações também no acesso à saúde, com o desaparecimento de serviços e valências hospitalares e unidades de saúde, sem esquecer a dificuldade no acesso às ajudas técnicas e às necessárias terapias e, ainda, a escassa resposta pública na área da reabilitação para as pessoas com deficiência e para os sinistrados do trabalho.
Além de todas aquelas que são as barreiras físicas e arquitetónicas, de comunicação e informação, que persistem e que urge resolver, continuam a existir gravíssimas limitações no acesso a transportes públicos; continuam a existir edifícios de habitação, de serviços públicos, de cultura que não garantem o acesso a pessoas com deficiência; continua a faltar a valorização da língua gestual portuguesa, constitucionalmente reconhecida «(…) enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades».
As acessibilidades, as várias acessibilidades estão diretamente relacionadas com o pleno exercício dos direitos sociais e políticos.
Também sobre os sinistrados do trabalho aqui cabe uma palavra, considerando o injusto sistema de reparação que têm, bem como o abandono pelo Estado do acompanhamento a estas pessoas – situação que importa trazer para reflexão, de forma a serem encontradas respostas que salvaguardem os seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Registamos como positivos os passos dados na área da deficiência e as medidas que o presente Orçamento do Estado contempla nesta matéria, como o aumento das prestações sociais e o compromisso de ações para a concretização de programas da vida independente, bem como valorizamos a vitória alcançada, com o contributo do PCP, quanto ao regime especial de invalidez, repondo justiça na sua atribuição e alargando esta prestação às doenças raras.
Registamos também as medidas no âmbito das quotas laborais para as pessoas com deficiência, não deixando de referir que a resposta laboral tem necessariamente de ser o trabalho com direitos.
Os passos dados são positivos, mas falta percorrer um longo caminho.
A construção de uma sociedade inclusiva, tantas vezes invocada, exige medidas concretas que garantam a integração laboral e que permitam às pessoas com deficiência viver com dignidade nas suas habitações, participando na vida das suas comunidades, junto dos seus amigos e das suas famílias, promovendo-se a sua autonomia e independência.
Existem instrumentos jurídicos que são, de facto, o garante de direitos das pessoas com deficiência. É preciso efetivar esses direitos e traduzi-los em medidas de combate à discriminação e à exclusão, garantindo o acesso ao trabalho e à proteção social, à saúde, à educação, à habitação, à cultura e ao conhecimento, ao desporto, à participação ativa na vida política e social, eliminando-se, de vez, as barreiras que persistem.
Rejeitamos as tentativas de substituir os direitos das pessoas com deficiência por políticas assistencialistas e caritativas, que representam um profundo retrocesso político e social, entendendo que a resposta passa pela efetivação dos direitos que a lei já consagra, mas que a vida ainda não.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A nossa Constituição determina que o Estado tem a obrigação de «(…) realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração (…)» das pessoas com deficiência, bem como de apoio às suas famílias, devendo «(…) assumir o encargo da efetiva realização dos seus direitos (…)».
Inclusão e integração são palavras cujo peso do seu significado deve ter a respetiva tradução em políticas que traduzam na vida concreta o que está consagrado e previsto na lei e em instrumentos jurídicos internacionais, que foram subscritos e ratificados pelo Estado português, assim o vinculando aos seus pressupostos.
O compromisso que o PCP assume é o de intervir para dar resposta aos problemas das pessoas com deficiência, no caminho de uma vida autónoma, independente e digna, um direito que é inalienável, de todos e de cada um.
(…)
Sr. Presidente, gostaria, desde já, de agradecer as questões colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Falcato Simões e pela Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.
De facto, as preocupações que foram aqui manifestadas são preocupações que acompanhamos. Aliás, no que se refere à prestação única, por exemplo, que está no Orçamento do Estado, foi também uma matéria que suscitámos em reuniões com o Sr. Ministro, dizendo que a preocupação que temos é a de que não pode haver qualquer diminuição naqueles que são os apoios às pessoas com deficiência e que tem de ser feito um caminho de garantia dos direitos destas pessoas e de melhoria das suas condições de vida, considerando a sua grave situação económica e social.
Gostaria, ainda, de dizer que, embora sinalizando os aspetos positivos do Orçamento do Estado, reconhecemos as suas insuficiências. Há, naturalmente, um caminho que precisa de ser feito, um caminho que tem de ser percorrido na garantia dos direitos destas pessoas.
Há legislação, tratados internacionais e instrumentos jurídicos internacionais que o Estado português ratificou e subscreveu e que é preciso efetivar e concretizar na vida destas pessoas.
Há legislação que prevê a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, mas, se está, neste momento, consagrada no papel, prevista na lei, não está ainda efetivada na vida ou no quotidiano destas pessoas, que continuam a defrontar-se com um conjunto de dificuldades no seu dia a dia, nas tarefas mais banais: na deslocação na rua, no acesso a um transporte público, na ida a um centro de saúde.
O encerramento de serviços, valências hospitalares ou unidades de saúde significa, para estas pessoas, uma deslocação acrescida, com todas as dificuldades que já existem, também ao nível do acesso a transportes públicos.
Estas são matérias relativamente às quais, estando já consagradas na lei, nada impede que sejam tratadas novas iniciativas ou novas formas de intervenção. O que importa, sim, é garantir que aquilo que está já consagrado na lei e que as propostas assumidas pelo Estado português, designadamente nos instrumentos jurídicos internacionais que foram ratificados, sejam efetivamente concretizados em medidas políticas concretas que contribuam para a melhoria das condições de vida destas pessoas.
Esta é também uma batalha para a qual o PCP assume o compromisso de contribuir, no sentido de melhorar as condições de vida das pessoas com deficiência.
(…)
Sr. Presidente, agradeço a intervenção da Sr.ª Deputada Mercês Borges que deve estar equivocada porque o PCP não é Governo.
Mas o PCP, não sendo Governo, na última sessão legislativa, quando os senhores eram Governo, apresentou um projeto de resolução sobre a vida independente que a Sr.ª Deputada aqui referiu e que os senhores votaram contra.
Por isso, a preocupação que a Sr.ª Deputada manifestou neste momento, devia ter manifestado na sessão legislativa passada, quando o PCP apresentou o projeto de resolução da vida independente.
Quanto à questão da formação profissional, Sr.ª Deputada, que não sirva para que as pessoas com deficiência andem a saltar de formação profissional em formação profissional e de estágios em estágios, sem terem acesso a um direito seu, ou seja, um trabalho que garanta a sua independência, a sua autonomia e uma vida digna.
O compromisso que o PCP assume, como tem assumido nos últimos anos e proposto nesta Assembleia, é o de melhorar, de facto, as condições de vida destas pessoas e garantir que se cumpram os direitos constitucionais das pessoas com deficiência. Esse é o compromisso que assumimos com estas pessoas, com o povo português.

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