Intervenção de

Utilização da Base das Lages pelos EUA para a operação contra o Iraque - Intervenção de João Amaral

Utilização da Base das Lages pelas Forças Armadas dos EUA para a operação contra o Iraque - Intervenção de João Amaral

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados:

Apesar de os acontecimentos que justificaram este pedido de debate de urgência já terem conhecido o seu desfecho há mais de um mês, o PCP entendeu manter o debate que cinco razões:

Primeiro, porque é necessário que o Governo entenda, de uma vez por todas, que não pode frustrar o direito constitucional dos grupos parlamentares aos debates de urgência em tempo útil,. atrasando, como tem feito, a sua realização com argumentos tirados da "agenda turística" dos membros do Governo.

Segundo, porque os acontecimentos puseram em evidência a questão das autorizações concedidas aos Estados Unidos para a utilização da Base das Lages para operações militares, e é necessário que, de uma vez por todas, fique definido o dever político do Governo trazer os pedidos dos Estados Unidos à Assembleia antes de ser decidido se a autorização é ou não dada.

Terceiro, porque os acontecimentos trazem à colação uma questão central da política externa do Governo PS e que é a de saber se ela se pauta pela rigorosa e inalienável defesa do interesse nacional e pelo critério de uma afirmação própria, ou se navega nas águas de um seguidismo acrítico.

Quarto, porque na sequência, é necessário saber como está o Governo português a defender os interesses de Portugal na zona do Próximo e Médio Oriente e concretamente no Iraque.

Quinto, porque é necessário que seja explicada qual é a posição portuguesa acerca da eficácia de um embargo que, até ver, sacrificou crianças e pessoas indefesas, mas manteve intocado o regime iraquiano, e a ditadura pessoal de Saddam Hussein.

Comecemos pela questão dos debates de urgência. A revisão constitucional de 1997 aditou uma alínea ao artigo 180º, com a seguinte redacção: "Constituem direitos dos grupos parlamentares (...) alínea c) Provocar, com a presença do governo, o debate de questões de interesse público actual e urgente".

Isto não está na Constituição para depois o Governo, quando o debate é solicitado, responder que tem os Ministros espalhados pelo mundo e sem disponibilidade para vir aqui à Assembleia.

Se o Ministro Jaime Gama teve tempo para receber o funcionário americano que veio a Lisboa trazer os recados do sr. Clinton e da sra. Albright (que não se deu ao incómodo de fazer escala em Portugal), por que é que não teve tempo para vir logo a seguir à Assembleia, mesmo sem ser preciso este pedido de debate de urgência? E depois de este pedido feito, como justifica o Governo o atraso na comparência?

Tem que ficar aqui claro que o Governo tem deveres constitucionais perante a Assembleia da República e tem que os cumprir, com diligência e em tempo útil. A minha primeira pergunta é a seguinte: vai o Governo respeitar a Assembleia e cumprir os seus deveres constitucionais?

A segunda questão é a da intervenção da Assembleia nestes processos. Apresentamos ontem na Mesa da Assembleia um projecto de resolução. A sua filosofia é a de estabelecer a prática de que quando é aplicada a disposição do Tratado com os Estados Unidos que permite a utilização da Base das Lages, o Governo venha antes disso às 2ª e 3ª Comissões Parlamentares, de Negócios Estrangeiros e Defesa Nacional.

Neste caso da operação americana contra o Iraque, nem era uma operação NATO, nem havia resolução da ONU que lhe desse cobertura. Logo, nos termos do acordo, era necessária autorização prévia.

A autorização envolve Portugal num potencial conflito armado, com decisões que, no desenvolvimento do processo, não são da competência do Governo, mas sim do Presidente da República, Assembleia da República e Conselho Superior de Defesa Nacional.

O Governo não pode invocar o seu programa, em matéria que o transcende e que não podia estar prevista na altura da sua passagem aqui na Assembleia. Não pode dizer que, sendo a decisão da sua competência, a Assembleia lhe é estranha. Por todas as razões constitucionais e políticas, o Governo tem o dever de informação prévia à Assembleia sobre os pedidos de utilização.

A minha segunda pergunta, dirijo-a ao Governo e às diferentes bancadas, é se acham ou não justa e adequada a resolução que propomos à aprovação?

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Quanto ao fundo da questão, a autorização concedida aos Estados Unidos, a nossa posição é a de que ela não se adequou às resoluções da ONU e ao direito internacional, não defende os interesses nacionais e não contribuiu para uma afirmação própria da política externa portuguesa.

Muitos países do Mundo se manifestarem contra a posição americana. Por exemplo, a França e a Itália. E em Espanha, quando o Primeiro Ministro Aznar declarou a intenção de ceder a base de Morón, o PSOE protestou vivamente. Também se opuseram a Federação Russa, a China. Até a Turquia se opôs à cedência da base Incirlik. E o Socialista Jack Lang, Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional Francesa declarou : "nenhum País, por mais poderoso que seja, se pode arrogar o direito de decidir sanções sobre o Iraque".

Passadas cinco semanas desde o acordo assinado por Koffi Anan, pergunto ao sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e é a minha terceira pergunta: afinal, quantas armas químicas, bacteriológicas ou nucleares foram encontradas no Iraque? Que tenha sido dito, nem um pulverizador de DDT, que, como se sabe, está proibido.

Mas, eu sei onde há imensos arsenais de armas químicas, bacteriológicas e nucleares. É nos Estados Unidos, sr. Ministro. Os Estados Unidos não foram um dos países que se opuseram à assinatura de um Pacto para a Eliminação das Minas Antipessoais, uma das armas mais repelentes da História?

Esta intervenção militar no Iraque, como os bombardeamentos de há dois anos, ficam como a marca da arrogância e despudor da superpotência única, e que hoje marcam o Mundo.

Foram os Estados Unidos que na guerra do Golfo quiseram que Saddam Hussein continuasse no poder. E agora? Querem realmente derrubar o ditador? Ou queriam experimentar a mais recente geração de armas inteligentes?

Portugal não se pode portar nesta situação como se não tivesse interesses próprios e voz própria. O comportamento ligeiro e acrítico do Governo é totalmente inaceitável para um país que, ainda por cima, é membro do Conselho de Segurança da ONU.

Faço aqui, no que respeita aos interesses de Portugal, uma outra pergunta ao Governo. Países como França, Itália, Grécia, Espanha mantêm activas e empenhadas as suas embaixadas no Iraque. Por exemplo, a embaixada italiana serve de plataforma para empresas como a Telecom italiana e a AGIP dos petróleos. Até os Estados Unidos, têm os interesses representados pela Polónia! E Portugal, é a minha quarta pergunta: porque é que tem a embaixada paralisada? Porque é que foram paralisados os contratos da Petrogal? O que é que o Governo acha? Não vê que vão ser as empresas portuguesas - e muitas operaram na zona - que vão pagar o alinhamento americano de Portugal?

Felizmente para o sr. Ministro, ele não teve de enfrentar uma plateia como fez a sr. Albright, que exibiu ao mundo inteiro a cara de quem é apanhada em falta, sem explicações e sem resposta. A realidade é que, tal como a opinião pública portuguesa, também a americana não aceitava a lógica militar e intervencionista das autoridades americanas.

A guerra no Iraque mantém-se latente ao longo destes anos, tal como os Estados Unidos a quiseram.

O embargo que se vem arrastando não abalou um centímetro o regime iraquiano, nem Saddam Hussein; não deu qualquer credibilidade à oposição, seja à pró-americana, seja à fundamentalista, sejam aos movimentos curdos, seja à de esquerda e comunista. Não mudou nada na zona. A única consequência do embargo, foi a miséria e a morte dos mais desprotegidos: crianças, velhos e doentes. É um embargo que na prática tem dizimado os inocentes, e que tem condenações de muito lado, incluindo da Igreja católica.

A minha quinta pergunta ao Governo, é a seguinte: não acha que deve ser proposto o termo do embargo, tanto mais que agora é a própria ONU a certificar com a sua assinatura o cumprimento pelo Iraque das resoluções da ONU?

Não é altura de dizer basta?

A evolução deste caso trouxe uma novidade, cujo alcance estamos muito longe de poder avaliar. Trata-se, de facto, de o processo militar do ataque americano contra o Iraque ter sido paralisado por um acordo celebrado entre Koffi Annan e Tarek Aziz, pelas Nações Unidas e pelo Iraque. As reacções de desagrado que dirigentes americanos ainda tiveram não deixam margem para dúvida: os Estados Unidos não queriam fiscalização, nem acordo, nem cumprimento de resoluções da ONU, queriam guerra.

Se a não fizeram, isso deve-se à posição de vários países, à pressão de uma relevante opinião pública mundial, até à oposição da opinião pública americana. Fez mais contra a guerra aquele cidadão americana que interpelou frontalmente, no debate no Ohio, a sra. Albright, de que todo o governo português.

Que este debate sirva para o Governo meter a mão na consciência e começar a pensar na defesa dos interesses nacionais!

Disse.

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