Intervenção de José Calçada na Assembleia de República

UNITA

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados:

Ainda ontem os jornais noticiavam que autoridades angolanas e de países vizinhos no sul da África estavam a desenvolver diligências no sentido de encontrarem uma terra de exílio - mais dourado ou menos dourado - para o chefe da UNITA. Já hoje, os jornais dão-nos também conta que o mesmíssimo chefe da UNITA foi classificado como "criminoso de guerra" - nem mais, nem menos - pelo Presidente Nelson Mandela a quando do seu encontro com o Primeiro Ministro António Guterres ontem em Moçambique. Hoje também foi dado a conhecer que a "troika" de observadores do processo de paz em Angola - constituída por russos, americanos e portugueses - enviou mais uma carta, talvez a última, ao chefe da UNITA, responsabilizando-os inequivocamente a ele e à sua organização pelo não-cumprimento dos Acordos de Lusaca, pelo reacender da guerra, pela sua incapacidade em darem uma real oportunidade à paz. E é dentro deste quadro, que não de qualquer outro, que o PP decide apresentar este "projecto de deliberação sobre a situação dos deputados do grupo parlamentar da UNITA em Angola". O que é que o PP pretende afinal com este "Projecto"?

O projecto do PP não pode ignorar olimpicamente os factos e as normas do direito interno e internacional - e construir a partir daí uma argumentação e conclusões absolutamente inaceitáveis, dada a insustentabilidade das premissas de que partem. O projecto de resolução reconhece que o parlamento nacional deve ser "a sede e o motor do relacionamento democrático entre as diferentes tendências existentes na sociedade" - mas esquece de referir que é a UNITA do Dr. Savimbi que continua a privilegiar o terreno da guerra como a sede e o motor desse relacionamento; o projecto de resolução enfatiza a "autenticidade" e a "liberdade" com que decorreram as eleições angolanas de 1992 - mas esquece de referir que é a UNITA do Dr. Savimbi que continua na prática a não aceitar, em todas as suas consequências, os resultados dessas eleições. Neste quadro, é pelo menos politicamente absurdo solicitar garantias para que deputados do grupo parlamentar da UNITA possam assumir "o respeito pela sua fidelidade aos princípios e ao Partido pelo qual foram eleitos"! A UNITA do Dr. Savimbi continua no caminho da guerra - e nós, Assembleia da República de Portugal, iríamos desenvolver diligências para que os seus deputados no parlamenta da República de Angola lhe pudessem continuar a garantir fidelidade! Esta é uma coisa que não-lembra-ao-diabo, mas que lembra ao PP!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados:

Não fosse esta uma questão verdadeiramente trágica para todo o povo angolano - e limitar-nos-íamos a dizer que o CDS/PP escolheu um péssimo pretexto para brincar com as palavras. O projecto apresentado pelo CDS/PP, em última instância, visa passar por cima de todos os factos e apresentar dirigentes e militantes de um partido-que-se-coloca-fora-da-lei como vítimas de uma situação da qual são afinal responsáveis.

Na sequência das eleições de 1992, membros da UNITA são ministros no Governo, são deputados no Parlamento, são altos comandos das Forças Armadas de Angola. No estrito cumprimento dos Acordos de Lusaca, e bem assim no âmbito do direito interno de Angola, os partidos teriam de ser integralmente desmilitarizados.. Ninguém tem dúvidas de qual tem vindo a ser a opção da UNITA do Dr. Savimbi neste domínio. A UNITA do Dr. Savimbi coloca-se assim, deliberadamente, fora da lei, isto é: fora das decisões reconhecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, pela "troika", pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. A UNITA do Dr. Savimbi colocou-se igualmente, como já dissemos, e não é demais repeti-lo - fora do direito interno de Angola.

A Assembleia da República de Portugal não pode deixar de ser sensível a tudo o que possa contribuir para a felicidade do povo irmão de Angola no quadro de um futuro de paz. Por isso mesmo, não se deixando arrastar por questão de circunstância, de manobras políticas, deve ser sempre capaz de distinguir o essencial do acessório, o agressor do agredido, o cumpridor do violador - a paz da guerra. E - Senhor Presidente, Senhores e Senhores Deputados - poderíamos aqui discutir eternamente sobre as forças que hoje lutam pela paz em Angola e sobre o modo como pretendem moldá-la no presente e no futuro. Mas já não teríamos qualquer dificuldade em apontar aqueles que continuam a escolher a guerra como a sua única razão de ser. Dispenso-me de vos dizer o seu nome.

Disse.

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