Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate preparatório do Conselho Europeu

"A União Europeia está lançada numa deriva reaccionária e xenófoba extremamente perigosa face ao drama dos refugiados"

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Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Um dos pontos que está na ordem de trabalho do Conselho é o Semestre Europeu e a chamada «revisão da implementação das recomendações específicas para o País».
O senhor sabe que o relatório da Comissão Europeia sobre Portugal considera que alguma das medidas mais positivas, que acabámos de aprovar no Orçamento do Estado, são para eles negativas.
Mais, reconhecendo a devastação social e económica dos últimos quatro anos, aquele documento afirma que a política que Portugal tem de seguir é mais do mesmo: mais de regulação laboral, menos contratação coletiva, salários mais baixos, menos serviços públicos, menos apoios sociais e mais privatizações.
Sejamos claros, eles pretendem impedir ou destruir o que acabámos de decidir para defesa dos interesses dos trabalhadores e do nosso povo. Quero reafirmar-lhe que o único caminho é respeitar esta Assembleia da República, resistindo a pressões e dizendo «Não!». É nessa luta que se pode contar com o PCP, porque resistir às manobras, chantagens e pressões, é defender o interesse nacional.
Falando do interesse nacional, não posso deixar de lhe colocar duas questões, sendo que a primeira, que já lha coloquei antes, recai sobre o drama dos produtores leiteiros. As consequências do fim das quotas leiteiras aí estão, tal como o PCP alertou, e os Governos do PSD e CDS e do PS têm pesadas responsabilidades. A célebre «aterragem suave» resultou, como previmos, num autêntico desastre. Agora a questão é: o que fazer para defender o interesse nacional?
Por mais que se diga o contrário, o Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia resultou em pouco ou nada. O sistema de liberalização mantém-se e as medidas aprovadas ou são provisórias, algumas meras promessas, ou remetem para os Estados-membros e para os produtores os custos da redução da produção. Nada disto é solução!
Portanto, o que é necessário defender no seio da União da Europeia é a reversão do processo de liberalização, bem como um debate nacional sobre medidas de fundo de proteção da produção nacional.
Um debate nacional porque estamos a falar da nossa soberania alimentar e porque nunca foi tão evidente a falência da atual política agrícola comum.
As consequências estão à vista e o sector da suinicultura é mais um exemplo disso. Sabemos bem que as causas dos protestos dos suinicultores não nasceram agora. Mas, independentemente de ser uma questão de conjuntura, há uma realidade que é inegável: Portugal perdeu 25% do seu efetivo suíno. Nos últimos 25 anos passámos de País autossuficiente para País importador líquido, e isto requer uma reflexão séria sobre as consequências da nossa adesão à União Europeia.
Aumentar a nossa produção nacional é a questão-chave para o nosso desenvolvimento.
Não está agora presente o Sr. Deputado Telmo Correia, mas consideramos que, porque falou na defesa dos interesses dos pequenos e médios empresários, é hipocrisia proclamar cá essa defesa e maltratar as suas vidas na União Europeia.
Uma União Europeia que está lançada numa deriva reacionária e xenófoba extremamente perigosa, face ao drama dos refugiados.
Hoje queríamos saudar os sinais positivos que o Governo português tem dado na resposta ao drama humanitário, sinais esses que devem ser aprofundados.
Ainda assim, para o PCP, seria inaceitável que o Governo português desse cobertura e acordo ao que está previsto ser aprovado no Conselho, no ponto sobre migrações, medidas que a própria ONU já veio questionar, como aqui foi lembrado, assim como é inaceitável que Portugal continue a dar cobertura e a considerar a participação na missão da NATO no Mar Egeu e a dar o seu acordo à criação da guarda costeira europeia.
Esperamos, Sr. Primeiro-Ministro, que leve ao Conselho uma perspetiva diferente das conclusões que estão ensejadas.

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